6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas empreendidas neste trabalho evidenciaram que os fundamentos determinantes da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF estão centrados na matéria debatida na lide instaurada entre o servidor e a Administração Pública. Em se tratando de controvérsia envolvendo direitos relacionados ao estatuto que rege o vínculo funcional do servidor perante a Administração Pública, firma-se a incompetência da Justiça do Trabalho com base no julgamento da referida ADI.
Essa restrição, para o Supremo Tribunal Federal, justifica-se pela natureza preponderantemente administrativa – e não contratual – dos direitos e deveres preconizados no estatuto do servidor público. A indisponibilidade dos direitos e obrigações previstos na lei e a prerrogativa de alteração unilateral das condições de trabalho, pelo Estado, são características que, no entendimento do STF, respaldam a supressão da competência da Justiça do Trabalho, mais afeita à apreciação de causas de índole contratual privada.
O direito estatutário, base da supressão da competência da Justiça do Trabalho pelas razões de decidir da ADI 3.395/DF, consubstancia direitos e deveres funcionais que disciplinam a relação entre o Poder Público e o servidor no exercício das atribuições do cargo.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incluindo o meio ambiente do trabalho, contudo, não decorre dos direitos e deveres inerentes ao cargo público ocupado pelo servidor. Ele está atrelado à condição de ser humano, independente da natureza jurídica da relação entre a pessoa do trabalhador e o tomador dos serviços. Trata-se de direito difuso que possui fundamento autônomo na Constituição Federal (art. 200, VIII, e 225) e almeja propósitos que alcançam qualquer pessoa: a proteção da dignidade humana, da vida e da saúde no local de trabalho. Não se qualifica como direito estatutário, portanto.
Entendimento oposto pode resultar em consequências incompatíveis com a Constituição Federal e com os tratados internacionais que regulam a matéria.
Se visto como estatutário, o direito ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável deixaria de ser inerente à condição humana para se tornar direito de servidor público, passando para a esfera de disponibilidade do Estado. Com isso, estaria nas mãos do Chefe do Poder Executivo local o poder de negar aos servidores o direito fundamental à redução dos riscos inerentes ao trabalho pela mera inércia legislativa, bastando deixar de prever no estatuto as normas de saúde e segurança no trabalho, diante da sua competência privativa para a iniciativa das leis que versam sobre matéria estatutária dos seus servidores (art. 61, § 1º, II, “c”, da CF).
Há a transmudação de um direito que, conforme a Constituição Federal, ostenta natureza difusa, indisponível e ínsita à condição humana, titularizado por “todos”, para um direito disponível pelo Estado e inerente a uma categoria.17 Ocorre ainda a desequiparação entre os trabalhadores, em descompasso com a equidade prevista no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (BRASIL, 1992) e no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (BRASIL, 1999). A acepção do meio ambiente do trabalho seguro e saudável como direito estatutário encontra importantes obstáculos, portanto.
Afastada sua característica de direito estatutário, exsurge o entendimento de que as demandas voltadas ao cumprimento de obrigações relacionadas à saúde e segurança do trabalho no meio ambiente de trabalho ocupado por servidores estatutários estão fora do alcance da decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF.
Sendo impraticável a utilização da ADI 3.395/DF como fundamento para a negação da competência da Justiça do Trabalho para apreciar as causas versando sobre meio ambiente do trabalho, ante a ausência de pertinência destacada, percebe-se que a competência desse ramo jurisdicional sobrevive ao confronto com esse paradigma independentemente da Súmula 736, do Supremo Tribunal Federal.18
Conclui-se, então, dos estudos realizados, que inexiste fundamento extraído da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.395/DF para a exclusão da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas cujo objeto seja o cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho em locais nos quais servidores públicos estatutários desempenham suas atividades.
É inegável que existirão interpretações distintas que merecem ser igualmente consideradas, pois esta pesquisa não esgota as perspectivas de abordagem da matéria, tanto no que se refere à extensão argumentativa, quanto à profundidade dos argumentos expressamente debatidos.
Este trabalho representa apenas uma tentativa de contribuir para a identificação, com maior precisão e objetividade, do que está circunscrito à coisa julgada oriunda da ADI 3.395/DF para que seja possível identificar também o que está fora dessa demarcação e, de forma particularizada, qual a posição do direito ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável nesse espaço de discussão.
A preocupação em se atenuar a fluidez do conceito atribuído a regime estatutário e ao escopo da ADI 3.395/DF importa não apenas para o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas também para outros direitos inerentes à condição humana. A falta de objetividade pode resultar na generalização de vários direitos humanos à condição de direitos “estatutários”, situação capaz de resultar na segregação dos ocupantes de cargos públicos dos demais seres humanos titulares dos mesmos direitos.
O que se anseia, consequentemente, é estimular a reflexão em torno de um tema que até hoje suscita controvérsias no Supremo Tribunal Federal e, no centro das discussões, gravitam o direito à vida, à saúde e à integridade física do servidor público estatutário no ambiente de trabalho.
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