6.ENTENDIMENTO DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária deliberou sobre a matéria e, em 30 de novembro de 2002, editou a Resolução nº. 05, rejeitando a prática do interrogatório "on line" de presos considerados perigosos.
De acordo com o parecer da conselheira Ana Sofia Schmidt de Oliveira, relatora da comissão constituída para elaborar anteprojeto referente à realização de interrogatório "on line" de presos considerados perigosos, a abordagem precisa ser feita sob dois ângulos: a viabilidade jurídica da medida no sistema normativo vigente e as implicações de política criminal.
Sustenta a conselheira relatora que o Brasil aderiu ao sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos e as regras previstas no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos passaram a integrar o nosso ordenamento jurídico, e que o direito do réu preso ser conduzido à presença do juiz previsto neles "não pode sofrer interpretação que venha a equiparar a condução da pessoa à condução da imagem por cabos de fibra ótica". [25]
Ainda segundo a relatora:
Quando o medo e a insegurança tornam-se temas centrais na pauta política e é abertamente declarada a guerra contra o crime, as autoridades contam suas armas. Não só as de praxe, medidas pelos mais variados calibres, mas também outros instrumentos que podem ser utilizados contra a criminalidade, contra a impunidade. Neste contexto, o processo penal, de instrumento garantista que é na sua essência, passa a ser mais uma arma contra o crime. O objetivo, afinal, é reduzir a criminalidade, facilitar as condenações, chegar mais rapidamente ao termo final do processo, lançar às prisões o maior número de criminosos e, já que não se pode abrir mão das formalidades todas, que se busquem meios de cumpri-las logo, ainda que de forma só aparente.
O conselheiro Carlos Weis, integrante da mesma comissão criada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, entende que a apresentação física do detido é a única forma capaz de permitir ao magistrado verificar as reais causas da detenção e o modo pelo qual vem sendo exercida, fazendo-a cessar imediatamente, se necessário.
Defende, ainda:
A construção de pequenas unidades judiciais anexas ou próximas aos locais de detenção e prisão, para a oitiva, em caráter excepcional, dos chamados "presos perigosos", compatibilizando o direito fundamental à preservação da segurança pública, com aqueles relacionados às garantias fundamentais judiciais e à construção do Estado Democrático de Direito. [26]
7.PROJETOS DE LEI
Algumas iniciativas legislativas sobre a matéria tramitam no Congresso Nacional, dentre eles o Projeto de Lei nº. 1.233, de 17 de junho de 1999, de autoria do deputado Luiz Antônio Fleury, de São Paulo, que modifica a redação dos artigos 6º, 10, 16, 23, 28, 185, 195, 366 e 414 do Código de Processo Penal, trazendo alterações ao inquérito policial e possibilitando a realização de interrogatórios e audiências à distância, por meio telemático.
A principal modificação proposta pelo Projeto de Lei nº. 1.233/99 seria feita no art. 185 do CPP, cujo parágrafo único passaria a dispor que:
Se o acusado estiver preso, o interrogatório e audiência poderão ser feitos à distância, por meio telemático que forneça som e imagem ao vivo, bem como um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador.
Em fase adiantada de tramitação, o Projeto de Lei nº. 139 de 2006 prevê alteração dos artigos 185 e 203 do Código de Processo Penal, disciplinando a videoconferência como regra no interrogatório judicial, que passariam a vigorar da seguinte forma:
"Art. 185.. ......................................................................
§ 1º Os interrogatórios e as audiências judiciais serão realizadas por meio de videoconferência, ou outro recurso tecnológico de presença virtual em tempo real, assegurados canais telefônicos reservados para a comunicação entre o defensor que permanecer no presídio e os advogados presentes nas salas de audiência dos Fóruns, e entre estes e o preso; nos presídios, as salas reservadas para esses atos serão fiscalizadas por oficial de justiça, funcionários do Ministério Público e advogado designado pela Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 2º Não havendo condições de realização do interrogatório ou audiência nos moldes do § 1º deste artigo, estes serão realizados no estabelecimento prisional em que se encontrar o preso, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato.
§ 3º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.
§ 4º Será requisitada a apresentação do réu em juízo nas hipóteses em que não for possível a realização do interrogatório nas formas previstas nos §§ 1º e 2º deste artigo." (NR)
"Art. 203.. .............................................................
Parágrafo único. O juiz realizará a oitiva de testemunha presa por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de presença virtual, em tempo real, permitida a presença de defensor, observado o disposto no art. 185 deste Código." (NR)
8.NULIDADES
Os críticos da aplicação do mecanismo de videoconferência ao interrogatório sustentam a ocorrência de nulidades por violação aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, como acima explanado.
Tido por muitos como meio de defesa, o interrogatório seria o momento processual mais adequado para que o acusado praticasse a sua autodefesa, e fundamental seria para isso o contato físico entre o interrogado e o magistrado.
Por ser considerada garantia constitucional, a falta de defesa implica em nulidade processual, de acordo com a Súmula 523, STF: "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".
Para Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho, a autodefesa não pode ser imposta ao réu, sendo renunciável:
Mas essa renunciabilidade não significa sua dispensabilidade pelo juiz. De sorte que o cerceamento de auto defesa, mutilando a possibilidade de o acusado colaborar com seu defensor e com o juiz para a apresentação de considerações defensivas, pode redundar em sacrifício para toda a defesa. [27]
Não se pode dizer que o interrogatório por videoconferência retire do acusado a possibilidade do mesmo exercer a sua autodefesa, pois como já afirmado neste estudo, o sistema de videoconferência permite a interação direta entre o juiz e o réu, que são vistos e ouvidos em tempo real, sem intermediários, podendo o interrogado exercer sua autodefesa de maneira livre.
Também é assegurada ao interrogado uma linha direta e exclusiva com seu defensor para que o mesmo possa receber instruções e orientações para sua autodefesa.
O art. 564, III, alínea ‘e’, CPP, que determina a nulidade do processo por falta de interrogatório, não é aplicável à espécie vez que o mesmo ocorreria, só que na modalidade "on line".
Quanto à nulidade prevista no art. 564, IV, CPP, por omissão de formalidade que constitua elemento essencial ao ato, também não é cabível vez que o comparecimento físico não pode ser tido como elemento essencial do interrogatório. E mesmo que o fosse, a nulidade seria apenas relativa, nos termos do art. 572, CPP, e poderia ser considerada sanada vez que, apesar de praticado por outra forma, o ato atingiu o seu fim. [28]
9.POSICIONAMENTO STF
Em julgamento ao Habeas Corpus nº. 88.914-0, de São Paulo, realizado em 14 de agosto de 2007, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, considerou inconstitucional o interrogatório realizado por videoconferência, pois violaria os princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal, e, conseqüentemente, anulou a ação penal desde o interrogatório.
O relator Ministro Cezar Peluso, considera o interrogatório um meio de defesa, momento em que o acusado exerce a autodefesa, refutando a denúncia e declinando argumentos que lhe justifiquem a ação.
Alega, também, que o devido processo legal, garantido no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, pressupõe a regularidade do procedimento, com observância das leis processuais penais, e que, no Brasil, não havia lei que regulamentasse o interrogatório por videoconferência.
Segundo o relator, alguns países como Itália, França e Espanha, adotam o sistema de videoconferência, mas o fazem por meio de legislação específica, que o limitam a circunstâncias especiais e devidamente fundamentadas.
Ao combater os argumentos de que tal espécie de interrogatório traria celeridade, redução de custos e segurança, o Relator pondera que "quando a política criminal é promovida à custa de redução das garantias individuais, se condena ao fracasso mais retumbante".
De acordo com notícia divulgada no site do STJ [29], em 14.08.2007, o presidente da Turma, ministro Celso de Mello, afirmou que a decisão "representa um marco importante na reafirmação de direitos básicos que assistem a qualquer acusado em juízo penal". Para ele, o direito de presença real do acusado durante o interrogatório e em outros atos da instrução processual tem de ser preservado pelo Poder Judiciário.
O ministro Eros Grau também acompanhou o voto do relator. O Ministro Gilmar Mendes não apreciou os argumentos de violação constitucional apresentados pelo relatou, limitando-se a dizer que só o fato de não haver lei que autorize a realização de videoconferência, por si só, já revela a ilegalidade do procedimento.
Mas esse posicionamento não é pacífico no STF, outros ministros na relatoria de habeas corpus já assumiram entendimento contrário, entendendo pela constitucionalidade do interrogatório por videoconferência.
Em 27.03.2007, na apreciação do pedido de liminar nos autos do Habeas Corpus nº. 90900 MC SP – São Paulo, impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu pedido idêntico, o relator Ministro Gilmar Mendes negou a liminar por entender que os fundamentos adotados pela decisão do STJ não autorizavam a sua concessão, mantendo o interrogatório por videoconferência.
A Ministra Ellen Gracie, Presidente do STF, também já indeferiu os pedidos de liminar nos Habeas Corpus nº. 91859 e 91758 – São Paulo, em 05.07.2007 e 06.07.2007, respectivamente, considerando que os fundamentos do julgado impugnado - no sentido de que a "estipulação do sistema de videoconferência para interrogatório do réu não ofende as garantias constitucionais do réu" - mostravam-se relevantes e sobrepunham-se aos do impetrante.
10.JURISPRUDÊNCIA OUTROS TRIBUNAIS
Os demais tribunais também já apresentam decisões sobre o uso de videoconferência em interrogatórios, demonstrando a natureza controvertida do tema, sendo que a maioria decidiu pela sua constitucionalidade, repudiando alegações de cerceamento de defesa. Vejamos posicionamentos favoráveis e contrários:
STJ-165844. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE. INTERROGATÓRIO. VIDEOCONFERÊNCIA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. PREJUÍZO NÃO DEMOSTRADO. O interrogatório realizado por videoconferência, em tempo real, não viola o princípio do devido processo legal e seus consectários. Para que seja declarada nulidade do ato, mister a demonstração do prejuízo nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal. Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 34020/SP (2004/0026250-4), 6ª Turma do STJ, Rel. Min. Paulo Medina. j. 15.09.2005, unânime, DJ 03.10.2005).
STJ-161409. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO REALIZADO POR MEIO DE SISTEMA DE VIDEOCONFERÊNCIA OU TELEAUDIÊNCIA EM REAL TIME. CERCEAMENTO DE DEFESA. Nulidade, para cujo reconhecimento faz-se necessária a ocorrência de efetivo prejuízo, não demonstrado, no caso. Recurso desprovido. (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 15558/SP (2004/0006328-1), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. j. 14.09.2004, unânime, DJ 11.10.2004).
AUDIÊNCIA POR VIDEOCONFERÊNCIA - Nulidade do ato - Não caracterização - Constitucionalidade formal da Lei Estadual n- 11.819, de 2005, pois a matéria tratada refere-se a procedimento e não a processo (artigo 24, inciso XI, da Constituição Federal) - Respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da publicidade e da igualdade - Ademais, ausência de comprovação da ocorrência de prejuízo à defesa - Ordem denegada (TJSP, HC 11079483900, Rel. Teodomorio Méndez, 2ª Câmara Criminal, 22.10.2007).
INTERROGATÓRIO JUDICIAL ON-LINE – Valor – O sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu defensor e facultada, ainda, a gravação em compact disc, que será anexado aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o acusado tem condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar com seu defensor em canal de áudio reservado. (Apelação nº 1.384.389/8 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Ferraz de Arruda – 21.10.2003 – V.U. (Voto nº 11.088)).
Habeas Corpus - Pretensão de se anular instrução realizada pelo sistema de videoconferência - Alegação de violação dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa - Nulidade inocorrente - violação não caracterizada porque mantido o contato visual e direto entre todas a partes e porque facultada a permanência de um defensor na sala de audiência e outro na sala especial onde o réu se encontra - Medida que, ademais acarreta celeridade na prestação jurisdicional e sensível redução de custos para o Estado - Ordem denegada. (TJSP – HC nº. 428.580-3/8 – Capital, pt. nº113.719/2003).
Recurso de habeas-corpus. Processual penal. Interrogatório feito via sistema conferencia em real time. Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, ex vi art. 563 do CPP. Recurso desprovido (STJ, RHC 6272/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Félix Fischer, j. 3/4/97, impetrante Evaldo Aparecido dos Santos).
APELAÇÃO CRIMINAL. Roubo qualificado por lesão corporal de natureza grave à vítima. Sentença condenatória. Defesa argúi nulidade por adoção de ''teleaudiência''; no mérito, pugna pela absolvição ou redução da pena. Acolhimento da preliminar de nulidade. Sistema de videoconferência previsto viola o princípio da ampla defesa em seu duplo aspecto: a autodefesa (direito de audiência e direito de presença) e a defesa técnica. Necessidade de observância do devido processo legal. Acolhida preliminar para anular o processo desde o interrogatório, inclusive (TJSP, HC 11181883500, Rel. Péricles Piza, 1ª Câmara Criminal, 06.11.2007).
INTERROGATÓRIO ON-LINE – Nulidade – O interrogatório judicial realizado a distância, por sistema de videoconferência, que tem sido denominado interrogatório on-line, revela patente nulidade por violar princípios de natureza constitucional, em especial os da ampla defesa e do devido processo legal. (TACRIM/SP - Apelação nº 1.393.005/9 – São Paulo – 10ª Câmara – Relator: Ary Casagrande – 22.10.2003 – V.U.).