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Os homens também necessitam da proteção especial prevista na Lei Maria da Penha?

Diagnóstico crítico sobre a violência de gênero sofrida por mulheres e a constitucionalidade das medidas de caráter afirmativo que visam combatê-la

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Agenda 27/11/2008 às 00:00

2 - A oposição injustificada dos operadores jurídicos quanto à interpretação lógica e conseqüente aceitação da imperativa necessidade de aplicação dos dispositivos insertos na Lei Maria da Penha.

Voltemos nosso olhar ao passado para recordar da chocante fala de um jornalista, amplamente divulgada e aplaudida na época, num caso célebre em que também a vítima foi tida como "autora" de sua própria morte: "Eu vi o corpo da moça estendido no mármore da delegacia de Cabo Frio. Parecia ao mesmo tempo uma criança e boneca enorme quebrada...mas desde o momento em que vi o cadáver, tive imensa pena, não dela, boneca quebrada, mas de seu assassino". [14]

Eis o pensamento predominante até hoje entre os juristas e aplicadores do direito em nosso país, comprovando que para a sociedade brasileira a mulher ainda é tida como propriedade do homem, consubstanciando o que Streck definiu divinamente como verdadeira "coisificação do ser humano do gênero feminino". [15]

Sobre a justificativa do juiz do juizado especial criminal que entendeu que os homens também fariam jus às normas protetoras elencadas na Lei Maria da Penha, em razão da constatação formal-constitucional simplista e idealizaria de que "todos são iguais perante a lei", recorro novamente aos comentários de Streck, que ao ser perquirido acerca dos avanços femininos na sociedade brasileira, indagou: "de que mulher vocês estão falando, já que estamos em um país que pode ser dividido, por faixa de renda per capita, em Itália, Colômbia, Quênia e Somália... Nesse contexto, por certo estavam a falar da mulher ‘italiana’...! Mas, pergunto: e o que sobra para a ‘queniana’ ou a ‘somalis’ brasileiras? Ora, não existe ‘a mulher’. Existem ‘várias mulheres’... Tais generalizações são metafísicas, que provocam o esquecimento daquilo que na hermenêutica se chama de diferença ontológica. Dito de outro modo, quando alguém fala da mulher está falando de forma estereotipada (raciocínio feito no varejo e transportado para o atacado). E, convenhamos, não é de bom alvitre que se analise um tema de tamanha relevância de maneira estereotipada! Como muito bem diz Giorgio Agamben: "o Direito não possui por si nenhuma existência, mas o seu ser é a própria vida dos homens". É o modo-de-ser-no-mundo do intérprete que será a condição de possibilidade de seu olhar do Direito. Esse olhar é interpretação." [16]

Segue o autor:

"(...) na medida em que falamos do mundo a partir da tradição, é inexorável que a visão dos operadores jurídicos acerca dos textos normativos e do que eles significam dependerá dos pré-juízos que antecipam o sentido do mundo onde vivemos. Sendo a dogmática jurídica um paradigma, no interior do qual o papel da mulher tem sido relegado a um plano secundário, a ponto da doutrina e da jurisprudência durante décadas defenderem a possibilidade de o marido forçar a esposa a com ele praticar sexo, esse imaginário traz conseqüências – porque instituinte da existencialidade dos operadores.. . A doutrina e a jurisprudência ainda permanecerem reféns de um imaginário que nega (ainda que implicitamente a partir de um discurso que escamoteia a problemática) à mulher a possibilidade de dispor de seu próprio corpo (questão que tem reflexos na discussão do aborto, que, de uma questão social e moral, transforma-se em uma discussão jurídico-criminal). A disposição do corpo não diz respeito somente à questão da sexualidade. Mais do que isto, é uma questão que envolve o (des)respeito à dignidade humana. É, pois, na abertura, nesse espaço aberto pela crítica hermenêutica, que devemos estabelecer as bases (condições de possibilidade) para desvelar o ainda não-desvelado dessa conquista da civilização, que é o respeito à condição de gênero (...). Nessa seara, não é difícil encontrar julgados que reproduzem o imaginário acerca de como-se-vê-a-mulher-em-uma-sociedade-díspar-como-a-brasileira (...) de nada valem ementas jurisprudenciais, se estas vierem desacompanhadas dos respectivos fundamentos. Essa problemática assume contornos dramáticos no interior da crise de paradigmas que atravessa a dogmática jurídica... "As ementas dos julgados de nossos tribunais intrinsecamente apresentam problemas a partir da reprodução de um imaginário que coloca a mulher em posição absoluta e escandalosamente secundária ". [17]

Recentemente, um juiz de Minas Gerais, entrou para a história das decisões judiciais teratológicas por ter sido suficientemente "tolo" ou "ingênuo" de tornar público, colocando no papel o real pensamento de muitos de seus pares (juízes, promotores, defensores e advogados), em decisão que certamente já se viu ou ouviu falar, mas que sempre vale "a pena" ser lida novamente:

"Esta "Lei Maria da Penha" — como posta ou editada — é, portanto de uma heresia manifesta. Herética porque é antiética; herética porque fere a lógica de Deus; herética porque é inconstitucional e por tudo isso flagrantemente injusta. Ora! A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher — todos nós sabemos — mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem.

Deus então, irado, vaticinou, para ambos. E para a mulher, disse:"(...) o teu desejo será para o teu marido e ele te dominará (...)" (...) Por causa da maldade do "bicho" Homem, a Verdade foi então por ele interpretada segundo as suas maldades e sobreveio o caos, culminando — na relação entre homem e mulher, que domina o mundo — nesta preconceituosa lei.

(...) o direito natural e próprio em cada um destes seres, nos conduz à conclusão bem diversa. Por isso — e na esteira destes raciocínios — dou-me o direito de ir mais longe, e em definitivo! O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi Homem! Á própria Maria — inobstante sua santidade, o respeito ao seu sofrimento (que inclusive a credenciou como "advogada" nossa diante do Tribunal Divino) — Jesus ainda assim a advertiu, para que também as coisas fossem postas cada uma em seu devido lugar: "que tenho contigo, mulher?".

E certamente por isto a mulher guarda em seus arquétipos inconscientes sua disposição com o homem tolo e emocionalmente frágil, porque foi muito também por isso que tudo isso começou. A mulher moderna — dita independente, que nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides — assim só o é porque se frustrou como mulher, como ser feminino. Tanto isto é verdade — respeitosamente — que aquela que encontrar o homem de sua vida, aquele que a complete por inteiro, que a satisfaça como ser e principalmente como ser sensual, esta mulher tenderá a abrir mão de tudo (ou de muito), no sentido dessa "igualdade" que hipocritamente e demagogicamente se está a lhe conferir. Isto porque a mulher quer ser amada. Só isso. Nada mais. Só que "só isso" não é nada fácil para as exigências masculinas. Por isso que as fragilidades do homem têm de ser reguladas, assistidas e normatizadas, também. [18] Sob pena de se configurar um desequilíbrio que, além de inconstitucional, o mais grave, gerará desarmonia, que é tudo o que afinal o Estado não quer.

Ora! Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas desta lei absurda o homem terá de se manter tolo, mole — no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões — dependente, longe, portanto de ser um homem de verdade, másculo (contudo gentil), como certamente toda mulher quer que seja o homem que escolheu amar. Mas poder-se-ia dizer que um homem assim não será alvo desta lei. Mas o será assim e o é sim. Porque ao homem desta lei não será dado o direito de errar.

Portanto, é preciso que se restabeleça a verdade. A verdade histórica inclusive e as lições que ele nos deixou e nos deixa. Numa palavra, o equilíbrio enfim, Isto porque se a reação feminina ao cruel domínio masculino restou compreensível, um erro não deverá justificar o outro, e sim nos conduzir ao equilíbrio. Mas o que está se vendo é o homem — em sua secular tolice — deixando-se levar, auto-flagelando-se em seu mórbido e tolo sentimento de culpa.

Enfim! Todas estas razões históricas, filosóficas e psicossociais, ao invés de nos conduzir ao equilíbrio, ao contrário vêm para culminar nesta lei absurda, que a confusão, certamente está rindo à toa! Porque a vingar este conjunto normativo de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras — porque sem pais; o homem subjugado; sem preconceito, como vimos, não significa sem ética — a adoção por homossexuais e o "casamento" deles, como mais um exemplo. Tudo em nome de uma igualdade cujo conceito tem sido prostituído em nome de uma "sociedade igualitária".

Não! O mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, afinal. Pois se os direitos são iguais — porque são — cada um, contudo, em seu ser, pois as funções são naturalmente diferentes. Se se prostitui a essência, os frutos também serão. Se o ser for conspurcado, suas funções também o serão. E instalar-se-á o caos.

É, portanto por tudo isso que de nossa parte concluímos que do ponto de vista ético, moral, filosófico, religioso e até histórico a chamada "Lei Maria da Penha" é um monstrengo tinhoso. E essas digressões não as fazem à toa — este texto normativo que nos obrigou inexoravelmente a tanto. Mas quanto aos seus aspectos jurídico-constitucionais, o "estrago" não é menos flagrante.

(...) na medida em que o Poder Público — por falta de orientação legislativa — não tem condições de se estruturar para prestar assistência também ao homem, acaso, em suas relações domésticas e familiares, se sentir vítima das mesmas ou semelhantes violências. A Lei em exame, portanto, é discriminatória. E não só literalmente como, especialmente, em toda a sua espinha dorsal normativa.

O art. 2° diz "Toda mulher (...)". Por que não o homem também, ali, naquelas disposições? O art. 3° diz "Serão assegurados às mulheres (...)". Porque não ao homem também? O parágrafo 1° do mesmo art. 3° diz "O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares (...)" (grifei). Mas porque não dos homens também? O art. 5° diz que "configura violência doméstica e familiar contra a mulher (...)". Outro absurdo: de tais violências não é ou não pode ser vítima também o homem? O próprio e malsinado art. 7° — que define as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher — delas não pode ser vítima também o homem? O art. 6° diz que "A violência familiar e doméstica contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos" Que absurdo! A violência contra o homem não é forma também de violação de seus "direitos humanos", se afinal constatada efetivamente a violência, e ainda que definida segundo as peculiaridades masculinas? (...) A lei, no entanto, ignora toda essa rica gama de nuances e seleciona que só a mulher pode ser vítima de violência física, psicológica e patrimonial nas relações domésticas e familiares". [19]

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Atente-se para o fato de que, tanto neste caso como nos demais aludidos, não se contesta a soberania da independência funcional do julgador, detentor de inegável faculdade de decidir conforme seu livre convencimento, mas se repudia com veemência os termos preconceituosos e ofensivos utilizados na fundamentação das decisões, com evidentes e inoportunos excessos de linguagem que deveriam ser evitados.


3. A aversão demonstrada pelos agressores de condições econômicas privilegiadas aos ditames da Lei 11.340/2006 e comentários sobre a constatação de que a prerrogativa de "independência funcional" garantida aos julgadores é sopesada de forma diversa e subjetiva, que tendo em conta as peculiaridades dos envolvidos, é assegurada ou rechaçada.

No uso de minhas atribuições legais, atuando como representante do Ministério Público junto às Varas Especializadas de Violência Doméstica de Cuiabá-MT, desde o dia 22 de Setembro de 2006, após a entrada em vigor da Lei 11.340/ 2006, sei que não é exagero afirmar que há uma verdadeira "conspiração" contra a Lei Maria da Penha, que chega a ser até mesmo ignorada por alguns operadores do direito que possuem o dever legal de executá-la, optando por entendimentos superficiais que se revelam "convenientes", por desejarem intimamente que tais casos continuem sob a égide de normas descriminalizadoras, constrita ao reduto doméstico ou familiar.

A par disso, outra questão relevante é o patente desassossego de muitos réus, sobretudo, os mais abastados e, seus respectivos advogados, que, não raras vezes, desconhecem completamente o teor da Lei 11.340/2006 e, se hasteiam no direito de reiterada e levianamente, fazer comentários injuriosos e despropositados contra as autoridades que, por dever de ofício, as executam da forma impessoal e técnica idealizada pelo legislador, destacando evidente inconformismo com a situação jurídica que lhes é imposta pela lei. Aliás, neste aspecto, réus instruídos e de classe social privilegiada revelam-se mais complexos que os modestos, que demonstram mais sensatez e sabedoria do que os supostamente mais doutrinados.

Ninguém em sã consciência, nem mesmo o operador ou jurista mais "conservador" haverá de negar que os "fundamentos" utilizados pelo magistrado de Minas Gerais na decisão anteriormente mencionada, revelaram ultrajante preconceito e discriminação a todo ser humano de gênero feminino. Contudo, em que pese seus afrontosos baldrames "jurídicos", restou-lhe assegurado de forma soberana sua independência funcional, deliberando-se pela desnecessidade de qualquer tipo de punição administrativa para o prolator da acintosa decisão, sujeita à reforma por meio dos recursos legalmente previstos em lei.

Entretanto, no Estado de Mato Grosso, pioneiro na implementação e efetivo combate à violência doméstica contra a mulher [20], graças à iniciativa da grande estudiosa das questões de gênero e dedicada defensora dos direitos humanos, desembargadora Shelma Lombardi de Kato, assistiu-se estarrecido a degradação abominável da celebrada juíza e jurista Amini Haddad Campos, praticados afrontosamente por réus de classes sociais opulentas, inconformados de assumirem o efetivo papel de "agressores" em seus respectivos processos criminais, provenientes da prática dos fatos típicos e antijurídicos que lhe foram imputados.

Execrada publicamente em razão de fatos fictícios criados por agressores que possuíam óbvio interesse em desqualificar a séria, respeitável e imparcial julgadora, diferentemente do posicionamento esposado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em favor do juiz prolator "daquela" decisão, à juíza Amini Haddad não foi garantida a indispensável "independência funcional", permitindo-se inexplicavelmente que réus abusivos e desrespeitosos passassem a ofendê-la publicamente de modo aviltante e inadequadamente pessoal, mesmo sendo inconcebível que uma juíza que cumpriu o seu dever, estrita e legalmente, transforme-se, sem justa causa, em alvo de processo disciplinar tão somente porque seus superiores não concordaram com suas decisões.

Ressalto o caso de um advogado denunciado pela prática, em tese, de crimes gravíssimos [21], que após ter sua prisão preventiva legalmente decretada pela julgadora no livre exercício de suas atribuições legais, ofendeu-a acintosamente em "representação" atípica, desprovida de qualquer fundamento técnico ou jurídico, que serviu apenas para que pudesse destilar contra ela sua ira insana, onde comparou a juíza aos "crápulas da ditadura", chamando-a de "inquisidora" e "ditadora", afirmando de maneira desonrosa que durante audiência sem qualquer ilegalidade ou abuso, ela teria feito um "show" e que sua apresentação teria sido "PATÉTICA".

O réu/causídico asseverou em petição escrita, que a juíza não possuiria "preparo emocional", e titulou a sala de audiências em que atuava a magistrada de: "Gaiola das Loucas"... Afirmando, com todas as letras (pasmem!) que a magistrada teria "problemas pessoais, SEXUAIS, familiares e de formação educacional e técnica", além de chamá-la de fraca e desequilibrada, para ao final encerrar sua representação "RECOMENDANDO" IRONICAMENTE que referida magistrada fosse encaminhada para acompanhamento psicológico na própria vara do juízo em que atuava.

Infelizmente este é só um dos muitos casos em que a referida juíza foi inexplicavelmente ofendida por réus que respondem a processos criminais pela prática de violência doméstica e familiar contra mulheres, que me permito tornar público [22], com a aquiescência da ofendida, por existirem momentos em que a única forma capaz de nos resgatar a dignidade é a exposição verdadeira das mazelas que o preconceito inflige a TODAS AS MULHERES, com a esperança de que a vergonha dos omissos e o desejável arrependimento dos verdugos poupem outras mulheres de tamanho infortúnio em razão do mero exercício independente de suas atribuições legais.

É absolutamente espantoso que uma "representação" com termos tão repulsivos e ignóbeis NÃO TENHA SIDO ARQUIVADA DE PLANO e encaminhada para devida apuração da falta funcional cometida pelo advogado abusivo. Contudo, o que absolutamente não se compreende é o fato de tal "representação", amparada tão somente nas assertivas levianas, parciais e inverídicas do próprio réu, sem qualquer indício de prova, ter bastado para que instauração de sindicância contra a juíza, na qual a mesma se viu obrigada a custear honorários advocatícios para promoção da própria defesa (?), além de sofrer verdadeira humilhação (injusta e desnecessária), consignando-se que mesmo diante das palavras injuriosas relatadas, lhe foi negado, pela D. Corregedoria, até mesmo o direito de ver tais termos vexatórios riscados da apócrifa e censurável "representação" produzida pelo réu na defesa de seus egoísticos interesses.

Tais fatos devem nos levar a uma inadiável reflexão: Por que as mulheres, mesmo exercendo cargos de tamanha relevância, como no caso da juíza insultada, ainda são ultrajadas de forma vil, leviana e humilhante em decorrência do mero cumprimento de seus deveres funcionais? Na defesa de vítimas em casos gravíssimos, pessoalmente já sofri diversos tipos de abusos, alguns velados, outros explícitos, tais como "ameaças" de representações e mesmo "representações", todas por fatos atípicos, simplesmente por não permitir a banalização da violência doméstica contra mulheres. Todavia, felizmente, no Ministério Público do Estado de Mato Grosso sempre me foram assegurados o livre exercício das prerrogativas constitucionais de autonomia e independência funcional.

Nota-se claramente no caso acima destacado que o réu/advogado não teceu mera crítica à Ilustre juíza, indo muito além daquilo que chamamos de "animus narrandi" ou "animus defendendi", sendo certo que seu reprovável excesso de linguagem teve a clara intenção de macular a honra da magistrada ("animus injuriandi"), já que as palavras aviltantes utilizadas para ofender a magistrada não podem ser consideradas apenas expressões de mau gosto ou deseducadas, mas séria falta de ética e decoro que constituem verdadeira discriminação de gênero em desfavor da julgadora, ou se tem dúvida de que se fosse um juiz do sexo masculino a tratar do caso, ao mesmo certamente não teria sido dispensado tão indigno tratamento? Ou será que o advogado ofensor haveria de relatar que um juiz (homem) teria problemas de ordem SEXUAL? Ou recomendar ao mesmo tratamento psicológico junto à equipe multidisciplinar do seu próprio Juízo? A resposta a tais indagações indubitavelmente é negativa e estou certa de que este absurdo só foi praticado contra a juíza porque ela é mulher e o réu preconceituoso e agressivo não aceitou que uma mulher o advertisse e conduzisse de forma soberana, independente e técnica os diversos processos criminais existentes em seu desfavor.

Foi verdadeiramente assombroso o fato da magistrada, apesar de deter, esta, conhecimento técnico, com 07 especializações, livros publicados, mestrado em Direito Constitucional pela PUC/RJ, já estando em fase de doutoramento, com reconhecido trabalho nacional e competência incontestável, NÃO TER RECEBIDO qualquer apoio da E. Corregedoria da Justiça do Tribunal Mato-Grossense e da maioria dos demais, pois foram poucos e preciosos os membros daquela Corte, que apreenderam o absurdo sofrimento imposto à mesma. Isso, apesar de ser do interesse de todos os seus componentes os indispensáveis cuidados para assegurar a independência das decisões judiciais.

Destarte, este desastroso episódio revela que alguns componentes da própria magistratura representam paradoxalmente, uma ameaça à independência do julgador, questionando inadequadamente suas razões de decidir e o conteúdo de decisões formalmente apropriadas, sem esquecer o fato de estarem sujeitas à revisão pelas vias adequadas, como se arvorando numa espécie de sensores ou críticos que colocam em risco as atividades jurisdicionais, ao ferir o comando da independência do magistrado, imperativo para a concretização do Estado Democrático de Direito.

Sobre o assunto, tomo por apropriadas as palavras de um componente do Poder Judiciário: "tenta-se amordaçar a magistratura brasileira (...) ameaça-se o magistrado com sucessivos processos disciplinares, tomando-lhe tempo para responder a procedimentos natimortos em razão das aberrações contidas, mas recebidos e levados à instrução. A única coisa que não se busca é a oferta de condições dignas de trabalho ou se o faz de forma meramente secundária. (...) Os limites de ação disciplinar dos tribunais e do CNJ são os encartados na constituição, não se podendo admitir, sob qualquer argumento que seja, se venha a tolher e limitar poder de decisão do juiz, adstrito apenas à lei e ao seu convencimento(...) Interpretação da norma legal jamais poderá ser focada como incapacidade, incompetência ou despreparo do juiz, eis que, se assim for, todo pensamento diverso do juiz também deverá ser visto como estapafúrdio, negando-se os mais elementares e básicos princípios da ciência do direito" [23].

Esses procedimentos anômalos, atípicos desde o nascedouro, externam a supressão de todas as prerrogativas constitucionais da juíza, inacreditavelmente transformada em ré por alguns de seus pares, sob o olhar compassivo e omisso de muitos outros, que até a presente data não manifestaram qualquer discordância com a humilhação pública que de forma indireta também os atingem como autoridades judicantes [24], o que por certo haverá de decrescer os méritos da biografia daqueles que se recusaram a fazer alguma coisa, qualquer coisa, capaz de diminuir a ignomínia que tais fatos representam.

Sobre a autora
Lindinalva Rodrigues Corrêa

Promotora de Justiça de Mato Grosso, Promotora e Coordenadora das Promotorias de Combate à Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá-MT,Co-autora do livro "Direitos Humanos das Mulheres - Comentários à Lei Maria da Penha"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Os homens também necessitam da proteção especial prevista na Lei Maria da Penha?: Diagnóstico crítico sobre a violência de gênero sofrida por mulheres e a constitucionalidade das medidas de caráter afirmativo que visam combatê-la. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1975, 27 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12013. Acesso em: 22 nov. 2024.

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