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Os homens também necessitam da proteção especial prevista na Lei Maria da Penha?

Diagnóstico crítico sobre a violência de gênero sofrida por mulheres e a constitucionalidade das medidas de caráter afirmativo que visam combatê-la

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Agenda 27/11/2008 às 00:00

5. As razões de ordem cultural, implícitas nas decisões dos operadores jurídicos que resistem em garantir às mulheres vítimas de violência doméstica os direitos que lhe foram assegurados por lei e os fundamentos jurídicos que autorizam somente às mulheres uma política especial de proteção de caráter afirmativo.

Portanto, ainda que inegáveis os avanços femininos rumo à igualdade real de gênero, é notório, conforme explicitado no tópico anterior, que as mulheres necessitam, e muito, da proteção especial oferecida hoje pela Lei Maria da Penha. Tão claro, tão simples, e uma enorme quantidade de operadores jurídicos a divergir, insistindo em negar às mulheres o direito de reagir à violência e à efetiva proteção Estatal de seus direitos humanos. A quem interessa manter as mulheres sob controle?

Doutrinadores festejados reiteradamente ensinaram a defender até mesmo os que "matam por amor" [33] e operadores jurídicos conservadores, preconceituosos e de visão limitada e restrita quanto às questões de gênero, perpetraram e perpetram, dia após dia, a institucionalização do poder do homem sobre a mulher. Estariam eles, ao deturparem os dispositivos legais vigentes, defendendo também os seus próprios interesses? Será?

COMO OPERANTE JURÍDICA, OCUPO PRIVILEGIADA COLOCAÇÃO, E CONHEÇO BEM DE PERTO A HISTÓRIA DE VIDA DE ALGUNS DESTES OPERADORES, DAS MAIS DIVERSAS ÁREAS, POIS RECEBO INFORMAÇÕES PREOCUPANTES ACERCA DO QUE SE PASSARIA, EM TESE, DENTRO DE SEUS LARES E TALVEZ OS FATOS OCULTOS NOS BASTIDORES, POR SI SÓ JUSTIFICAM TAMANHA AVERSÃO POR PARTE DE ALGUNS (FELIZMENTE UMA MINORIA) À EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA EM NOSSO PAÍS, ANTE O POSSÍVEL RECEIO DE SE REVELAR O QUE MUITOS GOSTARIAM QUE PERMANECESSE OCULTO PARA TODO E SEMPRE, NOS "PORÕES" E NAS "ALCOVAS", ONDE DIGNIDADE E HONRA VIRAM ELABORADOS "DEFEITOS", PERCALÇOS QUE PRECISAM SER EXTIRPADOS E VERDADES QUE NECESSITAM SER CALADAS, A QUALQUER CUSTO E DE QUALQUER JEITO...

Por tudo que circunda as questões ligadas a discriminação de gênero contra a mulher, a grande maioria dos homens, felizmente bons, justos, generosos e pacíficos, jamais foram contra qualquer dos dispositivos da Lei Maria da Penha, já que por ela não se sentem "ameaçados" e é maravilhoso quando tais homens também atuam como operadores jurídicos e se juntam aos demais defensores das famílias estruturadas e felizes que verdadeiramente merecem ser mantidas.

Assim, é inevitável a conclusão de que respeitadas as regras de conexão e continência, ante a própria causa da existência da Lei Maria da Penha, que indubitavelmente deva ser aplicada tão somente nos casos de violência doméstica e familiar praticados contra MULHER, pela razão pura e simples de que somente as mulheres são vítimas de violência de gênero, o que ocorre em número significativo, que por si só justifica a existência de uma lei especial que as protejam.

Evidentemente, não se nega que os homens podem ser vítimas de violência doméstica, tal como não se ignora que as mulheres são perfeitamente capazes de praticá-las. Contudo, é notório que a quantidade inexpressiva de tais casos comparados àqueles que vitimam mulheres, já que os homens, felizmente para eles, nunca sofreram a famigerada violência de gênero, jamais haveria de justificar a existência de uma lei especial de proteção como a Lei Maria da Penha em prol dos mesmos.

Ademais, como a inédita decisão teria concedido medidas de proteção a fim de impedir a mulher agressora de se aproximar ou manter contato com o homem agredido, sabe-se que não haveria qualquer necessidade de se aplicar a Lei Maria da Penha no caso em exame, porque a Lei dos Juizados Especiais Criminais, no artigo 69, parágrafo único, sem fazer qualquer distinção quanto ao sexo da vítima, é muito clara ao dispor que nos casos de violência doméstica e familiar, o juiz poderá determinar como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência da vítima e dentro deste contexto, também se poderia proibir a aproximação ou contato da autora do fato da residência ou local de trabalho do ofendido.

Portanto, tal decisão carece de amparo legal, além de acirrar ainda mais os ânimos dos litigantes nos casos em que os homens ostentam dificuldades de assumir suas responsabilidades nas agressões, ocasiões em que distorcem os fatos até encontrarem uma maneira de "justificar" para si e para terceiros suas atitudes violentas e abusivas, colocando na própria vítima a culpa e responsabilidade exclusiva pelas agressões por eles perpetradas, episódios em que os agressores encontrarão neste tipo de interpretação judicial extremamente expansiva, mais uma maneira de tumultuar o processo, alterando a situação real, o que, sem dúvidas, poderá servir de argumento para desestimular as mulheres vítimas de violência doméstica de procurarem ajuda, por medo de represálias, razão que torna a decisão ora repudiada bem mais perigosa do que à primeira vista possa parecer.

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Concluo afirmando ser imprescindível que todos nós, homens e mulheres que atuamos nas mais diversas áreas e instituições das carreiras jurídicas, bem como fora dela, façamos uma necessária e profunda reflexão sobre o quanto de (pré) conceito, subjetivismo e insensibilidade influenciam nossas manifestações funcionais.

Ao continuarmos ignorando de forma ingênua ou autoritária as evidentes desigualdades do tratamento dispensado a homens e mulheres em todos os tempos e na atualidade, estaremos de forma expressa ou velada negando sem êxito a história de subjugação do feminino aos ditames masculinos e transformando gritantes diferenças culturais de gênero (masculino e feminino) em uma estereotipada e ridicularizada guerra entre sexos (homem e mulher), diante de um injustificado e "oculto" receio de que o "mundo masculino" esteja ameaçado pela "ditadura do feminino", que alguns menos atentos vêem nos dispositivos da Lei Maria da Penha, avançaremos sem entender o sentido e a origem de tanta violência contra mulheres, sendo certo que deste modo também não conseguiremos combatê-la, numa contenda desgastante e inacabável em que, certamente, não haverá vencedores, já que um gênero carece indubitavelmente do outro, para a própria sobrevivência. [34]


Notas

  1. John Lennon.
  2. Quem sabe ao esposar conhecimento pela fala magnífica de um HOMEM, haverão de nos dar ouvidos.
  3. STRECK, L.L. Artigo: O imaginário dos juristas e a violência contra a mulher: da necessidade (urgente) de uma crítica da razão cínica em Terrae Brasilis, ESTUDOS JURÍDICOS, Vol. 37, nº 100, maio/agosto. 2004. Grifamos.
  4. STRECK, L.L. Artigo citado anteriormente.
  5. Estupro. Crime ou "Cortesia"? Silvia Pimentel, Ana Lúcia P. Schritzmeyer, Valéria Pandjiarjian, Sergio Antonio Frabris Editor. 1998. Ano do Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
  6. Obra anteriormente citada, Estupro. Crime ou "Cortesia"? p. 125/163.
  7. Obra anteriormente citada, Estupro. Crime ou "Cortesia"? p. 125/163.
  8. Obra anteriormente citada, Estupro. Crime ou "Cortesia"? p. 139/150.
  9. Processo Criminal nº 09/2007. Não há Medida Protetiva. Segunda Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Cuiabá-MT. Juíza: Valdeci Moraes Siqueira. Representantes do Ministério Público: Wagner Cezar Fachone e Lindinalva Rodrigues Corrêa. Advogado de Defesa: Antônio Pinheiro Espósito. Delegado de Polícia: Waldeck Duarte Junior.
  10. Termo de Assentada de fls. 129/130. Grifamos
  11. Decisão judicial, fls.145/146. Grifo nosso.
  12. O que já se previa, posto que o requerimento de prisão demorou mais de um mês para ser decidido pela julgadora.
  13. Pandjiarjian, Valéria. Os Estereótipos de Gênero nos Processos Judiciais e a Violência contra a Mulher na Legislação. Descrevendo a importante obra PIMENTEL, Silvia; Schritzmeyer, Ana Lúcia P. e PANDJIARJIAN, Valéria. Estupro: crime ou ''cortesia''? Abordagem sóciojurídica de gênero, de autoria, publicado pela Sergio Antonio Fabris Editor, Coleção Perspectivas Jurídicas da Mulher, Porto Alegre, 1998. Essa obra é resultante de trabalho de investigação, levado a cabo durante um ano e meio (entre 1996-1997), foi promovido pelo IPÊ - Instituto para Promoção da Eqüidade em colaboração com o CLADEM-Brasil, seção nacional do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, com o apoio e financiamento da FAPESP- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e da FUNDAÇÃO FORD. em www. cladem. org/htm. ipas.org.br. Acesso em 10.06.2007
  14. Artigo do Jornalista Carlos Heitor Conny, Fatos e Fotos- Gente, Bloch Editora, ano XVII, nº 948, 22/10/1979, sobre o assassinato de Angela Diniz por Doca Street.
  15. Termo usado pelas autoras do estudo Legítima Defesa da Honra – Legítima Impunidade de Assassinos, op. Cit. 2004. P 71.
  16. Streck, op. Cit., 2004, p.118
  17. Streck, op. Cit., 2004, p.113/134
  18. A decisão do juiz do Juizado aqui de Cuiabá-MT certamente encontra seu "fundamento de validade" em entendimentos exatamente igual a este.
  19. Direto de Sete Lagoas/MG, 12 de fevereiro de 2007, Juiz Edílson Rumbelsperger Rodrigues. Fonte: Revista Consultor Jurídico, de 23 de outubro de 2007 http://www.conjur.com.br/static/text/60661, acessado em 18 de Novembro de 2008.
  20. Com pleno êxito, sobretudo nos casos de réus de classes sociais menos abastadas e conscientes.
  21. Tais como homicídio duplamente qualificado em sua forma tentada; coação no curso do processo; ameaça e supressão de documentos.
  22. Até em razão de o próprio réu ter juntado a um dos processos criminais pelos quais responde toda a documentação referente à respectiva "representação", permitindo desta maneira o seu acesso por um número indeterminado de pessoas.
  23. Antonio Sbano. Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Independência funcional do Juiz.Em http://lacomunidad.elpais.com/tudo/2008/9/3/independ-ncia-funcional-do-juiz. Acessado em 23.11.2008.Grifamos.
  24. "Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse à casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti". John Donne 
  25. Human Rights Watch, abril de 1997. Injustiça Criminal x Violência contra a Mulher no Brasil. Número de catálogo, Library of Congress: 97-71949.
  26. Senado Federal. Subsecretaria de Pesquisa e Opinião Pública. Violência Doméstica contra Mulher. DataSenado 08.03.2005. grifo nosso.
  27. SOARES, L.E.; SOARES, B.M & CARNEIRO, L.P., 1996. Violência contra a mulher: as DEAMs e os pactos domésticos. In: Violência e Política no Rio de Janeiro (Soares, L.E. orgs.), p. 66. Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará / ISER.
  28. Pesquisa realizada no ano de 2001, disponível no site http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/index.php?storytopic=253. Acessado em 04.06.2007.
  29. O Brasil ratificou com reservas a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher em 1º de fevereiro de 1984, o tendo ratificado plenamente em 1994. Em 13 de março de 2001, o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que criou dois mecanismos de monitoramento: O direito de petição, que permite o encaminhamento de denúncias de violação de direitos e o procedimento investigativo, que habilita o Comitê a averiguar a existência de grave e sistemática violação dos direitos humanos das mulheres.
  30. Hermann, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. Violência Doméstica e Familiar. Campinas-SP.Servanda, 2007, p. 86.
  31. Direito Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. P. 111.
  32. Cf. ob. cit. p. 83-84. Grifo nosso.
  33. Exemplo: A defesa tem a palavra (1991). Evandro Lins e Silva.
  34. Agradeço imensamente a colaboração de valiosos colegas que em meio à rotina de intensos deveres funcionais, cederam seu precioso tempo para me auxiliarem na correção deste artigo, tecendo importantes comentários e preciosos apontamentos. Às magníficas Juízas de Direito do Estado de Mato Grosso: Ana Cristina da Silva Mendes e Adriana Sant´Anna Coningham e aos dedicados Promotores de Justiça do Estado de Mato Grosso: Alexandre de Matos Guedes e Marcelo Ferra de Carvalho e especialmente ao estudioso Acadêmico do Curso de Direito Eduardo Dalla Costa, meus sinceros reconhecimentos e respeitosa admiração, vez que cada um dos senhores a seu peculiar modo, tornam-se imprescindíveis para a concretização dos princípios sustentadores do Estado Democrático de Direito, contribuindo sobremaneira para o alcance da igualdade de gênero e da paz nas famílias.

Esclareço aos operadores jurídicos cujas manifestações de maneira técnica foram mencionadas, que tal se consubstancia na veracidade de vossas próprias e soberanas decisões, extraídas de processos criminais públicos, sendo de responsabilidade única e exclusiva da autora a divulgação democrática e legítima de seu conteúdo para fins de análise, crítica e reflexão acadêmica, felizmente permitida pelo texto constitucional vigente (Artigos. 5º, IV, e 93, IX, da C.F).

Sobre a autora
Lindinalva Rodrigues Corrêa

Promotora de Justiça de Mato Grosso, Promotora e Coordenadora das Promotorias de Combate à Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá-MT,Co-autora do livro "Direitos Humanos das Mulheres - Comentários à Lei Maria da Penha"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Os homens também necessitam da proteção especial prevista na Lei Maria da Penha?: Diagnóstico crítico sobre a violência de gênero sofrida por mulheres e a constitucionalidade das medidas de caráter afirmativo que visam combatê-la. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1975, 27 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12013. Acesso em: 23 nov. 2024.

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