5. CONCLUSÃO
Diante da análise realizada no presente trabalho, verificou-se queo crédito assumiu importante papel na atual sociedade de consumo, de sorte que a sua ausência pode impossibilitar o indivíduo de honrar os seus compromissos básicos do dia a dia, vez que muitas pessoas se endividam para pagar despesas mensais correntes. Dessa forma, o endividamento gerado pela expansão e concessão irresponsável de crédito é fenômeno inerente às sociedades de massa. O crédito e o endividamento dos consumidores, portanto, devem ser tratados conjuntamente, como causa e efeito do novo modelo de sociedade de consumo.
Destarte, o superendividamento é um fenômeno global, e enseja a preocupação universal em sociedades de consumo, principalmente pela utilização do crédito pelo consumidor para fazer frente as suas despesas primárias de sobrevivência.
Ademais, restou consignado que o superendividamento é o estado de impossibilidade do consumidor pessoa física e de boa-fé de pagar o conjunto de suas dívidas atuais e futuras de consumo, configura, pois, o endividamento superior ao normal daquele possível de ser suportado pelo orçamento mensal dos consumidores.
Nesse passo, a boa-fé do consumidor é condição essencial para a caracterização do superendividamento, devendo ser vista como uma condição comportamental do consumidor, sem a qual não há a incidência do instituto. A boa-fé do consumidor se materializa na sua iniciativa de quitar o total dos seus débitos, dentro de sua possibilidade financeira.
Em relação aos efeitos individuais, o superendividamento visa evitar a ruína do consumidor, sob o aspecto econômico, social e moral; visa sua re-inclusão no mercado de consumo e no seio social de forma digna, de modo a lhe garantir uma existência igualmente digna. Já em relação aos efeitos globais, visa preservar o próprio mercado, vez que isso depende da "saúde" financeira do consumidor e da sua manutenção no ciclo produtivo, o que só é possível através de uma tutela jurídica específica destinada a prevenir e a curar as hipóteses de endividamento crônico, regulação esta que não existe no Brasil.
A ausência de tratamento legal não inviabiliza o início dessa tutela, pois a Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana como vetor de interpretação e aplicação de todo o sistema jurídico pátrio, exigindo do operador do Direito, seja qual for o ramo, até mesmo privado, o compromisso com a promoção do bem estar do homem, a partir de garantias das condições mínimas da sua sobrevivência digna.
Outrossim, o princípio da proteção do consumidor consagrado na Constituição Federal de 1988, tanto como direito fundamental, como princípio da ordem econômica, somadas as normas protetivas insertas no CDC instrumentalizam a tutela constitucional do consumidor na hipótese de superendividamento.
Frise-se que os intensos apelos da doutrina em prol de um tratamento legal específico para o superendividamento no Brasil ainda não foram suficientes para sensibilizar o legislador ordinário da necessidade de regulamentação da matéria no direito positivo.
Assim, considerando que os fatos sociais ao adquirirem determinado valor dentro de uma comunidade devem ser refletidos nas legislações, sendo que o superendividamento do consumidor já adquiriu essa importância social, o legislador ordinário tem por obrigação estar sensível a esta realidade inerente às sociedades de consumo, regulamentando a matéria no ordenamento jurídico pátrio.
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Notas
- MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI; Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 256.
- GIANCOLI, Brunno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipótese de revisão dos contratos de crédito. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008, p. 122.
- Ibdem, p. 123.
- BATTELLO, Silvio Javier. A (in)justiça dos endividados brasileiros: uma análise evolutiva. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 226.
- FRADE, Catarina; MAGALHÃES, Sara. Sobreendividamento, a outra face do crédito. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 30.
- "Entre os países da civil Law, a solução francesa é a que tem despertado mais interesse na doutrina brasileira, mas as lições do direito comparado, em especial do Canadá e da Alemanha, podem também ser úteis para os países emergentes e para o Brasil, se quisermos elaborar uma legislação especial sobre o tema." (MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Cláudia Lima. CAVALLAZZI; Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 263)
- "Aceito o pedido formulado pelo devedor, compete à Comissão conciliar as partes, a fim de elaborar um plano convencional de reescalonamento das dívidas que seja subscrito pelo superendividado e pelos seus credores. O plano pode conter diversas medidas como o deferimento do vencimento, o reescalonamento e o perdão das dívidas, a redução ou a supressão dos juros, a criação, reforço ou substituição da garantia. A estas disposições pode ainda crescer a exigência ao devedor de ações destinadas a facilitar ou garantir o pagamento das dívidas, bem como a sua abstenção de quaisquer atos que possam contribuir para o agravamento do seu estado de insolvência." (GIANCOLI, Brunno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipótese de revisão dos contratos de crédito. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008, p. 142)
- GIANCOLI, Brunno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipótese de revisão dos contratos de crédito. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008, p. 102.
- Ibdem, p. 102-103.
- CARPENA, Heloísa; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Superendividamento: proposta para um estudo empírico e perspectiva de regulação. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 338.
- CARPENA, Heloísa; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Superendividamento: proposta para um estudo empírico e perspectiva de regulação. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 335-336.
- GIANCOLI, Brunno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipótese de revisão dos contratos de crédito. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008, p. 110.
- "O Código de Defesa do Consumidor, através de algumas de suas normas, já autoriza, porém, um início de proteção do consumidor superendividado, até que sejam trazidas ao nosso ordenamento jurídico normas específicas sobre o tema. Destaquem-se, em especial, as normas dos arts. 6º, IV; 43; 46; 49; 51, IV; 52 e 54, todos do CDC." (OLIBONI, Marcella Lopes de Carvalho Pessanha. O superendividamento do consumidor brasileiro e o papel da defensoria pública: criação da comissão de defesa do consumidor superendividado. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 348-349)
- GIANCOLI, Brunno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipótese de revisão dos contratos de crédito. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008, p. 161.
- Sobre o tema, leciona o professor Brunno Pandori Giancoli: "Nesse sentido, o plano de pagamento do superendividado, descrito e detalhado em sentença, não será apenas um conjunto de ações de curto prazo para aliviar a situação pessoal do consumidor, mas sim, um planejamento de reestruturação sustentável de sua capacidade de consumo." (Ibdem, loc. cit.)