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Orientalismo e o Direito Internacional.

Relações internacionais, eurocentrismo, colonialismo e a imagem do árabe-palestino durante o conflito em Gaza (2008-2009)

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Agenda 28/11/2010 às 08:10

Notas

  1. Por colonialismo estou descrevendo as mais variadas metodologias para controle de uma população/território por forças estrangeiras. Historicamente, foi constituído para assegurar o acesso à força de trabalho e recursos naturais a custos reduzidos. Na dimensão legal, o Direito Internacional reconhece aos povos o direito à autodeterminação como antítese ao colonialismo. Na "Declaração de Princípios de Direito Internacional sobre Relações amigáveis e cooperação entre os Estados" da Assembléia Geral da ONU (A/RES/25/2625 em 1970 in Brownlie, 1983) se afirma que o colonialismo ("sujeição dos povos à subjugação estrangeira, dominação e exploração") é incompatível com os princípios da igualdade e autodeterminação e, portanto contrário à Carta da ONU. O Protocolo Adicional I à Convenção de Genebra (1977) também fez referência à prática, incluindo na gama de "conflitos armados" as guerras de libertação nacional definidas como lutas "contra dominação colonial, ocupação estrangeira ou regimes racistas" (art. 1º par. 4º) (in Roberts & Guelff, 2000). A história de Israel enquanto colonialismo - entendido simplesmente como transferência de uma população para um território ocupado por outro agrupamento populacional distinto - pode ser encontrado em Rodinson (1967 1988), Finkelstein (2003) e Said (1979).

  2. Na segunda semana da agressão israelense, protestos eclodiram em Londres, Paris, Amsterdã, Berlim, Madri, Atenas e outras cidades européias, somando dezenas de milhares de pessoas (The Associated Press, 2009).

  3. Do outro lado, O Ministério de Relações Exteriores de Israel (MREI) declara ser uma "Guerra do Hamas contra Israel", invertendo a agência de modo que Israel apenas se defende contra uma agressão iniciada pelo Hamas. Em seu FAQ (2009) sobre a operação militar, o MREI apresenta o lançamento de mísseis pelo Hamas como sua motivação. O fato é que Israel não atacou apenas pontos de lançamento de foguetes ou depósitos de armas (como exigiriam os requerimentos da necessidade e proporcionalidade para impedir uma imediata agressão), mas deliberadamente bombardeou escolas, hospitais e prédios governamentais. A suposta razão da guerra – os ataques com os artesanais foguetes qassam – apesar do grande número (8500 entre foguetes e morteiros) mataram 20 israelenses desde 2000. Por outro lado, os ataques israelenses, a partir de 2005 – data do suposto fim da ocupação de Gaza, quando Israel retirou-se da região embora mantendo o controle do espaço aéreo e fronteiras marítimas e terrestres – mataram 1700 palestinos (desconsiderando os outros 1400 assassinados na ofensiva de dezembro de 2008 e janeiro de 2009) (McGreal, 2009).

  4. Detenho-me às práticas do colonial/colonialismo concernentes à dimensão política e cultural, embora sabendo que os fatores econômicos são determinantes e indissociáveis. O discurso não existe no vácuo histórico-social e nem apartado de sua prática de deslocamento/"transferência"/expulsão da população palestina tradicional e substituição por uma população judaica-sionista convertida em uma cidadania israelense – ou seja, colonialismo no senso comum.

  5. O agente colonizador assume que o colonizado não possui sequer semelhança com um ser humano: "A violência colonial não se faz somente com o objetivo de obter o respeito dos homens subjugados; ela busca desumanizá-lo" (Sartre in Fanon, 1991, p. 45).

  6. No caso palestino – como em muitos outros – o processo para subdesenvolver a sociedade foi variado, iniciando pela brutal tomada da terra dos palestinos ao longo de várias décadas (tomada que foi acelerada nas guerras de 1948 e 1967 e aprofundada com a construção do Muro do Apartheid, em 2000). A Palestina não é pobre, foi pauperizada por anos de ocupação militar impedindo o desenvolvimento da indústria local para permitir a sua fácil submissão econômica, fornecendo por anos mão de obra barata até 2005. Em 2005, 8.000 colonos judeu-israelenses controlavam 25% do território de Gaza, incluindo 40% de toda a terra arável deixando o restante para um milhão e meio de palestinos (Shlaim, 2009). O controle de recursos permeia a tomada de recursos hídricos; de acordo com relatório divulgado pelo Banco Mundial em abril de 2009, Israel utiliza 80% da água disponível, violando os Acordos de Oslo e o Direito Internacional Humanitário e afetando diretamente o desenvolvimento da agricultura e saúde pública (Issacharoff, 2009). O governo israelense também estrangula qualquer possibilidade de desenvolvimento econômico palestino através do controle de fronteiras, impedindo a mobilidade de matérias-primas, produtos e pessoas. Mercadorias apodrecem aguardando passagem. Além disso, o clima de instabilidade política e permanentes toques de recolher impossibilitam o aproveitamento da força de trabalho. A insegurança de retornos serve de desestímulo para qualquer investimento e o controle de recursos naturais como terras cultiváveis e água são monopolizadas pelo colonizador (Roy, 1987), seja para seu uso ou alegando questões de segurança, fazendo com que o uso 30% da terra arável seja proibido (ICRC, 2009). Por fim, não podemos ignorar a sistêmica destruição de infra-estrutura, como estradas e construções. Atendo-nos ao Genocídio de Gaza, as forças armadas de Israel destruíram 209 indústrias e 724 estabelecimentos comerciais, 187 estufas e cerca de 10.000 estabelecimentos de pequena agricultura ou agricultura familiar foram arrasados. As indústrias reduziram em 97% sua atividade causando a perda de 70.000 empregos, atingindo a marca de 44% da população em idade produtiva desempregada (Al Mezan, 2009; ICRC, 2009; Mackenzie, 2009; UN, 2009).

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  7. Negociação já secretamente definida no Acordo de Sykes-Picot (1916). Igualmente, a Declaração de Balfour (1917) antecede sua "juridicidade" efetivada no Tratado de Sèvres (1920).

  8. A França acabaria ficando com o território da Síria e a Inglaterra com a Palestina e Iraque.

  9. O objetivo destas negociações era ainda facilitar a criação de "um lar nacional" para um povo estrangeiro (o Estado judeu), permitindo a imigração destes estrangeiros e seu assentamento em território que não o seu original, uma colônia de povoamento.

  10. Não é que os sionistas-colonizadores desconhecessem a existência dos árabes nativos, é que eles simplesmente não se importavam com isso (Finkelstein, 2003; Said, 1979). Um memorando do próprio Arthur Balfour ao seu secretário de assuntos internacionais George Curzon em 11 de agosto de 1919 é claro quanto a isto: "As quatro grandes potências estão comprometidas com o Sionismo e o Sionismo [...] é muito mais importante do que os desejos e preconceitos de 700.000 árabes que hoje habitam aquela terra ancestral. [...]. Eu não acho que o Sionismo irá prejudicar os árabes, mas eles nunca irão dizer que o querem" (in Allain, 2004, p. 84; tradução nossa). Este trecho deixa evidente o reconhecimento da existência da população local e o desprezo pela opinião desta mesma população. Juridicamente, a Liga das Nações recepcionou a Declaração de Balfour em contradição com a sua carta constitutiva, onde os mandatos deveriam apenas assegurar a criação de Estados independentes de acordo com a autodeterminação dos povos que ali habitavam.

  11. Em apenas um caso, o artigo 1º do Mandato Britânico para a Palestina diz que "O Mandatário terá plenos poderes de legislação e administração (...)". Se o Mandatário tem esta plenitude de poderes, fazendo o que lhe interessar, qual o espaço de atuação dos palestinos submetidos ao Mandato? A total autonomia do colonizador é a irrestrita subjugação do colonizado.

  12. A resolução foi aprovada em 29 de novembro de 1947, tendo o Mandato Britânico data de término para 15 de maio de 1948. A resolução tem pouco valor jurídico, uma vez que a ONU não pode usurpar funções de Estados e não possuía soberania sobre a região em questão. Não menos importante, uma resolução da Assembléia Geral não tem força vinculante obrigando sua observação pelos Estados-membros (Allain, 2004).

  13. O historiador judeu-israelense Ilan Pappé (2007) descreve claramente o processo de limpeza étnica/genocídio da Palestina e defaz o mito do pequeno Davi israelense enfrentando uma legião de Golias árabes. O cientista político judeu-estadunidense Norman Finkelstein (2003) também lida com os mitos da questão como o da inferioridade militar israelense ou suas ambições pacifistas.

  14. Israeli Ministry of Foreign Affairs. Responding to Hamas attacks from Gaza – Issues of Proportionality. Dezembro – 2008. Disponível em https://www.mfa.gov.il/NR/rdonlyres/A1D75D9F-ED9E-4203-A024-AF8398997029/0/Responding_to_Hamas_Attacks_from_Gaza_december_2008.pdf Acesso em 17.07.2009. O texto encontra-se em inglês, para facilitar a compreensão foi traduzido para o português.

  15. A resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, considerando a impossibilidade de aquisição territorial pela força, clama pela retirada israelense para as fronteiras anteriores estabelecidas em armistício. A resolução nunca foi observada e Israel permanece ilegalmente ocupando territórios sírios e palestinos.

  16. Muro declarado ilegal pela Corte Internacional de Justiça em 2004, decisão ignorada pelo governo de Israel, que prossegue com sua arquitetura para a apartheid.

  17. Diretor-sênior do Instituto Judeu para Assuntos Nacionais de Segurança (Jewish Institute for National Security Affairs) nos EUA.

  18. Professor de Direito da Universidade Bar-Ilan e pára-quedista reservista das forças armadas de Israel na Guerra no Líbano em 2006.

  19. Professor de Direito na Universidade de Harvard.

  20. A tese do fim da ocupação israelense em Gaza é rejeitada por entidades de direitos humanos como a Human Rights Watch (2004), Gisha (2007) e mesmo por Richard Falk (2009), relator especial da ONU.

  21. Fato nunca provado e categoricamente negado pela ONU (Eldar, Harel et alli, 2009).

  22. Ex-embaixador israelense na ONU (1997-1999) e presidente do Centro Jerusalém para Assuntos Públicos (Jerusalem Center for Public Affairs ) em Israel.

  23. Foge do escopo deste trabalho apresentar as diferenças ou semelhanças entres os dois grupos. Por linhas gerais, o Hezbollah (Partido de Deus) é um partido político que aceita o processo político-democrático e de base shi’a no Líbano enquanto a Al’Qaeda (A Base ou A Rede) é um grupo de origem saudita, operando de forma desterritorializada, não-institucional e de um sunnismo declaradamente anti-shi’a. No campo religioso, há uma nítida disputa pela hegemonia ideológica da Arábia Saudita como patrocinador do sunismo radicalizado (salafismo/wahabismo) que vê o shiismo como o pior tipo de incrédulo contra o Irã promovendo o shiismo.

  24. A menção a ataques contra escolas israelenses é feita em Bryen, Dershowitz e Gold. Embora irrelevante do ponto de vista jurídico, sob a perspectiva política os três ignoram que Israel intencionalmente atacou (declarando que ali se abrigavam terroristas) a Universidade de Gaza e ao menos quatro outras escolas da ONU, uma em 6 de janeiro em Jabaliya, e em 17 de janeiro em Beit Lahiyah, assim como outras duas em Khan Yunis).

  25. Embora estas formas não sejam puro e claro reflexo de condições econômicas e expressão inconfundível da dominação de um grupo, estes fatores (i. e., as condições econômicas e dominação política de determinados atores) são vetores consideráveis na resultante jurídica e política (Engels, 1890; Marx, 1859).

  26. Se a ocupação não justifica o admitido direito à resistência para efetivação da autodeterminação de um povo, ao menos ajuda a compreender a indignação de uma população sujeita à esta e derivadas formas de opressão.


Abstract: The paper analyses Israeli legal discourse and its Orientalist representations of Arab-Palestinians. Using a postcolonial framework, it describes Israeli speech acts as a continuation of European Orientalism, where the Other (the Arab-Palestinian) is not simply held to be without values, but is the negation of all values. Thus, any violence used by this Other is immoral. Following this discursive structure, the violence of the Other is interpreted by the coloniser as a demonstration of its uncivilised bestiality. Consequently, the violence of the coloniser is always seen as a defensive act against the non-civilised. This paper then puts forward the hypothesis that International Law provides a sophisticated vocabulary for colonial powers to present the Others as subjects for colonial conquest and legitimise imperialist violence as "proportional" and "necessary" use of force. Thus, through International Law, these powers deploy symbolic power to dehumanise and criminalise the Other, interpellating them as war criminals for the use of any violence against the coloniser.

Key Words: International Law; Orientalism; Post-Colonialism; TWAIL; Gaza War; Middle East; Palestine.

Sobre o autor
Vinicius Valentin Raduan Miguel

Advogado. Mestre em Direitos Humanos e Política Internacional pela Universidade de Glasgow. Professor de Direitos Humanos e Hermenêutica Jurídica da Faculdade Católica de Rondônia. Professor Substituto/Auxiliar do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Rondônia, onde é coordenador da Pós-Graduação em Segurança Pública e Direitos Humanos. Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/RO. Representante da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIGUEL, Vinicius Valentin Raduan. Orientalismo e o Direito Internacional.: Relações internacionais, eurocentrismo, colonialismo e a imagem do árabe-palestino durante o conflito em Gaza (2008-2009). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2706, 28 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17938. Acesso em: 23 dez. 2024.

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