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Reclamação 2138/DF e Petição 3211-QO/DF versus ADI 2797/DF: a competência para processar e julgar a ação civil pública por ato de improbidade administrativa de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Agenda 17/03/2011 às 09:01

Os julgamentos proferidos pelo STF nos autos da Reclamação 2138/DF e da Petição 3211-QO/DF, de um lado e, do outro, o relacionado à ADI 2797/DF parecem possuir entre si uma relação de contradição.

RESUMO: Os julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Reclamação 2138/DF e da Petição 3211-QO/DF, de um lado e, do outro, o relacionado à ADI 2797/DF parecem possuir entre si uma relação de contradição. Todavia, examinados detidamente e em conjunto com recentes precedentes também relativos ao mesmo tema, conclui-se que, em verdade, se pode visualizar em tais julgamentos uma relação de regra e exceção, no que tange à definição da competência para processar e julgar ações civis públicas por atos de improbidade administrativa.

PALAVRAS-CHAVE: Improbidade administrativa; competência para o processo e julgamento; regra; exceções; jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.


I – Apresentação do tema

No dia 30 de junho de 2010, o Min. Dias Toffoli, no AI 709.634/GO, concedeu liminar em favor da deputada estadual pelo Estado de Goiás, Maria Isaura Lemos, a fim de que fossem afastados os efeitos decorrentes de condenação em ação de improbidade administrativa, especialmente o relativo à inelegibilidade daí decorrente, consagrada na chamada Lei da Ficha Limpa, de modo a permitir que tal parlamentar concorresse ao cargo de deputada federal nas eleições 2010.

Um dos principais fundamentos deduzidos na decisão foi expresso da seguinte forma: "Ademais, a requerente não foi condenada por órgão colegiado em termos próprios, mas por juízo de primeiro grau, quando já era titular de foro específico, o Tribunal de Justiça, dada sua qualidade de deputada estadual". Logo em seguida, o relator transcreveu a ementa relativa ao julgamento da Reclamação 2138/DF, julgada no dia 13/06/2007, da qual foi redator para o acórdão o Min. Gilmar Mendes; e ainda uma decisão do Min. Eros Grau, também se embasando no que decidido nessa reclamação.

A ementa referente a tal reclamação apresentou a seguinte redação, na parte que importa:

(...) II.3. Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, "c"; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992). II.4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (destacou-se).

Ocorre, porém, que, ao apreciar dispositivo legal que expressamente contemplava o foro por prerrogativa de função em ações de improbidade administrativa, positivado na Lei n. 10.628/2002, que acrescentou, no ponto, o § 2º ao art. 84 do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal Federal declarou a sua inconstitucionalidade, nos autos da ADI 2797/DF, da relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, julgada no dia 15/09/2005, cuja ementa, na parte que interessa, ficou assim redigida:

EMENTA: I. (...). III. Foro especial por prerrogativa de função: extensão, no tempo, ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante. Súmula 394/STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do C. Processo Penal: pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a Constituição: inconstitucionalidade declarada. 1. (...). IV. Ação de improbidade administrativa: extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitucionalidade. 1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. 4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional. 5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal - salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III -, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária. V. Ação de improbidade administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade. 1. O eventual acolhimento da tese de que a competência constitucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do C.Pr.Penal. 2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo - cujo impeachment é da competência dos órgãos políticos - a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir a prática de crimes de responsabilidade. 3. Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado. (destacou-se).

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Diante do resultado oposto desses dois precedentes, dos quais uma parte considerável dos atuais ministros da Corte não participou, cabe indagar qual a posição atual do STF a respeito desse tema, que constitui objeto do presente artigo.


II – Os julgamentos mais recentes proferidos pelo STF sobre a matéria: configuração da regra geral

No dia 02 de junho de 2009, a Segunda Turma do STF, em votação unânime no AI 506.323-AgR/PR, relator o Min. Celso de Mello, ressaltou que:

(...) não assistiria razão ao ora agravante, eis que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento plenário da ADI 2797/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/2002, na parte em que esta introduziu o § 2º no art. 84 do CPP, explicitou que, tratando-se de ação civil por improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), mostra-se irrelevante, para efeito de definição da competência originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou titular de mandato eletivo ainda no exercício das respectivas funções, pois, em processos dessa natureza, a ação civil deverá ser ajuizada perante magistrado de primeiro grau, como tem sido reiteradamente decidido por esta Corte (Rcl 2.746/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Rcl 2.793/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Rcl 2.910-AgR/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 506.847/SC, Rel. Min. CARLOS BRITTO, v.g.).

Também em idêntico sentido e de forma unânime, posicionou-se a Primeira Turma do STF, nos autos do RE 464.530-AgR/SP, da relatoria da Min. Cármen Lúcia, cuja ementa restou assim redigida:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA CONTRA PREFEITO. 1. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. 3. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS §§ 1° E 2° DO ART. 84 DA LEI N. 10.628/02. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO".

Como se vê, as duas Turmas da Suprema Corte do Brasil, ressaltando a declaração de inconstitucionalidade proferida na ADI 2797/DF, têm entendido que, em virtude da ausência no ordenamento jurídico de norma (constitucional) válida, não há que se falar em foro por prerrogativa de função em ação de improbidade administrativa, a qual, em razão disso, deve ser julgada pelo juízo de primeiro grau.

Até mesmo em decisões monocráticas, tal linha de pensamento vem sendo seguida, conforme se pode extrair, por exemplo, do AI 583916/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 10/06/2010, oportunidade em que, a respeito do tema, se consignou o seguinte: "(...) no que tange à alegada incompetência do Juízo de origem para o processamento do feito, trata-se de alegação inconsistente, já devidamente superada pela jurisprudência desta Suprema Corte".

Em verdade, a razão de ser desse posicionamento foi muito bem evidenciada pela Ministra Ellen Gracie quando, ao proferir decisão monocrática nos autos do AI 589907/SP, no dia 07/05/2010, externou a seguinte conclusão:

Em segundo lugar, a questão de fundo foi superada nesta Corte, na sessão plenária de 15.09.2005, no julgamento da ADI 2.797/PR. Na oportunidade foi declarada a inconstitucionalidade da Lei 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que inseriu os §§ 1º e 2º no art. 84 do Código de Processo Penal, DJ 19.12.2006. Desse modo, foi retirada do ordenamento jurídico a norma que estendia a prerrogativa de foro às ações por improbidade administrativa e previa que a incidência da regra de foro especial por prerrogativa da função se prolongasse com relação a quem já não fosse titular da função pública que o determinava. Veja-se a Rcl 3.021-AgR/SP, rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, DJe 06.02.2009; e o RE 413.656/SC, por mim relatado, DJe 30.06.2008. (destacou-se).


III – Os casos concretos submetidos ao crivo do Supremo e que constituem exceção

Não obstante a constatação de que o STF vem entendendo que a competência para o processo e julgamento de ações civis públicas por atos de improbidade administrativa é do primeiro grau de jurisdição, conforme demonstrado no tópico anterior, não é menos certo asseverar que essa posição constitui, na realidade, uma regra geral, em relação à qual existem pelo menos duas exceções.

A primeira decorre necessariamente do julgamento relativo à Reclamação 2138/DF, na qual, por maioria de seis votos a cinco, entendeu-se que sendo a imputação de ato de improbidade administrativa dirigida a Ministro de Estado e configurando tal ato a prática, em tese, de crime de responsabilidade, tem-se a competência do STF, nos termos do art. 102, I, "c", da Constituição Federal.

A restrição à presença apenas de Ministro de Estado no pólo passivo de eventual ação de improbidade administrativa foi expressamente delineada por ocasião dos debates travados no momento em que o Min. Cezar Peluso proferia seu voto, nessa reclamação.

Com efeito, tal ponto não passou despercebido pelo Min. Sepúlveda Pertence, que formulou a seguinte indagação: "Só para entender o voto de V. Exa.: Vai do Presidente da República ao Vereador?", ao que o Min. Cezar Peluso respondeu: "Não necessariamente, isso não". Então, o Min. Pertence revelou a sua preocupação, dizendo: "É que eu gostaria de demarcar bem, porque estou à procura de um critério de demarcação razoável".

Nesse instante, o Min. Gilmar Mendes interveio para pontuar: "No caso, pelo menos, estamos discutindo a situação Ministro de Estado".

Em seguida, o Min. Cezar Peluso completou: "Não há dúvida de que, ainda que se possam discutir os limites dessa categoria, dentro dela não há dúvida de que cabe Ministro de Estado, o que seria suficiente para resolver a reclamação".

Registre-se, contudo, que esse precedente, além de isolado, foi formado por uma maioria de seis ministros, dentre os quais três já se aposentaram.

A segunda exceção é retratada em peculiar caso que envolveu Ministro do próprio STF, na condição de réu em ação civil pública por ato de improbidade administrativa. A controvérsia foi veiculada e apreciada nos autos da Questão de Ordem na Petição n. 3.211-0/DF, da relatoria originária do Min. Marco Aurélio, redator para o acórdão o Min. Menezes Direito, em que o voto vencedor concluiu que " (...) distribuir competência ao Juiz de 1º grau para o julgamento de Ministro da Suprema Corte quebraria (...) o sistema judiciário como um todo", argumento que foi expressamente acolhido pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Cezar Peluso. Ficou vencido apenas o Min. Marco Aurélio.


IV – Conclusão

Diante do que foi exposto acima, é forçoso concluir que, de acordo com a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, a competência para o processo e julgamento de ações civis públicas por atos de improbidade administrativa é, em regra e na ausência de norma constitucional expressa em sentido contrário, dos juízos de primeiro grau, com exceção da ação por ato de improbidade administrativa em que figura como réu Ministro de Estado e o ato nela imputado também configura, em tese, crime de responsabilidade e daquela em que o réu é Ministro do STF, hipóteses em que a competência é da própria Suprema Corte.

Sobre o autor
Eliseu Antônio da Silva Belo

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás-UFG. Ex-servidor da Justiça Federal em Goiás. Promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás desde agosto de 2004. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Autor do livro "O artigo 41 da Lei Maria da Penha frente ao princípio da proporcionalidade", pela Editora Verbo Jurídico, 2014. Atualmente, titular da Promotoria de Justiça de Cocalzinho/GO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BELO, Eliseu Antônio Silva. Reclamação 2138/DF e Petição 3211-QO/DF versus ADI 2797/DF: a competência para processar e julgar a ação civil pública por ato de improbidade administrativa de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2815, 17 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18693. Acesso em: 22 nov. 2024.

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