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Art. 226: o campo minado da interpretação constitucionalizada do direito de família

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Agenda 08/04/2011 às 15:53

14. CONSIDERANDO QUE O COMEÇO é o ponto de referência através do qual podemos olhar um sentido para as coisas que, a partir dele, tornam-se compreensíveis, de forma suficiente e necessária, portanto universal, desejo começar o presente "trabalho teórico" (ALTHUSSER, 1978) com a seguinte tese: no necessário combate "a imanência física do campo social" (no lugar diáfano em que atuam psiquiatras, assistentes sociais, sociólogos, juristas etc.) e do seu "Urstaat espiritualizado", tem o Direito de Família: (1) tanto o direito do dever à verdade dos problemas para que os fatos não sejam adjetivados em nome de um "Direito das famílias" sob o signo da promiscuidade, permissividade, perversidade e prostituição em nome do evangelho dos Direitos Humanos (mesmo porque "o mercado é, para o cinismo, uma missão e um evangelho", e, além disso, a devoção como falsa ou má-consciência "não é contrária do cinismo", ela é, nas pessoas privadas, o correlato do cinismo das pessoas sociais), (2) quanto o direito do dever decidir sobre os problemas que não se reduz a estabelecerem direitos para os que conseguem inscrever cínica e ironicamente seus problemas na pauta de seleção das devoções (mesmo porque "a potência do despotismo das almas é proporcional à imanência social do desenvolvimento das relações capitalistas", logo, o cinismo é inseparável de uma monstruosa piedade, e de uma estranha devoção que, no caso, acompanha e promove, em particular, os devires da Família e seus espectros). Assim, no "Manual de Direito das Famílias" da professora Maria Berenice Dias, data vênia, há apenas engajamento político-jurídico contemporâneo, conseqüentemente, imersão cínica e devota no ser-aí, logo, jurisprudências de lacunas, má-consciência e consciência-infeliz a título de direito positivo. Em outras palavras, objetivo ser cruel e implacável para não recair na mesma atração, atração fatal para o direito, que tem como correlato necessário à negligência da professora Maria Berenice em relação às reivindicações "feministas" em sentido largo e aos exóticos espectros dos devires da família. É tempo de perguntar o que temos no "Manual de Direito das Famílias" de tão interessante além de certa "tranqüilidade de espírito" e um "rápido esquecimento"? Sem dúvida temos nele "o olho da consciência" e as "tábuas da justiça". Mas não só, temos isso, tudo isso, é verdade, mas também, "eterno retorno", "angústia" e "remorso", como relaciona Georges Bataille no seu "W.-C. Prefácio à História do Olho": "O "olho da consciência" as "tábuas da justiça" encarnando o eterno retorno, existe imagem mais angustiada do remorso?" (BATAILLE, 2003), e assim os personagens de história do olho se movimentam em seu mundo lascivo e sem limites exigindo direitos. Com efeito, não é outra a razão pela quais muitos defendem a tese de que "uma adequada compreensão" do conceito de "família" na Constituição de 1988, seja o "dado essencial para a sistematização do Direito de Família", mas, na realidade, lendo com mais detalhe a interpretação que oferecem do Art. 226, percebe-se não se tratar de uma "compreensão adequada", mas, sim, de uma "adequada compreensão", ou seja, aemulatio e conveniêntia são figuras fundamentais centrais da representação líquida constitucional de uma trama em voga, que os designers de uma nova Hermenêutica constitucional na linguagem de seus profetas mais delirantes lançam nas passarelas ideológicas do high society do mundo jurídico cada vez mais down dos Tribunais de Justiça, os modelitos Sodoma e Gomorra da griffe "entidades familiares", pois, também a Família dobra-se na tendência dominante do eterno retorno: a barbárie. O bárbaro, que fique claro isso aqui, "não é apenas o cruel ou o violento, é aquele que não reconhece nenhum valor superior, que só crê no mais baixo, que chafurda na baixeza e gostaria de nela submergir todos os outros"(COMTE-SPONVILLE, 2005). Com efeito, parafraseando Peter Sloterdijk, convém perguntar: "até que ponto é necessário retroceder, a fim de encontrar juristas capazes de filosofar sem a tesoura?."(SLOTERDIJK, 2004). Difícil saber! Como dizer, então, a verdade com palavras sinceras? A condenação tem sido forte: "o isolamento" e "a solidão", aponta direto para o cerne da sentença Hanna Arendt, sempre, mas também, freqüentemente, segundo Max Horkheimer, "a ameaça da ruína econômica, a depreciação social", e ocasionalmente, "o cárcere e a morte, impedem que o entendimento atente ainda hoje contra os supremos instrumentos conceituais de domínio". Vivemos anos de chumbo, de escuridão, de covardias, é verdade, mas hoje, o que há que nos impede de dizê-la no Brasil senão a estupidez geral e sistematicamente explorada? Estupidez promovida por uma mídia venal e estúpida que, diz Humberto Eco, "apresenta como ideal o homem absolutamente médio", gerado a partir da substituição de realidades por fantasias sexuais ou culturais de suas publicidades etc., através de uma verdadeira lavagem cerebral. E com crueldade observa: "Um homem que possua "todas" as virtudes morais e intelectuais em "grau médio", acha-se imediatamente a um nível mínimo de evolução" (ECO, 1994), e, portanto, só pode realizar-se bem como predador, como consumista, como telespectador do BBB etc. Tudo então se torna possível Viva a política! Assim, conclui implacável: "alimentar um grau médio de paixões e ter uma prudência média significa ser um pobre exemplar de humanidade" (ECO, 1994). É verdade! Vivemos "A era da manipulação", diz Wilson Bryan Key, e "a mídia da publicidade demonstra o pior da venalidade e credulidade humana e revela como as linguagens, imagens e culturas servem mais para escravizar do que para esclarecer..." (KEY, 1996).

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15. COM EFEITO, NÃO PRETENDO justificar, de modo algum, a escolha desse texto da professora Maria Berenice Silva que, não é absolutamente exemplar. Mas nem por isso, na inutilmente vasta bibliografia jurídica, ele é o pior. Pior é o "Direito das Famílias" de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, que também, en passant, consideramos aqui. E aqui vale o aforismo de Kierkegaard: "Quanto pior, melhor...". São duas obras jurídicas que nos revelam claramente que o Mundo do Direito, numa expressão devida a Guimarães Rosa, "é o mundo intato das ideiazinhas ainda", com todos os danos que trazem contigo e consigo. No mais, é bem provável que se diga que meu pensamento seja conservador; posiciono-me contra convicções jurídicas extemporâneas e casuísticas apesar da pretensão de serem modernas e contemporâneas acompanhando a moda ou a "tendência da época". Mas, como não dizer, a propósito do Art. 4º do LICC ("Quando a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito"), ou do Art. 126, do CPC ("O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacunas ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito") que, aqueles que dizem "nosso tempo", pensando então "nosso presente" à luz de uma presença futura anterior, não sabem muito bem, por definição, o que dizem. "E justamente nesse não saber que consiste a eventualidade do evento, aquilo que se chama ingenuamente de sua presença" (DERRIDA, 2007). Há problemas em tudo isso! Talvez me julguem um conservador porque vejo com suspeita isso, do juiz colmatar as lacunas das Leis quando se trata de Direito da Família face a presença insípida, estéril, inócua, sem qualidade, de um "Direito das Famílias"? E de forma geral do "juiz legislador"? Tudo bem! O que vejo no "Direito das Famílias" transforma o Direito Civil num verdadeiro samba do jurista aloprado, paráfrase jurídica do "samba do crioulo doido" de Stanislaw Ponte Preta. E um verdadeiro festival de besteira assola o mundo jurídico. Vejamos bem! Muitos destacam que o caput do Art. 226/ CF determinou a proteção estatal da Família sem qualquer restrição. Tudo bem! "Sem qualquer restrição" a quê? A discriminação de outras "espécies de família". Certo! Que "outras espécies"? A "matrimonial" (§§ 1º, 2º, 5º, e 6º), a "união estável entre o homem e a mulher" (§ 3º) e "a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes" (§ 4º). E por fim, enfatizam terem sido designadas como entidades familiares a união estável e a família monoparental (CARVALHO ROCHA, 2009). É o que diz, respectivamente, os §§ 3º e 4º do Art. 226. Daí, indagam: a) se a expressão entidade familiar, utilizada para designar os agrupamentos que descrevem os §§ 3º e 4º deve ser compreendida ou não como sinônima de família?; b) se a proteção estatal determinada no caput abrange ou não outras formações sociais além das três expressamente mencionadas? (CARVALHO ROCHA, 2009). Há problemas ai! Em primeiro lugar, no §3º do Art. 226 há restrições e há discriminações. Neste sentido, orienta-nos Lucas Pimenta Judice:"O próprio artigo 226, §3º, CF, ao elevar a união estável ao patamar de entidade familiar, prescreve, em seu trecho final, que o Estado facilitará a sua conversão em casamento" (JUDICE, 2009). E realmente, no Direito das Famílias, observa Lucas Júdice, "os preceitos constitucionais que circundam os cônjuges e os companheiros podem ser encontrados em dois pilares: a) Art. 226, CF; b) princípio constitucional da igualdade" (JUDICE, 2009). Mas, em segundo lugar, diferentemente do que entendem os patrocinadores do Direito das Famílias, entidade familiar não é expressão sinônima de família, assim como ente não é sinônimo de ser. E só os trogloditas da igualdade, por não possuírem a sensibilidade necessária para sentir as sutilezas e a extensão das diferenças, as vêem como sinônimas. Ademais, a despeito da professora Berenice Dias, afirma Lucas Júdice: "buscar a igualdade jurídica positivada entre os institutos, desequipara no fato e nos deveres das entidades familiares, já que prescreve, à exemplo, que não subsistem exigências sociais ou até mesmo legais para a mútua fidelidade, mas tão somente lealdade (DIAS, 2006, p.154) no tocantes à união estável, mesmo assim devendo proteção do Estado, pois foi escolha do casal" (JÚDICE, 2009). E assim, com ironia, conclui Lucas Júdice: "orgia jurídica! Pais convivendo amorosamente com os filhos, com uma pitada de infidelidade (para não deixar a relação insossa), tudo sob a proteção social, neoliberal e ultra-pós-moderna" (JÚDICE, 2009). Não há como negar as diferenças. Mas, confirmam os interpretes o uso de expressões distintas – família e entidade familiar – não caracteriza um "objetivo constitucional de negar às uniões estáveis e às famílias monoparentais, a condição de Família (pelo menos no sentido jurídico) por que: 1) os §§ 1º e 2º do Art. 226/CF, não atribui ao casamento, expressamente, a designação de Família (CARVALHO ROCHA, 2009). (O que, devo observar en passant, seria extrema estupidez, a família é constituída pelo casamento, quer dizer, o casamento é ato meramente cerimonial, e apenas formalmente constituinte das bases jurídicas de uma família legal desejada pelo Estado, não a Família. A Família se funda em ações e sentimentos a posteriori e cada vez mais complexos e mutáveis nas vicissitudes da e nos sentimentos desenvolvidos na vida cotidiana e conjugal face "a eternidade dos laços"); 2) Os §§ 3º e 4º do Art. 226/CF "não expressa uma exclusão", ou seja, não diz não ser a entidade familiar, Família, (CARVALHO ROCHA, 2009), (é verdade, mas também, sem excluí-las, não dizem ser e nem poderiam dizer: são entes do ser-família e não o ser-família. Mesmo porque não poderia expressar tal conclusão de ser sem negar o conceito necessário e suficiente, logo universal de Família que identifica e reconhece seus membros, mesmo quando cindida, fragmentada, atomizada ou corrompida); 3) nunca se logrou atribuir a expressão entidade familiar um sentido qualquer capaz de negar a condição jurídica de "Família" as uniões estáveis e as famílias monoparentais (CARVALHO ROCHA, 2009), (e como poderia sem negar as relações entre particulares na vida comum, de cunho personalíssimo, pessoal, obrigacional, contratual, real e sucessório?). Não importa os que dizem os interpretes do Direito das Famílias, o fato é que não há como igualar ou comparar a família conjugal com as entidades familiares. Se o Estado não pode ignorar as união estável, nega-lhe patrimônio, obrigação alimentar, direito sucessório etc., e aconselha sua conversão em casamento, justamente, devido a sua informalidade, infidelidade garantida pela lei, falta de regras para construção patrimonial, omissões sucessórias, etc. Não há, portanto, como igualar ou compará-las. A família conjugal obriga a uma moral e responsabilidade, que a união estável desobriga, prova disso oferece-nos uma delirante Maria Berenice Dias, com a idéia de que o Estado não deve ignorar as uniões estáveis proibidas (Art. 1521, CC), dizendo: "(...) em que pese à proibição legal, se ainda assim a relação se constitui, não é possível dizer que ela não existe. O Estado não tem meios de, por exemplo, impedir o estabelecimento de uniões incestuosas entre pai e filha (...) entre sogro e sogra; entre adotante e o cônjuge do adotado (...). Como existem, não há como simplesmente ignorá-los". (DIAS, 2006, Apude JÚDICE, 2009). Perplexo indaga Lucas Júdice: "Conceber proteção estatal a incesto?" etc. Na verdade o fato é que a professora Maria Berenice Dias não sabe realmente o que professa, e o seu mundo jurídico revela-se em seu cinismo e em sua devoção, incestuoso, pedófilo, homossexual, perverso, desregrado, promíscuo, permissivo, prostituído, criminoso... Estranha interpretação do Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, publicada no Diário Oficial da União nº 191-A, de 5 de outubro de 1988! Não é isso que se espera como construção de um Estado Democrático de Direito.

Sobre a autora
Walter Aguiar Valadão

Professor universitário. Bacharel em História (UFES). Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Público (UFES). Mestre em Direito Internacional pela UDE (Montevidéu, Uruguai). Editor dos Cadernos de Direito Processual do PPGD/UFES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALADÃO, Walter Aguiar. Art. 226: o campo minado da interpretação constitucionalizada do direito de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2837, 8 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18857. Acesso em: 23 dez. 2024.

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