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A Resolução nº 128 do CNJ e os direitos humanos das mulheres

Agenda 15/05/2011 às 16:59

1 A Resolução 128, CNJ, e os Direitos Humanos das mulheres

A Constituição Federal veda qualquer forma de discriminação, motivo por que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 5º, IV CRB/88).

Erige à categoria de direito fundamental a isonomia entre homens e mulheres, ao prever que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (artigo 5º, caput) e, mais especificamente: "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (incisoI).

A par da igualdade meramente formal, tributada aos Estados Liberais, no plano material a desigualdade de gênero impera: no que se refere aos salários, à ocupação de cargos públicos, à direção de empresas.

No Brasil, a concepção de mulher como ser com iguais direitos e obrigações é mera retórica e é dever do Estado lutar para planificar a situação.

Os direitos humanos são um grito dos oprimidos contra a arrogância e a opressão do Poder. Isto porque os mais empobrecidos e os socialmente vulneráveis são os que mais têm o seus direitos básicos desrespeitados. No caso específico, os direitos humanos objetivam a proteção do gênero mais oprimido da sociedade, as mulheres.

A proteção aos grupos sociais mais vulneráveis (mulheres, crianças, idosos, homossexuais, portadores de necessidades especiais) são a tônica da quarta dimensão de direitos humanos.

A face mais odiosa da desigualdade de gênero ocorre no seio da família, onde deveria imperar o amor: a violência doméstica e familiar.

É dever do Estado sua atuação prestacional positiva. Fruto disso, nasceu a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida por Lei Maria da Penha, em tributo à biofarmacêutica do mesmo nome que é símbolo da luta contra a violência doméstica.

A norma busca dar combate à violência doméstica penalizando mais severamente os autores dos crimes contra as mulheres no seio da família ou patente o vínculo familiar, mesmo que fora do recinto do lar. O fator de discrimen da lex gravior é justificável porque as mulheres são grupo socialmente oprimido e prevalece a desigualdade de gênero. Por tal fato, se o homem for vítima de violência praticada por mulher no seio doméstico não se pode falar em violação a direitos humanos, mas tão só em violação de direitos, não se aplicando a Lei 11.340/06.

Pois bem. O CNJ, buscando dar maior concretude e abrangência à Lei em referência e coibir a violência doméstica, determina aos tribunais, via Resolução 128, de 17 de março de 2011, a criação de Coordenadorias Estaduais das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

A intenção do Conselho é garantir os direitos humanos das mulheres na seara das relações domésticas e familiares (art. 1º, § 1º, da Lei nº 11.340/06) e coordenar a elaboração e execução das políticas públicas neste sentido, no âmbito do Poder Judiciário.

Assim, determina aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, que no prazo de 180 dias, criem, em sua estrutura organizacional, Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar como órgãos permanentes de assessoria da Presidência do Tribunal.

Não explicita a norma se se trata de uma só Coordenadoria por Tribunal. Ao que tudo indica, o assim será. Entretanto, a nosso sentir, nada obsta a criação de mais de uma nos Estados de maior densidade populacional, volume de demanda e estruturação judiciária, Coordenadorias-Regionais, por exemplo, em cada polo judiciário em que se divide o respectivo Estado, vinculadas à Coordenadoria do Tribunal.

O link das Coordenadorias como órgãos permanentes de assessoria da Presidência do Tribunal é valioso, porque induz à constante vigilância, atenção e responsabilidade do mandatário maior do Judiciário.


2 Atribuições das Coordenadorias

As Coordenadorias terão por atribuição (art. 2º):

- elaborar sugestões para o aprimoramento da estrutura do Judiciário na área do combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra as mulheres;

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- dar suporte aos magistrados, aos servidores e às equipes multiprofissionais visando à melhoria da prestação jurisdicional;

- promover a articulação interna e externa do Poder Judiciário com outros órgãos governamentais e não-governamentais;

- colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de magistrados e servidores na área do combate/prevenção à violência doméstica e familiar contra as mulheres;

- recepcionar, no âmbito de cada Estado, dados, sugestões e reclamações referentes aos serviços de atendimento à mulher em situação de violência, promovendo os encaminhamentos e divulgações pertinentes;

- fornecer os dados referentes aos procedimentos que envolvam a Lei nº 11.340/2006 ao Conselho Nacional de Justiça de acordo com a parametrização das informações com as Tabelas Unificadas do Poder Judiciário, promovendo as mudanças e adaptações necessárias junto aos sistemas de controle e informação processuais existentes;

- atuar sob as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça em sua coordenação de políticas públicas a respeito da violência doméstica e familiar contra a mulher.

2.1 Elaboração de sugestões

A elaboração de sugestões para o aprimoramento da estrutura do Judiciário na área do combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra as mulheres é de vital importância.

Essencial é a criação especializadas em violência doméstica nas Comarcas maiores: intermediárias e finais ou 2ª, 3ª e entrância especial, conforme o Tribunal. Nas Comarcas de 1ª entrância ou entrância intermediária, nas quais há vara única ou em reduzido número, inviável a especialização, motivo pelo qual a atribuição do processo e julgamento é do juiz titular.

As varas de violência doméstica exigem uma conformação diferenciada: salas exclusivas para psicólogos, assistentes sociais, enfermaria, ambulatório, consultório médico para o atendimento das mulheres-vítimas.

Prevenções para o depoimento pessoal da vítima devem ser adotadas, mesmo como extensão da norma que prevê o afastamento do lar. O contato freqüente com a equipe multidisciplinar do Judiciário em muito facilita a superação dos traumas ocasionados pela violência bem como o próprio nivelamento da vítima em sua situação de igualdade em uma sociedade/ambiente predominantemente masculino.

Face à exaustão orçamentária do Judiciário de muitos estados nem sempre será possível a ambientação da estrutura física. Contudo, o ideal é a busca do dever-ser.

2.2 Promoção de articulação

A promoção de articulação interna e externa do Judiciário com outros órgãos governamentais e não-governamentais altera o eixo típico de atuação do Poder.

O Judiciário, face às exigências sociais, deve exercer um papel diferenciado da função julgadora. Mesmo intraprocesso já se critica a postura imparcial tradicional, inerte edistante do magistrado. Exige-se um novo magistrado, ambientado com as novas exigências sociais, uma postura proativa para combater a desigualdade processual, fruto de um sem-número de motivos, e planificar a igualdade das partes.

No plano extraprocessual, como protetor dos direitos humanos das mulheres, deve sair de sua função julgadora típica, caracterizada por um poder de ação atrelado ao processo. A atividade do Judiciário, no contexto, é diferenciada da tradicional, devendo a Comissão ter um papel proativo para combater eficazmente a violência doméstica.

Neste sentido, a articulação com os outros órgãos - entidades não governamentais de apoio às mulheres-vítimas, órgãos governamentais municipais, federais e estaduais, Ministério Público, v.g. – é fundamental para que se possa verificar as dificuldades concretas e, desse modo, traçar metas, estabelecer ações e alcançar objetivos.

2.3 Suporte aos magistrados

Uma das importantes funções da Comissão é dar suporte aos magistrados, aos servidores e às equipes multiprofissionais visando à melhoria da prestação jurisdicional. Por isso, bastante de bom tom que as Comissões sejam criadas como órgãos permanentes de assessoria da Presidência do Tribunal.

A estreita relação da Comissão com a Presidência facilita a interlocução com as Varas de Violência Doméstica, no sentido de extirpar ou minorar suas reais necessidades. Por vezes, o centro de Poder – Presidência do Tribunal – fica distante dos juízes monocráticos e, em conseqüência, das Varas Judiciais. Contudo, o dispositivo normativo permite a maior interlocução e a conseqüente resolução célere dos problemas havidos nas Varas de Violência Doméstica.

2.4 Colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de magistrados e servidores

Deve a comissão colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de magistrados e servidores na área do combate/prevenção à violência doméstica e familiar. Neste sentido, a realização permanente de cursos, simpósios e palestras é necessária.

Todos os profissionais, do juiz ao servidor, incluindo psicólogos e assistentes sociais, devem se especializar nas funções concernentes à violência doméstica, que requerem um trato especial.

Cursos acerca de direitos humanos, violência doméstica e igualdade de gênero já são freqüentes em alguns tribunais. O que se almeja é que se multipliquem e tornem freqüentes, sob a batuta das Comissões.

2.5 Coleta de dados, sugestões e reclamações referentes aos serviços

O Judiciário é o Poder estatal encarregada de distribuir justiça.

Os gargalos e a morosidade vão sendo combatidos. O fato é que a prestação jurisdicional, principalmente a concernente à violência doméstica, deve ser eficiente.

Por tal motivo, o CNJ conferiu à Coordenadoria a atribuição de recepcionar, no âmbito de cada Estado, dados, sugestões e reclamações referentes aos serviços de atendimento à mulher em situação de violência, promovendo os encaminhamentos e divulgações pertinentes.

Elas devem receber as sugestões e reclamações e buscar viabilizar as respectivas soluções. No âmbito do Poder Judiciário, um intercâmbio com os juízes das varas de violência doméstica deve ser prioritário para que sejam verificadas as reais condições e as dificuldades experimentadas. Apenas a cobrança dos juízes seria bastante injusta. Há de se traçar um quadro da real situação das condições de trabalho para que não lhes seja imputada a injusta pecha de não garantidores dos direitos humanos das mulheres.

Pela dicção da norma a Coordenadora ("no âmbito de cada Estado") deverá verificar os serviços oferecidos mesmo que fora do âmbito do Poder Judiciário e tentar encaminhar a solução respectiva (ex.: órgãos estaduais e municipais destinados à proteção das mulheres-vítimas, delegacias). Tal função fiscalizatória, a nosso ver, por sua natureza, melhor se adéqua às atribuições institucionais do Ministério Público.

Assim, a nosso ver, norma não se circunscreve ao âmbito do Poder Judiciário, o que se nos demonstra bastante temerário, por se criar nova atribuição e se imiscui em outra seara.

2.6 Fornecimento de dados ao CNJ

O fornecimento os dados referentes aos procedimentos que envolvam a Lei nº 11.340/2006 ao Conselho Nacional de Justiça de acordo com a parametrização das informações com as Tabelas Unificadas do Poder Judiciário, promovendo as mudanças e adaptações necessárias junto aos sistemas de controle e informação processuais existentes é uma atribuição que visa compor a estatística do Judiciário.

A necessidade do sistema de controle liga-se à própria efetividade da jurisdição e acesso à justiça, porque a partir dos dados possível verificar as deficiências e estabelecer diretrizes consentâneas para debelar o problema.

2.7 Atuação sob as diretrizes do CNJ

A atuação sob as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça em sua coordenação de políticas públicas evidencia que o órgão administrativo é o grande gestor no aspecto político-administrativo, exercendo um controle para que o Judiciário se torne uniforme.

As atuações pulverizadas podem levar a resultados díspares, sendo que a unificação prima por resultados mais eficazes.

Tais atribuições não excluem outras que possam ser traçadas pelo Coordenador ou pelo Presidente do Tribunal, desde que se obedeça o regramento administrativo do Tribunal para a criação de novas atribuições .


3 O Coordenador e estrutura da Coordenadoria

O Coordenador Estadual há de ser um magistrado com competência jurisdicional, titular de Vara de Violência doméstica, ou que tenha reconhecida experiência na área (artigo 3º), para que o conhecimento e a ambientação afetos à área facilitem o desenvolvimento dos trabalhos.

Poderá a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar contar com a colaboração ou assessoria de outros magistrados, sem dispensa da função jurisdicional.

A Coordenadoria deverá contar com estrutura de apoio administrativo e de equipe multiprofissional, preferencialmente do quadro de servidores do Judiciário (art. 3º, § 2º).

Sobre o autor
Antônio Veloso Peleja Júnior

Juiz de Direito no Estado de Mato Grosso. Professor de Direito Processual Civil. Autor de obras jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PELEJA JÚNIOR, Antônio Veloso. A Resolução nº 128 do CNJ e os direitos humanos das mulheres. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2874, 15 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19108. Acesso em: 22 dez. 2024.

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