7. Conclusões e sugestões para solução do tema
O tema relativo ao cooperativismo habitacional no país reclama uma legislação especial, que venha a regular a criação e o modo de funcionamento de tais entidades. Não se pode mais ignorar uma situação que clama, frequentemente, pela intromissão do Poder Judiciário e que causa inúmeros prejuízos a diversos cidadãos, na vasta maioria das vezes, pessoas com baixo poder aquisitivo e, consequentemente, com pouco grau de instrução.
Uma solução seria a manutenção do relacionamento entre associado e cooperativa mesmo após a entrega da unidade imobiliária, sugerindo-se que esta entidade mantivesse a propriedade das construções, outorgando aos cooperados meramente a posse ou o uso dos imóveis, assumindo, por sua vez, a administração dos condomínios edificados. A doutrina brasileira já elencou experiências bem sucedidas na legislação estrangeira, das quais destaco as experiências de Portugal e Uruguai [15].
Em Portugal há previsão legal no sentido de que a cooperativa mantenha a propriedade das unidades imobiliárias, firmando com seus associados o que se denomina "direito de habitação" ou "inquilinato cooperativo". Ao celebrar contrato de direito de habitação o cooperado português recebe o direito alienável do uso do imóvel, o que é feito mediante a outorga de escritura definitiva e pagamento do preço das quotas estipulado pela cooperativa. A alienação das quotas depende de o novo adquirente preencher os requisitos para ingresso na cooperativa, assim como de aprovação em assembleia. O "inquilinato cooperativo", por sua vez, nada mais é do que a possibilidade de a cooperativa portuguesa locar as unidades integrantes do imóvel com seus inúmeros cooperados, uma vez que a legislação daquele país permite que a cooperativa mantenha o domínio sobre a edificação realizada (esta relação é regulada pela lei locatícia portuguesa).
Também merecem destaque as chamadas cooperativas de usuários previstas na legislação uruguaia. Estas entidades conferem aos cooperados tão somente o direito de uso e gozo sobre as unidades habitacionais, tratando-se de direito (i) não limitado no tempo, (ii) transmissível aos herdeiros e (iii) alienável a qualquer terceiro.
Como se vê, experiências estrangeiras apontam para a possibilidade de a cooperativa habitacional manter duradouro relacionamento com seus associados, através da manutenção da propriedade das edificações e concessão do direito de uso, alçado pelo Código Civil vigente à condição de direito real, passível, portanto, de registro na matrícula do bem. Também a locação das unidades é uma possibilidade que poderia ser aberta por nova legislação reguladora da matéria, pouco importando se isso significaria adequação da Lei n. 5.764/71 ou edição de legislação complementar versando, especificamente, sobre cooperativa habitacional.
A manutenção do domínio das unidades pela cooperativa nos parece mais racional e permite o enquadramento dos objetivos sociais das cooperativas habitacionais nas disposições do art. 4º da Lei n. 5.764/71, notadamente pelo encargo de prestação de assistência ao cooperado, configurado pela administração dos condomínios.
Ante ao exposto, o ostracismo do sistema de cooperativas habitacionais depende inegavelmente de alterações legislativas, que, além de permitir às cooperativas manter a propriedade das unidades, concedendo aos seus associados meramente o uso e gozo das unidades, também estabeleçam benefícios fiscais claros e, principalmente, a concessão de linha de financiamento destinada ao desenvolvimento de empreendimentos de interesse social.
- Referências bibliográficas:
- BRASIL, Luciano de Faria. Cooperativas Habitacionais: natureza jurídica, distorções, soluções. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/areas/urbanistico/arquivos/coop.pdf. Acesso em 05.05.2011.
- BULGARELLI, Waldirio. As Sociedades Cooperativas e a sua disciplina jurídica. 2ª ed. São Paulo, Rio de Janeiro: 2000.
- ____________________. Elaboração do direito cooperativo. Um ensaio de autonomia. São Paulo: Atlas, 1967
- DALLARI BUCCI, Maria Paula. Cooperativas de Habitação no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003.
- POLONIO, Wilson Alves. Manual das Sociedades Cooperativas. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
- SILVA, Ademir Alves da. Política social e cooperativas habitacionais. São Paulo: Cortez, 1991.
Notas
-
TJ-SP, 4ª Câm. Direito Privado,
Apel. 171.387-4/3-00, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 20.10.2005, v.u., in
www.tj.sp.gov.br.
- As Sociedades Cooperativas e a sua disciplina jurídica. 2ª ed. São Paulo - Rio de Janeiro: 2000, p. 18.
- Ob. cit., p. 18 e 21.
- BULGARELLI, Waldirio. Elaboração do direito cooperativo. Um ensaio de autonomia. São Paulo: Atlas, 1967, p. 35.
- As Sociedades Cooperativas e a sua disciplina jurídica. 2ª ed. São Paulo - Rio de Janeiro: 2000, pp. 63-64.
- Apud Maria Paula Dallari Bucci, in Cooperativas de Habitação no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 69.
- Apud Maria Paula Dallari Bucci, in Cooperativas de Habitação no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 85-86.
- SILVA, Ademir Alves da. Política social e cooperativas habitacionais. São Paulo: Cortez, 1991, p. 85.
- TJ-SP, 4ª Câm. Direito Privado, Apel. n. 166.154, Rel. Des. Olavo Silveira, in JTJ 236/60.
- TJ-SP, 10ª Câm. Direito Privado, Apel. n. 9077771-57.2007.8.26.0000, Rel. Des. Carlos Henrique Trevisan, j. 31.05.2011, in www.tj.sp.gov.br.
- BRASIL, Luciano de Faria. Cooperativas Habitacionais: natureza jurídica, distorções, soluções. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/areas/urbanistico/arquivos/coop.pdf. Acesso em 05.05.2011.
- "I. A C. 2ª Seção do STJ, em posição adotada por maioria, admite a possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por iniciativa do devedor, se este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel (EREsp n. 59.870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 09.12.2002)", de acordo com trecho da Ementa do seguinte julgado: STJ, 4ª T., REsp n. 403.189/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 26.05.2003, DJ 01.09.2003, p. 291.
- "É abusiva cláusula contratual que prevê que os valores pagos por cooperado de cooperativa habitacional somente sejam devolvidos após o ingresso de novo cooperado. Precedentes do STJ" (trecho de Ementa: STJ, 4ª T., REsp n. 470.327/DF, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 16.04.2007, p. 202).
- Nesse sentido, já se declarou que: "não está em caso de êxito a sustentação recursal no sentido de ser legítima a cobrança de saldo devedor residual, atinente ao custo real da obra. A esse propósito, invoca a apelante as cláusulas 4.5, §§ 3º e 4º, e, 16ª do contrato, e, ainda, sustenta que a obra se deu a preço de custo, cujo preço é estimado inicialmente, mas, posteriormente, deve ser feita a apuração do custo real. Pois bem. A despeito de o contrato prever, por um lado, o regime sob preço de custo com possíveis e futuras alterações no valor e número de parcelas, há, por outro, previsão expressa no sentido do respeito ao Regime Interno e ao Estatuto da Cooperativa (...) A referida cláusula prevista no Estatuto da Cooperativa, bem é de ver-se, impõe a esta a obrigação de convocar Assembleia Geral Ordinária, para os fins ali descritos, em respeito à transparência da relação jurídica e ao princípio da confiança entre as partes. Todavia, restou descumprido aquele preceito, posto que, em nenhum momento, cuidou a ré-apelante de demonstrar que as contas do empreendimento tenham sido aprovadas na forma exigível, nem, por conseguinte, apresentou a aprovação do déficit apurado e apontado como saldo residual, e o seu respectivo rateio, também na forma devida" (TJ-SP, 6ª Câm. Direito Privado, Rel. Des. Sebastião Carlos Garcia, J. 10.04.2008, m.v., voto n. 8660).
- Apud DALLARI BUCCI, Maria Paula. Cooperativas de Habitação no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 172-178.