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Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica e o projeto do novo Código de Processo Civil

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3. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no projeto do Novo Código de Processo Civil

A redação do art. 77 do PL 8.046/2010 [09] a qual será dada ao incidente cessará de uma vez por todas, a já ultrapassada tese de que para desconsiderar a personalidade jurídica se faz necessário ação autônoma como pressupostos para sua aplicação, confirmando assim a possibilidade de fazê-lo por incidente processual. [10]

Mediante o processo legislativo do novo codex, percebe-se que o cerne dos artigos constantes no anteprojeto (PLS. 166/2010) apresentado no Senado não diverge do constante na Câmara dos Deputados (PL 8.046/2010), com alterações pontuais quanto à numeração, a supressão de um artigo redundante e desnecessário - conforme aconselhável por Marinoni e a mudança do termo "intimação" para "citação" do sócio ou terceiro responder o incidente. [11]

Porém, não é só essa a novidade advinda no novel diploma processual. Apesar de não se filiar à doutrina mais radical quanto à necessidade de ação autônoma é a ela em primeiro plano, muito mais próxima - se afastando da já consolidada técnica da maior parte dos juízes aplicarem a disregard.

Outro ponto importante que merece destaque é a explicitação da impossibilidade do juiz aplicar a desconsideração ex oficio, por depender de requerimento, da parte; do Ministério Público quando o couber intervir no processo; de terceiro. Tese que confirma o texto do Código Civil, em detrimento do aberto texto do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Feito o requerimento por algum dos legitimados a tal, o sujeito passivo do incidente será citado para se manifestar no prazo comum de quinze dias [12], e concluída a instrução o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento. [13]

Conforme já explanado, em primeiro plano, parece o código primar pela segurança do patrimônio do sócio a ser executado em face da eficácia do título executivo e da jurisdição. Porém, nada impede o magistrado, em seu poder geral de cautela, também mediante requerimento do interessado, conceder tutela que vise assegurar o resultado útil do processo [14] a qual desafiará agravo de instrumento [15].

O poder geral de cautela, de inspiração primordialmente italiana existe desde 1939 dos diplomas processuais pátrios, a inspiração no Projeto de Carneluti tem no art. 324 o seguinte enunciado:

Quando do estado de fato da lide surgir razoável receio de que os litigantes cometam violências ou pratiquem antes da decisão atos capazes de lesar, de modo grave e dificilmente reparável, um direito controverso, ou quando no processo uma das partes se encontre em situação de grave inferioridade em face da outro, o juiz pode tomar as providências provisórias que julgar adequadas para evitar que o dano se verifique.

Ovídio Baptista informa que um dos modos de conceber o poder geral de cautela do juiz seria aquele corresponde ao conceito de medida cautelar como ‘polícia judiciária’. Trata-se de um grupo de poderes atribuídos ao juiz para garantir a regular marcha do processo, preservando-lhe de todos os possíveis percalços que possam prejudicar-lhe a função e utilidade final do resultado. [16]

Mediante esta análise, imagine a seguinte hipótese: "A" é credor da sociedade "B" que tem como sócios "C" e "D", o negócio jurídico celebrado aparentemente entre "A" e "B" está eivado dos vícios passíveis de desconsideração da personalidade jurídica e, em execução/cumprimento de sentença "A" requer uma tutela de urgência para ver a constrição dos bens dos sócios, a qual na maior parte das execuções, será a penhora online a ser efetivada por meio do sistema BACENJUD.

Poderá o magistrado efetuar tal constrição? Sim, para garantir e assegurar o resultado útil do processo.

Outra indagação, levantada por André Kauffman [17] que merece se repetir em virtude do novo diploma é: Poderá o juiz expropriar os bens dos sócios "C" e "D", mesmo ainda estando pendente de julgamento, por exemplo, os embargos de devedor por eles ajuizados ou, ainda, o agravo de instrumento igualmente interposto, ambos recebidos sem efeito suspensivo?

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A resposta torna à ser afirmativa, desta vez com maior eloqüência pois, os recursos no novo Código de Processo Civil, salvo disposição legal em sentido diverso ou mediante decisão prolatada no tribunal pelo relator, não impedem a eficácia da decisão. [18]

Porém, a reposta não será a mesma para a expropriação anterior à resolução do incidente de desconsideração da personalidade jurídica por expressa vedação do codex, sendo a solução para o credor, a manutenção da mera indisponibilidade do bem ao devedor. [19]

Essa nova faceta está em absoluta consonância com os objetivos constantes nas razões do novo Código de Processo Civil, um sistema que proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados que se harmonize com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.

Trata-se de uma forma de tornar o processo mais eficiente e efetivo, o que significa, indubitavelmente, aproximá-lo da Constituição Federal, em cujas entrelinhas se lê que o processo deve assegurar o cumprimento da lei material.

Esse será o provável caminho processual a ser utilizado pelos advogados dos credores, a qual se aproxima de um ideal de justiça eficaz a qual se pretende realizar sob a vigência do novo código.

Koehler ensina que a questão dos efeitos dos recursos tem íntima conexão com o problema da efetividade das decisões. Lança também um questionamento, respondido anteriormente neste trabalho, sobre quem mereceria melhor proteção, adaptando ao presente, o credor ou o executado – limitar o efeito suspensivo dos recursos torna o ordenamento jurídico e o processo eficaz em face daqueles que tentam indevidamente desafiar o judiciário. [20]

Didier, no mesmo sentido, porém sob o ponto de vista adotado por Barbosa Moreira, tendo em vista a regra do efeito suspensivo das decisões no regramento processual de 73 - informa que a interposição de recurso prolonga o estado de ineficácia em que se encontrava a decisão, criticando a expressão "efeito suspensivo" para ele a expressão é de certo modo, equívoca, porque mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeito, é ato ainda ineficaz tornando a interposição, uma mera prolongação do estado de ineficácia. [21]

Com o novo código, a realidade será diferente e a resposta também terá que se adaptar. Efeito suspensivo será um termo adequado aos recursos, já que a decisão será de eficácia imediata podendo ser suspensa apenas mediante impugnação recursal, salvo exceções expressas.

A questão processual da desconsideração da personalidade jurídica, com sua positivação, trará um alívio aos bons sócios e administradores da sociedade, evitando abusos por parte de alguns exeqüentes e juízes que equivocadamente aplicam a teoria e em ato contínuo já bloqueiam seus ativos com base em meras alegações.


4. Conclusões

A positivação do instituto da personalidade jurídica é importante para padronizar a forma pela qual os Tribunais aplicarão o instituto apesar da matéria ter sido bastante debatida pelo judiciário, não se encontra uniforme.

Espera-se que os juízes se atentem à norma de forma a garantir a segurança jurídica dos jurisdicionados.

Apesar do novo artigo que entrará em vigor em breve informar que o contraditório deverá ser prévio, por meio de incidente, as partes deverão atentar-se para a forma do requerimento caso a ciência do sócio enseje em grave lesão de difícil reparação.

Deverá o pedido e a decisão ser bem fundamentados com base no direito material e demonstrar a grave lesão na forma do disposto na tutela de urgência ou evidência em virtude da visão ampla do diploma processual, primando-se pela eficácia jurisdicional.

O contraditório poderá ser postergado, como já ocorre em diversas situações do cotidiano forense, quando poderá apenas o juiz penhorar os bens dos sócios da pessoa jurídica desconsiderada, não podendo expropriá-los até a decisão que julgar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em virtude do disposto no art. 10 do futuro codex.


5. Bibliografia

- BORGES, José Souto Maior, O Contraditório no Processo Judicial: Uma visão dialética. São Paulo, Editora Malheiros, 1996.

- DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da, Curso De Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais, Salvador, 7ª Ed. Editora jus PODIVM, 2009.

- KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino, A Razoável Duração do Processo., Salvador, Editora jus PODIVM, 2009.

- MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Processual Civil, Vol.1: Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

- _______________________. O Projeto do CPC, São Paulo,, Editora Revista dos Tribunais, 2010.

- NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (organizadores). Doutrinas Essenciais – Responsabilidade Civil, v. 3 – Direito de empresa e exercício da livre iniciativa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

- REQUIÃO, Rubens Edmundo, Curso de Direito Comercial, 1º Volume, São Paulo, Saraiva, 29ª edição, 2010.

- SILVA, Ovídio A. Baptista da, Do processo cautelar, 3. ed., 3. tiragem, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001.

- SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Coleção Direito e Processo: técnicas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2009.


Notas

  1. Responsabilidade Civil, v.3 – Direito de empresa e exercício da livre iniciativa / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery organizadores. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág. 999-1021, Apud Revista de Direito Civil – RDCiv 48/1989 – abr.jun./1989
  2. "Our duty is to enforce the statute, and not to exclude from its prohibitions things which are properly embraced within them. Coming to discharge this duty, it follows, in view of the express prohibitions of the commodities clause, it must be held that, while the right of a railroad company as a stockholder to use its stock ownership for the purpose of a bona fide separate administration of the affairs of a corporation in which it has a stock interest may not be denied, the use of such stock ownership in substance for the purpose of destroying the entity of a producing, etc., corporation, and of commingling its affairs in administration with the affairs of the railroad company, so as to make the two corporations virtually one, brings the railroad company so voluntarily acting as to such producing, etc., corporation within the prohibitions of the commodities clause. In other words, that, by operation and effect of the commodities clause, there is a duty cast upon a railroad company proposing to carry in interstate commerce the product of a producing, etc., corporation in which it has a stock interest not to abuse such power so as virtually to do by indirection that which the commodities clause prohibits -- a duty which plainly would be violated by the unnecessary commingling of the affairs of the producing company with its own, so as to cause them to be one and inseparable."
  3. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais 803/751-764, ano 91, São Paulo, set. 2002. A conferência foi proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná nas comemorações do primeiro centenário do nascimento do Des. Vieira Cavalcanti Filho.
  4. Corrêa de Oliveira, J. Lamartine, A dupla crise da pessoa jurídica, Saraiva, São Paulo, 1979.
  5. Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
  6.  Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
  7. BORGES, José Souto Maior, O Contraditório no Processo Judicial: Uma visão dialética. São Paulo, Malheiros, 1996, pág. 71.
  8. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Processual Civil, Vol.1: Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág.313
  9. Art. 77. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.
  10. Parágrafo único. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica:

    I - pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;

    II - é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial. (PL 8.046/2010)

  11. "(...) A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, (...) (REsp 693.235/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 30/11/2009)", no mesmo sentido: RECURSO ESPECIAL Nº 331.478 - RJ (2001/0080829-0); RECURSO ORDINÁRIO EM MS Nº 12.872 - SP (2001/0010079-1).
  12. MARINONI, Luiz Guilherme. O Projeto do CPC, São Paulo, 2010, Revista dos Tribunais, pág. 80.
  13. Art.78. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis. (PL 8.046/2010)
  14. Art. 79. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento. (PL 8.046/2010)
  15. Art. 270. O juiz poderá determinar medidas que considerar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. (PL 8.046/2010)
  16. Art. 969. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
  17. I - tutelas de urgência ou da evidência;

    (...).(PL 8.046/2010)

  18. SILVA, Ovídio A. Baptista da, Do processo cautelar, 3. ed., 3. tiragem, Rio de Janeiro, Forense, 2001, pág. 110.
  19. KAUFMANN, André, Revista Dialética de Direito Processual, nº 89, São Paulo, Editora Dialética, 2009, pág. 18.
  20. Art. 949. Os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão.
  21. §1º A eficácia da decisão poderá ser suspensa pelo relator se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso, ou, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou difícil reparação, observado o art. 968.

    (...)

  22. Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício.
  23. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica aos casos de tutela de urgência e nas hipóteses do art. 307.

  24. KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino, A Razoável Duração do Processo., Salvador, Editora jus PODIVM, 2009, pág. 204.
  25. DIDIER JR. Fredie., CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais, Salvador, 7ª Ed. Editora Jus Podium, 2009, pág. 81.
Sobre os autores
Augusto Cezar Tenório Moura

Estudante de Direito da Faculdade Estácio do Recife, integrante do grupo de pesquisas sobre o Novo Código de Processo Civil – Faculdade Estácio do Recife.

Marco Aurélio Ventura Peixoto

Advogado da União, Mestre em Direito Público pela UFPE e Professor Universitário em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Augusto Cezar Tenório; PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica e o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2966, 15 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19772. Acesso em: 29 dez. 2024.

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