Resumo: A lei em comento está gerando muitas discussões e debates na doutrina, alguns afirmando que a lei é um total absurdo, chegando até mesmo a asseverarem que a lei será a afirmação da impunidade no Brasil. De outro lado, existem aqueles afirmando que a lei é o ideal do garantismo e a solução para o respeito ao princípio da inocência, tão desrespeitado no passado pelo procedimento da prisão preventiva. Tentaremos, ao longo do artigo, evidenciar que não há motivos para tantas críticas e demonstrar que a lei possui aspectos negativos preocupantes e, sendo assim, não existe motivo para tanta festa.
INTRODUÇÃO
Em princípio, cabe-nos fazer um breve resumo do instituto da prisão preventiva, que, embora não tenha sido o tema único da nova lei, sem dúvida alguma, é o tema que causa mais celeuma na sociedade, não sem motivo. A prisão preventiva é regulamentada em quase todos os países, porém muito criticada por alguns doutrinadores, tanto no Brasil quanto na doutrina alienígena; entretanto entendemos que sem motivo. A maior crítica ao instituto se deve ao fato de que, em tese, a prisão preventiva macularia o princípio da presunção de inocência; contudo não é verdade; a prisão preventiva em nada tem que ver com culpa ou inocência do agente. Essa prisão está somente vinculada à periculosidade do agente (art. 312 do CPP). Periculosidade para a garantia da ordem pública ou econômica, periculosidade para a conveniência do processo ou periculosidade para a garantia da aplicação da pena (se procedente a imputação ao final do devido processo legal). Inegável afirmar que aos olhos da sociedade, por intermédio da mídia, a prisão preventiva faz parecer ao leigo uma presunção de culpa, até porque o cidadão honesto, ao menos em regra, não se identifica, com razão, jamais com uma pessoa que se encontre nessa situação. Não obstante, esse sentimento arraigado na sociedade não poderia suplantar a necessidade da prisão preventiva em alguns casos concretos, frisando-se sempre que essa prisão deverá ser a última ratio, como claro está determinado na lei 12.403/11
Antes da entrada em vigor da lei 12.403/11, os magistrados possuíam apenas duas alternativas no caso de prisão em flagrante de um agente, vale dizer, a mantença da prisão com base nos requisitos do art. 312 do CPP (sem alteração de texto na reforma), ou a liberdade provisória, com base no art. 310, parágrafo único, do CPP (atualmente com redação alterada). Também sendo possível o relaxamento da prisão, se fosse o caso de restrição ambulatorial ilegal, com arrimo no art. 581, V, do CPP. Com a reforma da nova lei, não há mais necessidade da utilização do citado artigo, pois, na própria redação do art. 310, já consta essa possibilidade.
Pois bem, devemos frisar, entretanto, que a prisão em flagrante sofreu mudanças. Ela continua possuindo dois momentos distintos: primeiro a prisão captura definida no art. 302 e seus incisos do CPP, ou seja, aquele momento em que o agente está praticando o ilícito ou acaba de praticá-lo. Na lavratura do flagrante, no segundo momento, ocorreu alteração, pois, no passado, o título prisional do flagrante poderia perdurar (embora não fosse a melhor técnica) até o trânsito em julgado para a mantença do réu na prisão, sem a necessidade de conversão em prisão preventiva. Ocorre que, com a alteração do art. 310, II, do CPP, agora o juiz deverá converter o flagrante em prisão preventiva, se necessário.
NOVO PROCEDIMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE
Passamos a apresentar o procedimento da prisão em flagrante com as alterações da nova lei. Como já citado acima, o juiz só possuía três opções em relação ao preso em flagrante. Com as alterações, elas aumentaram bastante. Um agente encaminhado preso em flagrante hodiernamente poderá ter alguns destinos distintos. Por exemplo, se, para o crime em que o agente for preso, for cominada uma pena de até 2 (dois) anos, isto é, crime da competência dos Juizados Criminais, por óbvio, o agente não ficará detido, bastando assinar o termo circunstanciado, comprometendo-se a comparecer em audiência. Não haveria lógica alguma em prender o agente preventivamente, porquanto, ao final do processo, esse mesmo agente não receberá pena de restrição de liberdade (art. 283, § 1º do CPP).
No entanto, se o agente encaminhado a uma delegacia for detido por um crime em que a pena máxima seja de até 4 (quatro) anos de prisão, o próprio delegado de polícia deverá arbitrar fiança (art. 322 do CPP). A fiança terá seu valor fixado com base no art. 325 do CPP. Contudo, se o crime do agente preso em flagrante for superior à pena máxima de 4 (quatro) anos, o juiz, e somente ele (art. 282,§ 2º do CPP) em 24 (vinte e quatro) horas (art. 306 § 1º do CPP), deverá analisar a necessidade para a aplicação da medida cautelar e a adequação da medida à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado ou acusado (art. 282, I, II, do CPP), definindo, assim, qual ou quais as medidas cautelares poderão ser adotadas para o indiciado/acusado no caso concreto. E, em último caso, como determina a lei no art. 282, § 6º do CPP, se o magistrado entender que, no caso concreto, nenhuma das nove medidas cautelares é suficiente e adequada, deverá então o juiz determinar a prisão preventiva (art. 310, II do CPP).
Pelo que verificamos, realmente o número de prisões irá diminuir bastante, pois agora a lei proporciona múltiplas possibilidades ao juiz. Antes só existiam três opções, e agora existem dez. Mas isso não deverá significar uma porta aberta à impunidade, ao contrário, deverá ser uma oportunidade para uma melhor adequação da necessidade, ou não, da restrição à liberdade. Passaremos agora para a análise dos aspectos positivos e negativos da nova lei.
ANÁLISE DOS ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS
Positivação das medidas cautelares
O primeiro aspecto positivo da lei é o maior objetivo dela, isto é, a positivação das nove medidas cautelares que agora fornecem ao magistrado a possibilidade de uma medida cautelar adequada ao caso concreto, não ficando engessado o juiz a apenas duas opções, soltar ou prender. Positivo também o fato da possibilidade de cumulação das medidas cautelares, isto é, o juiz poderá determinar uma prisão domiciliar juntamente com a monitoração eletrônica ou com uma proibição de acesso ou frequência a determinados lugares com comparecimento periódico em juízo (art. 282, § 1º, do CPP) ou outras cumulações para cada necessidade.
Renascimento da fiança
Outro ponto positivo da lei foi o renascimento da fiança, que havia sido sepultada faz muito tempo. A fiança somente se mantinha viva no nosso ordenamento para os casos de crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal, em função do art. 325, § 2º, do CPP, revogado pela lei 12.304/11. O art. 325 do CPP, com a nova redação, aumentou de forma significativa o valor do arbitramento da fiança, possibilitando, assim, à autoridade competente um arbitramento harmônico com a condição social do indivíduo no caso concreto. A fiança agora, assim como a prisão preventiva, é medida cautelar; portanto sem necessária vinculação, o que veio a melhorar a possibilidade de decretação, ou não, dela. Positivo também porque o valor da fiança poderá ser revertido para a vítima do processo (art. 336 do CPP). Não que não pudesse no passado; porém agora o valor reajustado será efetivamente útil.
Central de mandado de prisão
Ponto positivo a ser destacado é o art. 289-A, inserido no Código de Processo Penal, o qual tem o objetivo da criação da central de mandados, facilitando assim uma melhor integração entre as polícias estaduais e federais, bem como juízes no que tem pertinência a mandados de prisão.
Como havíamos denunciado no início do artigo, pontos negativos existem também e devem ser corrigidos. Vamos à exposição deles.
Prisão preventiva do agente de maus antecedentes
Começamos pelo que consideramos o mais grave dos erros. No art. 313, II, do CPP, verificamos que o legislador determina que será admitida a decretação da prisão preventiva no caso de agentes não primários, fazendo referência ao art. 64 do CP; nada obstante esqueceu-se o legislador do agente de maus antecedentes, ou seja, o agente que, por exemplo, roubou, porém não teve findo o seu processo, com trânsito em julgado. Portanto, o agente contumaz, aquele que reiteradamente cometes crimes, não poderá, a contrário senso do art. 313, II, ter sua prisão preventiva decretada. Verifica-se portanto um erro absurdo, que só poderá ser corrigido pelo juiz no momento com a acumulação de medidas cautelares.
Isenção de fiança para crimes graves
Apesar de termos elogiado o renascimento do instituto da fiança, não podemos deixar de registrar o absurdo que se instalará com esse renascimento. É que o legislador constituinte no art. 5º, XLII, XLIII, XLIV, da CR determinou o que seriam crimes inafiançáveis, entendendo necessário a proibição de fiança para esses crimes gravíssimos. O legislador ordinário procurou fazer o mesmo no art. 323 do CPP, antes da alteração. Nesse artigo, o legislador elencou uma série de crimes inafiançáveis com o objetivo de tornar a situação mais rigorosa para o indiciado/réu, claro, sem o intuito de beneficiar o agente infrator. Ocorre que o magistrado, quando se não deparava com a situação de decretação de prisão preventiva, terminava por determinar a liberdade provisória sem a fiança para esses crimes, ou seja, nos crimes mais graves, o juiz não pode determinar fiança em função do art. art. 5º, XLII, XLIII, XLIV, da CR, e, absurdamente, para os crimes de menor gravidade pode, o que materializa total contradição.
Ocorre que o legislador ordinário, mesmo não podendo solucionar o problema, pois a correção de tal absurdo passa por uma emenda à Constituição, poderia ao menos evitar repetir os erros do passado. O resultado dessa esfinge é que, justamente nos crimes mais graves, como os citados no art. 323 do CPP, se não estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva, o agente deverá ser solto sem fiança. Sendo possível entretanto, outra medida cautelar.
A estrutura do Estado para a fiscalização do cumprimento das medidas cautelares
Outro aspecto negativo da lei, não é a lei propriamente dita, mas a estrutura que a lei exige para a fiscalização das medidas cautelares. Isto é, da noite para o dia o Estado deverá criar mecanismos de controle e fiscalização para as medidas cautelares elencadas na nova lei. Estamos nos referindo a um efetivo de policiais designados apenas para a observação de agentes que se encontram em prisão domiciliar, ou proibidos de freqüentar lugares específicos ou até memso, proibidos de manter contato com determinada pessoa, ou ainda verificar se o agente não está se ausentando da comarca. Desnecessário afirmar que isso nem de longe existe em nossa realidade. E pior, com a política de segurança pública aplicada atualmente pelo Estado não há nenhuma possibilidade de existir a médio e longo prazo.
Portanto, de nada adianta a elaboração de leis sem a devida estruturação do Estado para que essa possa ser efetivamente cumprida. Pois sendo assim, a única impressão que se passa para a sociedade é a de impunidade. Porquanto, essa ideia pode gerar mais estragos ao judiciário e a sua credibilidade com a população, que já anda tão combalida.
Entendemos que não se pode resolver os problemas sociais apenas com uma canetada ao criar uma lei, como gosta de fazer o nosso Congresso Nacional. E esse é o caso dessa nova lei. Não é suficiente, nem inteligente, a criação de leis sem o devido aparelhamento do estado para que essas leis possam ser exeqüíveis. O estado necessita urgentemente da construção de novos presídios, e de prisões decentes que possam possibilitar aos presidiários o mínimo de dignidade para o cumprimento de suas penas.
Não entendemos viável a ressocialização, como deseja nosso ordenamento nas atuais condições de nosso sistema carcerário. Infelizmente a impressão que se passa a sociedade com a lei 12.403 é que se está querendo evitar novas prisões, evitando assim a hiperlotação de prisões, pois a superlotação já está evidenciada. Contudo, mesmo que seja esse o propósito, entendemos que a lei pode ajudar o judiciário na melhor adequação das medidas cautelares, o que não era possível no passado. De resto basta esperar e ter esperança que os magistrados tenham bom discernimento na aplicação dessas reformas.