RESUMO: Analisa a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4661 para suspender a eficácia do artigo 16 do Decreto 7.567/2011.
No dia 20 de outubro de 2011, o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, concedeu medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4661 para suspender a eficácia do artigo 16 do Decreto 7.567/2011, que ensejou o aumento da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI para automóveis importados.
Em verdade, o Decreto 7.567/2011 regulamentou os artigos 5º e 6º da Medida Provisória nº 540/2011, os quais dispõem sobre a redução do IPI em favor da indústria automotiva nacional.
A finalidade principal do Decreto foi evitar o risco de desnacionalização da indústria automobilística brasileira, razão pela qual o Governo Federal procurou regular o aumento da comercialização de veículos importados, com a majoração da alíquota do IPI.
Contudo, a medida solapou direitos fundamentais dos contribuintes e dos consumidores, pois o artigo 16 do Decreto fixou sua vigência imediata a partir da data da publicação.
É que a Constituição da República estabelece inúmeras limitações ao poder de tributar, dentre as quais a impossibilidade de se cobrar tributo "antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou" (artigo 150, inciso III, alínea ‘c’), inexistindo, para o IPI, exceção a essa regra, nos termos do artigo 150, parágrafo 1º.
Portanto, o texto constitucional é claro em autorizar a majoração do IPI, desde que observado o princípio da anterioridade nonagesimal.
No julgamento do dia 20/11/2011, alguns Ministros deixaram nítida a impressão sobre o abuso governamental. O relator, ministro Marco Aurélio, afirmou que a previsão constitucional da anterioridade nonagesimal configura uma garantia do contribuinte contra eventual excesso tributário do Poder Público [01]. Já o ministro Gilmar Mendes anotou que seria privilégio excessivo no poder de tributar autorizar o Poder Executivo a violar a lei com a alteração do IPI sem observar a vigência prevista na Constituição. O voto do ministro Cezar Peluso, destacou, ainda, que a previsibilidade da tributação também é um direito fundamental do contribuinte.
Por fim, não menos contundente, o ministro Celso de Mello assentou sua posição mencionando a impossibilidade de ocorrer desvios constitucionais do Poder Executivo, pois poderiam gerar efeitos perversos na relação com os contribuintes [02].
Enfim, como se observa, o STF foi unânime ao afirmar que a vigência imediata do Decreto Presidencial contraria o texto da Constituição da República.
O caso acima descrito é apenas um exemplo do cipoal tributário existente no sistema jurídico pátrio.
A aplicação imediata do Decreto não só violou o princípio da anterioridade nonagesimal, mas também os princípios da moralidade e da eficiência previstos no artigo 37 da Constituição da República.
A postura governamental apenas acentua a severa crise que caracteriza o Estado Constitucional Tributário e Fiscal.
A elevada carga tributária, a complexidade da legislação, o excesso de burocracia, a cultura da sonegação, a concorrência desleal e muitas vezes a ausência de uma política estatal adequada são problemas que precisam ser corrigidos com a adoção de uma visão governamental mais ética e republicana.
Nessa perspectiva é importante a lembrança de Nogueira:
"No direito tributário atual, o pós-positivismo percute fortemente, em especial na hermenêutica tributária e na aplicação dos princípios constitucionais tributários frente a uma resolução efetiva dos casos concretos. Princípios como do justo gasto do tributo afetado, da capacidade contributiva, transparência Fiscal, moralidade tributária, solidariedade fiscal, justiça tributária, intributabilidade do mínimo existencial, cidadania fiscal unilateral e bilateral, ética fiscal pública e privada, razoabilidade, proporcionalidade, são princípios cuja materialidade tributária ganha importância decisiva e de destaque, no limiar do Direito Tributário do século XXI." [03]
Ou seja, a política encampada pelo Governo Federal contraria a orientação jurídico-constitucional e, em especial, a ideia de governança fiscal e tributária.
Assim, é importante a pressão social para a adequação das políticas estatais ao sistema jurídico-constitucional. Dois fatores, basicamente, podem ser citados como principais motivos a ensejar essa mudança. O primeiro é decorrente da comprovada ineficiência estatal, da complexidade fiscal e tributária, da excessiva carga burocrática e da baixa efetividade social das políticas públicas. O segundo fator deriva da nova concepção trazida com o pós-positivismo e o neoconstitucionalismo, que preconizam uma nova hermenêutica tributária e a aplicação dos princípios constitucionais tributários, expressos ou implícitos, para a resolução dos problemas sociais e econômicos.
Enfim, as considerações apresentadas em razão da vigência imediata do Decreto 7.567/2011 comprovam que a perspectiva de Becker ainda continua muito atual, pois traduz, com exatidão, o carnaval tributário [04] que, outrora estruturado na forma e na cor das estampilhas, agora é caracterizado pela insegurança jurídica e pelas políticas fiscais e tributárias deficientes, dificultando o planejamento e a construção de um Estado Constitucional Democrático justo e igualitário.
Notas
- Conforme notícia veiculada no sítio de notícias do STF: http://www.stf.jus.br.
- Conforme notícia veiculada no sítio de notícias do STF: http://www.stf.jus.br.
- NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Premissas para o estudo do direito tributário atual. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 130, 13 nov. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4469>. Acesso em: 27 jun. 2007.
- "Há quarenta anos, o Sistema Tributário brasileiro era estruturado de acordo com a forma e a cor das estampilhas. Havia estampilhas federais, estaduais e municipais e as diretrizes da Política Fiscal concentravam-se em disciplinar – arduamente – a hierarquia dos formatos das estampilhas e a tropicalidade das suas cores. Estas e aquelas obedeciam a uma sagrada ordem de mutações: segundo a competência constitucional impositiva; segundo a natureza e o valor do tributo; segundo os dotes e a imaginação do artífice gravador da matriz da estampilha, que contribuía até com mais inteligência que o legislador para a criação do tributo. Naquele tempo, graças ao colorido e ao formato das estampilhas, o chamado Sistema Tributário era um carnaval. Só havia confusão, muito papel colorido e era até divertido." (BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval tributário. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 3).