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A ADI 4568 e a constitucionalidade do salário mínimo definido em decreto

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Agenda 24/11/2011 às 07:59

IV-Síntese e análise da decisão do STF na ADI 4568

Na ADI 4568, a suprema corte não decidiu núcleo essencial do direito ao salário mínimo a ser observado de forma cogente pelo legislador. Apenas resolveu uma questão incidental a esse direito: a necessidade ou não de definição direta e exaustiva de seu valor por meio de lei. Ainda assim, o julgamento pôs o salário mínimo em evidência e ajuda a vislumbrar os contornos constitucionais da política.

A relatora da ADI 4568, ministra Cármen Lúcia, acatou os argumentos a favor da constitucionalidade da Lei nº 12.382, de 2011, apresentados pelo Senado, pela Câmara, pela Advocacia-Geral da União e pela Procuradoria-Geral da República. O trecho mais elucidativo de seu voto é o seguinte:

Fixou-se, portanto, naquela lei o valor do salário mínimo. Este, entretanto, nos termos constitucionalmente definidos, não seria mais quantum imprevisível para os trabalhadores nos próximos anos, como vinha ocorrendo desde a implantação do denominado Plano Real.

Diferentemente, o legislador brasileiro optou por adotar critérios objetivos e formalmente afirmados na lei elaborada para valer até 2015, quais sejam, o quanto fixado em 2011 e os valores a serem quantificados e adotados naquele período (2012 a 2015).

Assim, o Congresso Nacional, no exercício de sua competência típica (legislativa) estabeleceu que o valor do salário mínimo, a prevalecer nos anos de 2012 a 2015, seria o de 2011 com reajuste para a preservação do seu poder aquisitivo, para tanto havendo de guardar correspondência com a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste (§ 1º do art. 2º da Lei n. 12.382/11) [11].

O STF concluiu, portanto, que a Lei nº 12.382 de 2011 predefiniu o salário mínimo para os próximos quatro anos. O decreto presidencial, com o valor a vigorar para o ano seguinte, teria meramente efeito declaratório. Por essa razão, a lei não violaria a reserva legal exigida pelo inciso IV do artigo 7º da Constituição.

O Procurador-Geral da República, em parecer pela improcedência da ação direta, afirmou que a lei em questão já programou os valores do salário mínimo para o próximo quadriênio.

Alegou que a supressão dos dispositivos impugnados não teria o condão de prejudicar a definição do quantum do piso, o que demonstra que não assiste razão aos impugnantes no que afirmam que houve delegação de competência legislativa.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes lembrou os órgãos de poder e os constitucionalistas em geral interpretaram que a reserva de lei para a fixação do salário mínimo, nos termos do inciso IV da Constituição de 1988, significava que, a cada ano, deveria ser aprovada nova definidora do valor do salário mínimo.

Segundo ele, os critérios do caput e do parágrafo único da Lei nº 12.382, são razoáveis, mas configuram alteração de entendimento e de prática que implicam algumas preocupações.

A primeira é a possível violação da reserva de parlamento. Para o ministro, a Constituição de 1998 impôs a participação do Congresso Nacional na fixação do valor do salário mínimo, e essa participação tende a ficar suspensa até 2015.

A segunda é a possível obstrução da dinâmica do funcionamento parlamentar quanto à matéria, porque a técnica adotada na lei prejudica a posição da minoria parlamentar.

O argumento é bem interessante, porque se sabe que, tradicionalmente, o presidente da República assume o mandato com uma base de apoio mais sólida. Com o transcorrer da legislatura, é normal perder apoio em razão das novas composições impostas pelas disputas eleitorais.

Por isso, claramente a presidente Dilma aproveitou a solidez de sua base de apoio no início de seu mandato para resolver a questão do salário mínimo para os próximos quatro anos. Com isso, evitou os custos de transação envolvidos nesses processos.

Por fim, Gilmar Mendes opinou que os dispositivos impugnados, haja vista os princípios da reserva legal, da reserva de parlamento e aos direitos da minoria, estavam no limite da constitucionalidade.

A decisão do STF é correta e objetiva. A Lei 12.382 de 2011 a fórmula que presidirá a atualização do salário mínimo entre 2012 e 2015. Não restou ao Poder Executivo margem de discricionariedade para promover qualquer inovação dos critérios estabelecidos pelo Legislador.

Assim, não se promoveu delegação de atividade legislativa, mas ordinária atribuição de poder regulamentar ao Executivo, em conformidade com o disposto no inciso IV do art. 84 da Constituição [12].

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Atentaria contra o princípio da razoabilidade e contra o princípio da Separação dos Poderes exigir que se ocupasse o Congresso Nacional de formular legislação substitutiva à atividade típica do Poder Executivo, tal como é a interpositio regulamentar indigitada no caput e o parágrafo único do artigo 3º da Lei nº 12.382.

Ademais, no inciso IV do artigo 7º da Constituição, não há nenhuma regra de acertamento da periodicidade da lei definidora do salário mínimo. A correção anual que começou a vigorar regularmente desde a implementação do Plano Real não tem fundo constitucional. Quando foi criado, na década de 40, o salário mínimo sujeitava-se à correção trienal.

A periodicidade quadrienal da política do salário mínimo nos termos dessa norma é altamente razoável e coincide com a duração do plano plurianual, previsto no inciso I do artigo 165 da Constituição.

O § 1º desse mesmo dispositivo impõe o planejamento orçamentário plurianual dos programas de duração continuada, e a política do salário mínimo, por suas múltiplas repercussões nas finanças públicas, configura "um programa de duração continuada".

Em decorrência, a estruturação de uma política do salário mínimo transanual coaduna-se com os imperativos do planejamento que preside à gestão das finanças públicas.

No plano econômico o acertamento quadrienal da fórmula de ajuste do salário mínimo estabiliza expectativas. No plano social, incrementa as probabilidades de equalização da distribuição de renda no País. No plano político, reduz os custos de transação.

À luz da Multiple Streams Framework [13], políticas públicas sujeitam-se a diferentes graus de contingências, porque dependem da convergência de fatores que condicionam o processo decisório.

Dessa forma, a predefinição do salário mínimo para um período de quatro anos, aproveitando a janela de oportunidade que se abriu com a inauguração de um novo governo, harmoniza-se com o princípio da razoabilidade e reforça a probabilidade de implementação de uma política pública que visa a concretizar um direito fundamental dos trabalhadores.

A alegação de que os dispositivos arrostados excluem a competência do Congresso Nacional para conformar a política do salário mínimo até 2015 carecem consistência. As regras de reajuste previstas na Lei nº 12.382 poderão ser, a qualquer tempo, modificadas ou revogadas.

O poder de conformação do Legislador poderia restar, de alguma forma, mitigado, se nosso sistema jurídico-constitucional adotasse, com alta densidade, o princípio da proibição de retrocesso, enunciado por José Gomes Canotilho nesses termos:

O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado [14].

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, já afirmou que

(...) a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em conseqüência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo inocorrente na espécie — em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais [15].

Entretanto, até o presente momento, a corte suprema, no que tange as políticas públicas implementadoras de direitos sociais, tem assegurado ao Legislador graus de liberdade mais elevados do que os supostos pelo princípio do não retrocesso.

Ainda que esse princípio se aplique plenamente na espécie, de modo a obstar a revogação ou o enfraquecimento da fórmula de reajuste, ao Legislador se reservariam poderes remanescentes para ampliá-la.

Por quatro anos, pelo menos, o Congresso Nacional desembaraça-se do gravame de ter que tolerar o reajuste do salário mínimo por meio de medida provisória, expediente este que, de certa forma, burla o critério de atualização previsto no inciso IV do artigo 7º da Constituição.

Portanto, a fixação temporária da fórmula sugerida pelo próprio Congresso não tem o condão de cassar sua competência no que tange a política do salário mínimo. Pelo contrário, a lei maximiza a autoridade do Poder Legislativo ao reduzir o âmbito de descricionariedade do Poder Executivo vis-à-vis a matéria no período de referência.

Por fim, cabe frisar que a política do salário mínimo orienta-se pelo princípio do mínimo existencial. O inciso IV do artigo 7º determina que o Legislador configure o salário mínimo de forma que seja suficiente para assegurar existência digna para o trabalhador e para sua família.

Havia, na época da constituinte, um consenso sobreposto no Brasil a respeito da insuficiência do salário mínimo então vigente. Por isso, apesar da alta densidade de eficácia desse inciso IV, o dispositivo tem uma carga programática proeminente.

O Supremo Tribunal Federal acentuou o caráter programático desse preceito Constitucional quando analisou em 2004 a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1442, ajuizada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

As entidades sindicais argumentavam, basicamente, que a MP 1415 de 1996, que reajustou em maio de 1996 o salário mínimo em 12%, para R$ 112, violava o inciso IV do artigo 7º da Constituição, porque não mantinha o poder aquisitivo do piso.

O relator da matéria, ministro Celso de Mello, destacou que o inciso IV do artigo 7º da Constituição

(...) consubstancia verdadeira imposição legiferante, que, dirigida ao Poder Público, tem por finalidade vinculá-lo à efetivação de uma prestação positiva destinada (a) a satisfazer as necessidades essenciais do trabalhador e de sua família e (b) preservar, mediante reajustes periódicos, o valor intrínseco dessa remuneração básica, conservando-lhe o poder aquisitivo.

A corte, porém, não conheceu a ação por entender que a insuficiência do salário mínimo configuraria omissão parcial, objeto de ação direta de constitucionalidade por omissão.

Ademais, a corte decidiu que a ação direta perdera o objeto porque a medida provisória 1.415, convertida na Lei nº 9.971 de 2000, deixou de vigorar com a edição da Lei nº 10.525 de 2002, da Lei nº 10.669 de 2003 e da Lei nº 10.888 de 2004.

No julgamento da ADI 4568, a corte limitou-se a discutir as questões de âmbito formal na definição do salário mínimo, sobretudo, o regime jurídico-constitucional da reserva legal aplicável a esse direito fundamental.

A decisão não analisou o mérito da fórmula introduzida pela Lei nº 12.382 de 2011, e poderia tê-lo feito, com referência ao que ficou enunciado no acórdão referente á ADI 1442.

O reajuste do mínimo pelo INPC (que assegura seu poder aquisitivo) e pelo PIB (que assegura seu incremento real com base no crescimento da economia) está em conformidade com o programa constitucional que prevê sua suficiência para cobrir as necessidades básicas do trabalhador?

O salário mínimo é um direto bifacetado. Na dimensão negativa, exige atividade legislativa para proteção do quantum já alcançado. Na dimensão positiva, impulsiona o legislador a ampliar esse quantum até o nível de suficiência.

A Lei nº 12.382 de 2011 estabelece uma fórmula que opera nessas duas dimensões. Na dimensão negativa, impõe a correção anual do salário mínimo pelo INPC. Na dimensão positiva, determina o incremento real do salário mínimo na proporção da elevação do PIB. Mas, ainda assim, a fórmula é retrocessiva? E, se não for, é suficiente?

Penso que a corte deveria ter analisado essa questão incidental para decidir sobre a questão principal dos autos. Se os ministros decidissem pela insuficiência da fórmula, a programação dos reajustes para os próximos quatro anos seria inconstitucional.

Se, ao contrário, a fórmula fosse considerada suficiente, o critério formal estabelecido na Lei para o reajuste poderia ser considerado constitucional.

A meu ver, a fixação de regras de reajuste por um período de quatro anos só é constitucional porque é clara e evidente a insuficiência do salário mínimo.

A declaração de inconstitucionalidade da lei afrontaria o princípio da proibição do retrocesso social, porque marcharia contra uma fórmula consensual e progressista acertada pelo critério democrático.

A lei foi aprovada segundo o princípio democrático, e, no que concretiza direitos sociais dos trabalhadores, insere-se no âmbito de proteção do princípio de proibição do retrocesso.

A esse agregado principiológico a reforçar a constitucionalidade da norma somam-se os princípios da dignidade humana, do mínimo existencial, da igualdade e muitos outros que se consubstancia no salário mínimo suficiente.

Assim, o Supremo Tribunal Federal só poderia declarar legitimamente a norma inconstitucional se, em juízo de sopesamento entre esse agregado principiológico e outro princípio qualquer atingido pela lei, digamos, o princípio do funcionamento das minorias parlamentares, concluísse, pela preponderância deste.

Diversamente, se a fórmula fosse considerada retrocessiva ou insuficiente, a declaração de inconstitucionalidade da Lei imporia o revigoramento da prática anterior, com a definição anual do salário mínimo por lei específica, questão que oportuniza tantos debates tanto no Parlamento, quanto na esfera pública lato sensu.

Suponha-se que a lei, em vez de fixar a fórmula INPC+PIB, definisse que nos próximos quatro anos o salário mínimo fosse reajustado pela TR? Faria algum sentido o STF analisar a questão formal sem aprofundar-se no exame da própria fórmula?

A prefixação do salário mínimo por quatro anos, como advertiu o ministro Gilmar Mendes, está no limite da Constitucionalidade. O expediente pode se tornar um grave precedente para prefixação de reajustes para servidores públicos, por exemplo, o que poderia ressuscitar a indexação generalizada da economia e a volta da hiperinflação.

Imagine-se, por outro lado, que o próximo presidente da República fixe a mesma fórmula para vigorar por um período indefinido? Não há no voto da relatora, Cármen Lúcia não nenhuma indicação de que essa burla à reserva legal para definição do mínimo seja inconstitucional.

A sinalização do ministro Gilmar Mendes de que a ampliação da flexibilização da reserva legal prevista na Lei nº 12.382 de 2011 seria inconstitucional é, portanto, fundamental.

Sobre o autor
Edvaldo Fernandes da Silva

Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, da Universidade Cândido Mendes (IUPERJ-UCAM), especialista em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília (UCB), bacharel em Direito e em Comunicação Social-Jornalismo, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor de Direito Tributário em nível de graduação e pós-graduação no Centro Universitário de Brasília (UniCeub); e de Pós-Graduação em Ciência Política no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB) e advogado do Senado Federal (de carreira).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edvaldo Fernandes. A ADI 4568 e a constitucionalidade do salário mínimo definido em decreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3067, 24 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20481. Acesso em: 22 nov. 2024.

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