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O princípio da retroatividade aplicado às leis processuais penais mais benéficas

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Agenda 12/12/2011 às 07:59

Através da análise da nova legislação, busca-se compreender em que medida as leis processuais penais, puras ou mistas, são aplicáveis com efeito ex tunc e durante o período de vacatio legis.

RESUMO:

O presente artigo aproveita-se do ensejo que a nova lei das medidas cautelares no processo penal (Lei 11.403/11) trouxe em uma de suas disposições para debater os efeitos da aplicação do princípio da retroatividade a leis processuais penais. Através da análise da nova legislação, busca-se compreender em que medida as leis processuais penais, puras ou mistas, são aplicáveis com efeito ex tunc e durante o período de vacatio legis.

PALAVRAS-CHAVE: "Leis Processuais Penais". "Efeito Ex Tunc". "Princípio da Retroatividade". "Vacatio Legis".

ABSTRACT:

This article takes advantage of the opportunity brought by the new law of precautionary measures in criminal proceedings (Law n. 11.403/11) in one of its provisions to discuss the effects of the application of the principle of retroactivity to the criminal procedural laws. Through the analysis of the new law, it seeks to understand whether the procedural criminal, pure or mixed, are applied with ex tunc effect and during the period of vacatio legis or not.

KEY WORDS: "Procedural Criminal Laws". "Ex Tunc Effect ". "Principle of Retroactivity". "Vacatio Legis".


A lei nº 12.403/11, de 4 de maio de 2011, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares, trouxe em seu art. 3º a expressa previsão de que entraria em vigor sessenta dias após a data de sua publicação oficial. Ocorre que o referido dispositivo suscitou uma série de discussões, que retomam a polêmica da aplicação imediata, ou não, da lei processual penal mais benéfica [01]. Eis o propósito do presente estudo: debater se o princípio da retroatividade da lex mittior (art. 2º, parágrafo único, do Código Penal [02]) poderia ter aplicação para leis de caráter processual, quando estas tratem de novas garantias para o agente [03].

A esse período que decorre entre o dia da publicação de uma lei e o dia em que ela entra em vigor, ou seja, tem seu cumprimento obrigatório, dá-se o nome de vacatio legis, que advém do Direito Romano e protege justamente o Princípio da Irretroatividade, garantindo também os direitos adquiridos.

Nesse sentido, outrora já se manifestou a jurisprudência brasileira:

"Vacatio legis não é um tempo destinado à maturação da lei, ou uma espera de algum ato de sua modificação. A lei está pronta, completa. Destina-se a vacatio legis tão-somente às adaptações necessárias a que as modificações introduzidas pela lei nova contem com o aparelhamento indispensável à sua aplicação e torná-la conhecida". [04]

Essa disposição é comum em leis que encerram dispositivos que inauguram modificações profundas e significativas em uma área jurídica e visa a não colher de surpresa os destinatários da norma.

A matéria é disciplinada pela Constituição Federal no parágrafo único do art. 59, que trata do Processo Legislativo, sendo a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis remetida à lei complementar.

Em cumprimento dessa função, o legislador infraconstitucional editou a Lei Complementar nº 95/ 98, que trata do tema em seu art. 8º, inserido na seção que versa sobre a "estruturação das leis":

"Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.

§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. (Parágrafo incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)

§ 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’ .(Parágrafo incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)" [05]

Percebe-se, desse modo, que a entrada em vigor da nova lei das medidas cautelares se deu apenas em 06/07/2011, já que a data de sua publicação no D.O.U. foi 05/05/2011 e o último dia do prazo da vacância seria em 05/07/2011.

A reforma das medidas cautelares sem dúvida consagra uma mudança de paradigma no tocante à prisão preventiva, que passa a ser de fato encarada como ultima ratio, em conformidade com o texto constitucional.

Em recente julgamento na 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Desembargador João Batista Marques Tovo manifestou-se no sentido de que as alterações introduzidas pela Lei nº 12.403/2011 teriam efeitos imediatos, ao seguinte argumento:

"Ninguém há de sustentar que se deva decretar prisões preventivas ou mantê-las contra o disposto em lei processual benéfica, cuja vigência deveria ser imediata, em que pese estejá submetida a vacatio legis prestes a vencer, sobretudo porque a prisão seria de curta duração, apenas até o dia da vigência: 6 de julho de 2011." [06]

De fato, boa parte da doutrina defende que a lei tinha aplicação imediata por ser mais benéfica ao acusado em geral, possibilitando o emprego de medidas cautelares alternativas à custódia. Desse modo, deveria haver uma reavaliação imediata para adequação com os novos parâmetros do art. 319 do Código de Processo Penal.

A questão que se coloca é definir se, nas hipóteses em que a lei é desfavorável, teria ela aplicação imediata ou não [07].

Taipa de Carvalho explica que a aplicação irrestrita do critério tempus regit actum parte de uma equivocada e limitada compreensão da natureza meramente adjetiva das regras processuais, que ignora a existência de leis processuais que afetam diretamente direitos e garantias fundamentais, sendo, pois, regra de garantia [08]. Nereu Giacomolli, nessa esteira, destaca que a dinâmica interna do processo evidencia uma alta conectividade entre pena e processo, direito material e direito processual, de sorte que é inequívoca a direta ligação entre as regras processuais penais e o direito material [09].

Daí o entendimento de que apenas as regras processuais penais benéficas, assim compreendidas como aquelas que, de alguma forma, ampliam o espectro de garantias fundamentais dos acusados em processo penal, obedeçam ao princípio da imediatidade disposto no artigo 2º do CPP, enquanto as demais, restritivas de direitos e garantias fundamentais, que de algum modo reduzem os padrões de garantias processuais, teriam aplicação apenas aos fatos praticados após a sua vigência [10].

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Tal forma de compreensão do problema encontra, de fato, melhor aderência constitucional, ao equiparar os efeitos temporais das leis penais e processuais penais e emprestar maior eficácia aos direitos e garantias fundamentais. Com efeito, o fundamento da não aplicação imediata de uma lei processual penal é o mesmo da irretroatividade das leis penais mais graves. Por essa razão, Lopes Jr. afirma que a aplicação literal do artigo 2º do CPP não resistiria a uma filtragem constitucional [11].

Alberto Silva Franco

, com sua peculiar maestria, leciona:

"Como todo e qualquer princípio constitucional, a retroatividade penal benéfica não tem efeito meramente proclamatório nem é regra de conotação programática: é imperativa, porque dotada de caráter jurídico-positivo". [12]

Referido caráter confere pronta eficácia à norma. E o mesmo doutrinador, ao analisar a hipótese de vacatio legis, conclui que, quando o legislador prefixa um prazo futuro para a entrada em vigor da nova lei, tal regra não seria compatível com o princípio da retroatividade penal benéfica.

"Não é necessário, em verdade, nenhum período de tempo, além da publicação da lei, para que um número restrito de pessoas – juízes e réus processados ou condenados – tomem ciência da norma penal que descriminaliza fato delituoso ou que dê ao agente tratamento punitivo mais mitigado [...] a vacatio legis é estabelecida para favorecer as pessoas. Instituto desta natureza não pode ocasionar efeito oposto, ou seja, gerar prejuízo, aumentar ônus. Além disso, substancialmente, representa nova tomada de posição da lei sobre um instituto. Integram-se perfeitamente à filosofia da retroatividade benéfica". [13]

E arremata: "Observe-se, contudo, que há normas processuais com intenso conteúdo penal. Nesses casos, admite-se sua retroatividade, em face da sua dupla natureza." [14]

Paulo José da Costa Júnior,citando Raggi, fala que: "a lei, em período de vacatio, não deixa de ser lei posterior, devendo, pois, ser aplicada desde logo, se mais favorável ao réu". [15]

O professor Cezar Roberto Bitencourt assim ensina:

"Toda lei penal, seja de natureza processual, seja de natureza material, que, de alguma forma, amplie as garantias de liberdade do indivíduo, reduza as proibições e, por extensão, as consequências negativas do crime, seja ampliando o campo da licitude penal, seja abolindo tipos penais, seja refletindo nas excludentes de criminalidade ou mesmo nas dirimentes de culpabilidade, é considerada lei mais benigna, digna de receber, quando for o caso, os atributos da retroatividade e da própria ultratividade penal". [16]

Em nada diverge do ensinamento de Nelson Hungria que, em seus Comentários ao Código Penal, já preconizava que "a lei em período de vacatio não deixa de ser lei posterior, devendo, pois, ser aplicada, desde logo, se mais favorável ao réu" [17].

Na mesma senda, já se manifestou o Ministro Celso de Mello:

"as prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe, à ‘lex mitior’, uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata." [18]Diante do exposto, concluo que a Lei 12.403 é uma Lei Processual mas com prevalentes caracteres do penais, eis que dizem respeito ao poder punitivo, uma vez que criou novas medidas restritivas de direitos para o regime de cumprimento cautelar da pena, desta forma merecendo o respeito aos mesmos princípios da leis penais, ou seja, leis penais benéficas retroagem e tem aplicação imediata (por tratar dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana (CF, art. 5º, § 1º).

Também nesse propósito, vejamos o ensinamento do ex-Ministro do STJ Luiz Vicente Cernicchiaro:

"Na vacatio legis, a lei carece de vigência. Em outras palavras, ainda não compõe (materialmente) o ordenamento jurídico. A LICC estatui no art. 1º que, salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. O Direito é uno. Os setores dogmáticos, entretanto, evidenciam características próprias. O Direito Penal não se confunde com o Direito Civil. Mais pelos princípios do que pelas leis. O raciocínio, logicamente, também é distinto. A CR, tradicionalmente, registra a chamada (tecnicamente, imprópria) retroatividade benéfica da lei penal (art. 5º, XL). Aplica-se sempre a lei mais favorável ao réu. Também aqui deve ser entendida a teleologia da norma. Cumpre sacrificar o aspecto meramente literal. O enunciado do tipo é feito pelo Estado através de lei em sentido formal. Só assim, gera efeito. Na ‘vacatio legis’, a elaboração da lei foi escorreita. Nenhum vício a macula. Apenas o tempo fixado ainda está em curso. Ideologicamente, contudo, há formal e solene declaração de aplicar a lei penal mais favorável. Não faz sentido, por isso, por mero apego à letra do texto, aguardar a respectiva fluência. O argumento de, nesse meio tempo, a lei poder ser revogada (aconteceu com o CP de 1969) não influi no raciocínio. O comando da Constituição é incondicional, no sentido de beneficiar. (...) Recorde-se ainda. A ‘vacatio legis’ busca, antes da vigência, favorecer a pessoa, a fim de não ser surpreendida com a nova disciplina. Seria contra-senso deixar de aplicar, imediatamente, lei que se destina a favorecer. No caso em comento: porquê esperar 60 dias para início de vigência, se no segundo mês haverá a nova disciplina! Seria manter a lei mais rigorosa durante esse tempo e, escoado o prazo, de ofício, conferir o novo tratamento. Sem dúvida, evidente exemplo de raciocínio de aplicação formal da lei, escorada apenas no sentido gramatical do texto legal! Apesar de aproximar-se o século XXI! A elaboração da lei pode apresentar vício de procedimento. Evidenciar-se inconstitucional. Em outras palavras, o texto exterioriza a posição oficial (representa a sociedade), todavia, de maneira legislativamente, defeituosa. Significa, porém, a diretriz a ser adotada nesse setor. Evidente, o raciocínio é válido quando a norma posterior for mais favorável. Materialmente, ocorre ‘abolitio criminis’, ou foi amenizado, de qualquer modo, o tratamento até então em vigor. O tema ganha amplo espaço na literatura italiana e a Corte Constitucional decidiu que, no caso, se está de frente a um conflito entre interesse individual e favor ‘libertatis’ e o interesse da tutela da comunidade." [19]

Muito embora essas lições tenham sido defendidas para aplicação em normas de caráter penal (direito material), o certo é que o entendimento também se aplica à matéria processual. Isso porque, na linha de Aury Lopes Jr., "não há como pensar o Direito Penal completamente desvinculado do processo e vice-versa." [20]. Não pode haver punição sem lei anterior que preveja o fato punível e um processo que o apure. Da mesma forma, não pode haver um processo penal, senão para apurar a prática de uma fato aparentemente delituoso e aplicar a pena correspondente. Essa íntima relação não permite que se pense o Direito Penal e o Processo Penal como compartimentos estanques. Por essa razão, as regras da retroatividade da lei penal mais benéfica devem ser compreendidas dentro da lógica sistêmica, ou seja, retroatividade da lei penal ou processual penal mais benéfica e vedação de efeitos retroativos da lei (penal ou processual penal) mais gravosa ao réu [21].

Tome-se por exemplo, uma vez mais, a nova lei das medidas cautelares, ainda que se trate exclusivamente de norma processual penal, mas que versa sobre a liberdade e a prisão, trazendo em especial "medidas alternativas à prisão processual". Por conseguinte, há que se dar àquela lei igual tratamento dispensado à legislação penal.

Segundo Luiz Flávio Gomes, a Lei nº 12.403 é uma lei processual, mas com prevalentes caracteres penais, eis que dizem respeito ao poder punitivo, uma vez que criou novas medidas restritivas de direitos para o regime de cumprimento cautelar da pena, desta forma merecendo o respeito aos mesmos princípios da leis penais, ou seja, leis penais benéficas retroagem e tem aplicação imediata por tratar dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana (CF, art. 5º, § 1º). [22]

A nova lei tem, em realidade, caráter misto, (também chamado processual impróprio), penal e processual penal. Nesses casos, aplica-se a regra do Direito Penal, ou seja, a lei mais benigna é retroativa e a mais gravosa não. Ocorre que, no caso da Lei nº 12.403/11, durante a vacatio legis, alguns dispositivos podiam ser interpretados como favoráveis, e outros não. Ao passo que teoricamente poderia ser convertida uma prisão preventiva em prisão domiciliar, desde a publicação da lei, houve quem entendesse que, nessas mesmas condições, poderia ser aplicada, desde então, uma medida cautelar diversa da prisão para quem estivesse em liberdade, já que anteriormente não existiam essas medidas e a liberdade era, no máximo, mediante compromisso.

Assim, repita-se, em que pese tratar a Lei nº 12.403/11 de alterações no Código de Processo Penal, parte destas modificações legislativas carregam um inafastável caráter penal, motivo pelo qual o tratamento dado a esta norma há que ser o mesmo dispensado à norma de direito material.

A propósito, a 6ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em duas oportunidades manifestou-se sobre o assunto, reconhecendo a antecipação dos efeitos da nova lei das medidas cautelares, precisamente quando beneficiar o imputado:

HC Nº. 70.042.899.070HC/M 1.355 - S 09.06.2011 - P 02 HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. LAVRATURA DE AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE NÃO ACOMPANHADA POR DEFENSOR. INVALIDADE DO APF. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. INVALIDADE DO APF QUE NÃO CONTAMINA A DECISÃO POSTERIOR. PACIENTE PRIMÁRIO ACUSADO DE PRÁTICA DE CRIME CUJO MÁXIMO DE PENA CARCERÁRIA ABSTRATAMENTE PREVISTA É DE QUATRO ANOS. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS TUTELARES DA LEI Nº. 12.403/2011. Tratando-se de paciente primário que está sendo acusado de prática de receptação simples, cujas penas abstratamente previstas no preceito secundário é de reclusão, de 01 a 04 anos, e multa, devem ser antecipados os efeitos tutelares da Lei nº. 12.403/2011, cuja entrada em vigor ocorrerá em menos de 30 dias, ou seja, em 06/07/2011, pois o caso concreto examinado não se encaixa nas hipóteses autorizadoras do decreto de prisão preventiva, a teor da nova redação que este diploma legal conferiu ao art. 313 do C.P.P. ORDEM CONCEDIDA. [23]

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. RECEPTAÇÃO DOLOSA. PACIENTE SEM ANTECEDENTES. PRISÃO PREVENTIVA QUE NÃO SE MOSTRA PROPORCIONAL NO CASO CONCRETO. PROXIMIDADE DE VIGÊNCIA DA LEI 12.403 DE 2011 QUE RECOMENDA APLICAÇÃO DE SEUS CRITÉRIOS. RELAXAMENTO DA PRISÃO. Ordem concedida. [24]

Questão semelhante já passou pelo crivo do Pretório Excelso ao tratar da retroatividade da Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais. O acórdão da lavra do Min. Marco Aurélio foi assim ementado:

COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha esse, ou não, qualificação de superior. LEI PENAL - RETROATIVIDADE - JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS - LEI Nº 9.099, DE 29 DE SETEMBRO DE 1995. A Lei nº 9.099/95 consubstancia, no que versa sobre matéria penal, lei mais favorável ao réu. No particular, a aplicação mostrou-se imediata e também retroativa, não cabendo distinguir normas consideradas a dualidade material e instrumental. Ao alcançarem, de forma imediata, ou não, a liberdade do réu, ganham contornos penais suficientes a atrair a observância imperativa do disposto no inciso XL do rol das garantias constitucionais - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Precedente: inquérito policial nº 1.055, relatado pelo Ministro Celso de Mello, cuja decisão foi publicada no Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 1986." [25]

Contudo, o princípio da imediatidade segue tendo plena aplicação nos casos de leis meramente procedimentais, de conteúdo neutro, a ser aferido no caso concreto, já que essas normas não geram um gravame para a defesa. Nessas situações, é indispensável analisar-se o caso concreto. Não há possibilidade de criar uma estrutura teórica que dê conta da diversidade e complexidade que a realidade processual pode produzir [26].

Portanto, é indiscutível que a vacatio legis é instituto que visa a beneficiar os destinatários da lei.

Tendo caráter processual, o princípio estabelecido é de que a norma "provee únicamente para el futuro, o sea, en orden a todos los procedimientos y a todos los actos procesuales que están aún por cumplirse en el momento en que entra en vigor, salvo las excepciones estabelecidas por la misma ley" [27]. Logo, a norma aplica-se a partir de sua vigência, sem efeito retroativo: tempus regit actum.

Ainda que se reconhecesse um eventual caráter penal, o princípio de direito material é da Retroatividade da lei mais benéfica (lex mitior) [28]. Dessa forma, medidas mais gravosas que forem implementadas por uma nova lei (lex gravior), não poderão jamais retroagir.

Consequentemente, a situação dos réus que, na entrada em vigor da Lei nº 12.304/11, respondiam a processos em liberdade reclama um recorte de interpretação, de modo a evitar, com a aplicação imediata de uma lei em tese mais benéfica, a criação de uma situação mais gravosa ao acusado. Estando o réu em liberdade na data da vigência da nova lei, a imposição de quaisquer das medidas cautelares alternativas à prisão depende de uma alteração da situação de fato, do surgimento da necessidade de imposição dessas cautelares, do periculum libertatis, a justificar a restrição da liberdade.

Assim é porque se deve presumir que, estando o Réu solto quando da entrada em vigor da nova lei, é porque não havia necessidade de restrição da sua liberdade, restando vedada, portanto, a imposição imediata de qualquer medida alternativa à prisão, sem a demonstração de uma alteração fática a caracterizar um atual e novo periculum libertatis.

Apenas quando demonstrada, no caso concreto, a necessidade de restrição da liberdade, por situação fática superveniente à edição da nova lei, é que será possível (e obrigatória, por força do artigo 2º do CPP) a imposição das medidas cautelares alternativas à prisão. Possível porque demonstrada a sua necessidade e obrigatória porque se trata de regra processual mais benéfica aos réus e, portanto, incidente imediatamente em todos os processos em curso.

Portanto, não é possível, pelo simples fato de a nova lei prever medidas alternativas à prisão preventiva, em tese menos restritivas da liberdade, que de imediato sejam elas impostas a réus que respondem ao processo em liberdade, sem que nenhuma alteração fática se verifique a justificar a medida, com o que se estaria fazendo uso de uma lei que em tese amplia o espectro de direitos e garantias fundamentais para, concretamente, restringi-los.

Desse modo, entendemos que uma lei de caráter processual penal que venha a beneficiar de qualquer modo o réu reflete diretamente no âmbito de suas garantias fundamentais e, consequentemente, deve ter aplicação imediata, mesmo durante a vacatio legis, e efeitos retroativos. De outro lado, as leis (ou dispositivos de leis) que limitem garantias de ordem processual jamais poderão retroagir, porquanto inauguram uma nova ótica mais restritiva. Logo, se, no espectro do direito material, o indivíduo, ao agir no exercício de sua liberdade, tem que ter clareza sobre o que pode ou não estar violando; na seara processual, deve ter ciência sobre quais garantias terá para defender-se, sem o que estar-se-á estabelecendo uma verdadeira inquisição.

Sobre o autor
Carlo Velho Masi

Advogado criminalista (OAB-RS 81.412). Vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado do Rio Grande do Sul (ABRACRIM-RS). Mestre e Doutorando em Ciências Criminais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Política Criminal: Sistema Constitucional e Direitos Humanos pela UFRGS. Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM. Especialista em Ciências Penais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNISINOS. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-RS. Membro da Comissão Nacional de Judicialização e Amicus Curiae da ABRACRIM. Membro da Comissão Especial de Políticas Criminais e Segurança Pública da OAB-RS. Parecerista da Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM) e da Revista de Estudos Criminais (REC) do ITEC. Coordenador do Grupo de Estudos Avançados Justiça Penal Negocial e Direito Penal Empresarial, do IBCCRIM-RS. Foi moderador do Grupo de Estudos em Processo Penal da Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB-RS). Coordenador Estadual Adjunto do IBCCRIM no Rio Grande do Sul. Membro da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul (ACRIERGS). Escritor, pesquisador e palestrante na área das Ciências Criminais. Professor convidado em diversos cursos de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASI, Carlo Velho. O princípio da retroatividade aplicado às leis processuais penais mais benéficas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3085, 12 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20596. Acesso em: 24 nov. 2024.

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