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Sistema penal e mídia: breves linhas sobre uma relação conflituosa

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mídia, assim como o sistema penal, constitui uma forma de controle social institucionalizado. Em face do hiato existente entre o Judiciário e o homem comum, os veículos midiáticos assumem a função de decodificar a linguagem técnico-jurídica e, no exercício desse mister, findam por se travestir num verdadeiro tribunal popular.

Por um lado, a liberdade de informação jornalística é princípio inarredável de um Estado que se pretende democrático, pois, ao tornar transparente a atuação dos órgãos estatais, permite o engendramento de uma sociedade participativa. Donde, deve ser arredada qualquer tentativa de estabelecer uma censura às atividades dos meios de comunicação.

Porém, sob outro prisma, urge reconhecer que a desmesurada cobertura jornalística sobre um fato penalmente acoimável pode acarretar graves danos aos direitos da personalidade da pessoa exposta como suspeita. Se os pormenores do incidente delitógeno não forem narrados de maneira responsável, corre-se o risco de atingir a intimidade, a honra e a imagem do indivíduo investigado ou processado, num flagrante desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

É imperioso que a comunidade jurídica comece a refletir sobre a ingerência dos meios de comunicação no funcionamento do Sistema de Justiça Criminal, a fim de identificar os problemas que hodiernamente fragilizam o Estado Constitucional de Direito num viés de recrudescimento da sanha punitiva estatal.

Enfim, o liame entre mídia e sistema penal é permeado, em toda sua extensão, por conflito de valores de matiz constitucional, não existindo parâmetros preestabelecidos e absolutos para o equacionamento da relação. Donde, a solução desse enfrentamento deve ser buscada à luz da casuística e através da técnica da ponderação. Apenas o sopesamento de princípios diante do caso concreto poderá conduzir o aplicador do Direito a uma solução mais afinada com os ideais de justiça.


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Notas

  1. Segundo o escólio de Zaffaroni (1991, p. 137), agências executivas do sistema penal consistem em "segmentos institucionalizados não judiciais" que atuam de forma compartimentalizada, dispondo de armas e discursos próprios para operacionalizar sua parcela de poder. O sistema penal, então, finda por ser a resultante do somatório do exercício independente desses "poderes".
  2. O programa televisivo em questão era transmitido nas noites de quinta-feira entre 1999 e 2008.
  3. A expressão cunhada pelo autor traduz o credo infundido na coletividade de que a solução dos problemas sociais está em criminalizar condutas. Eis como Nilo Batista (2002, p. 274) detalha a construção teórica em apreço: "na forma de uma deusa alada onipresente, vemos uma criminalização que resolve problemas, que influencia a alma dos seres humanos para que eles pratiquem certas ações e se abstenham de outras – e sempre com o devido cuidado – que supera crises cambiais, insucessos esportivos e é mesmo capaz de semear lavouras, não nos desmintam as penitenciárias agrícolas. A criminalização, assim entendida, é mais do que um ato de governo do príncipe no Estado mínimo: é muitas vezes o único ato de governo do qual dispõe ele para administrar, da maneira mais drástica, os próprios conflitos que criou".
  4. Versa a "lógica das vedetes" sobre a preferência dedicada à repressão simbólica, mediante a atuação penal em face de sujeitos mais representativos , criando no cidadão comum a idéia de certeza do castigo e infalibilidade da pena.
  5. Tal diploma legislativo teve como pedras de toque o seqüestro do empresário Paulo Medina, além do caso Abílio Diniz, que despertaram um sentimento de insegurança e pânico social, inflamando na população uma cólera punitiva que deflagrou a atuação do Poder Legislativo.
  6. À época com 22 anos de idade, a atriz foi assassinada por Guilherme de Pádua – colega de elenco na novela "De Corpo e Alma – e por sua mulher, Paula Thomaz. O homicídio foi concretizado com dezoito golpes de punhal.
  7. Saliente-se que o teor do art. 7º, inciso XIV da Lei nº 8.906/94, que assegura aos advogados a prerrogativa de analisar autos de inquérito em repartições policiais, não representa um empecilho ao sigilo das investigações. Consoante entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, recentemente cristalizado na Súmula Vinculante nº 14, o direito de vista do causídico abarca os documentos já encartados nos autos, não atingindo as diligências ainda em andamento.
  8. Segundo Batista (2002, p. 276), a pena, no capitalismo tardio, apresenta-se como "um recurso epistemológico, como instrumento de compreensão do mundo". Tratar-se-ia a sanção penal, portanto, de um recurso para restabelecer a confiança do cidadão no sistema judiciário.
Sobre a autora
Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara

Procuradora da República. Ex-Defensora Pública do Estado de Alagoas. Ex-Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe. Ex-Assessora de Procurador de Justiça. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÂMARA, Juliana Azevedo Santa Rosa. Sistema penal e mídia: breves linhas sobre uma relação conflituosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3083, 10 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20616. Acesso em: 18 nov. 2024.

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