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Intervalos intrajornada para o trabalho rural em condições de exposição ao calor

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Agenda 14/12/2011 às 13:33

4 Inaplicabilidade da OJ 173 da SDI-1 do C. TST

A Orientação Jurisprudencial n. 173 da SDI-I do C. Tribunal Superior do Trabalho, que dispõe que "Em face da ausência de previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto", vem sendo bastante utilizada pelos Tribunais para fundamentar o indeferimento de pleitos de adicional de insalubridade em razão do trabalho desempenhado no calor [24].

Em rigor, porém, as situações são diferentes e não devem ser confundidas. A OJ Apenas afasta o adicional pela exposição a raios solares, não a calor. É o que se conclui ao se analisar os precedentes que resultaram na sua edição [25]. Daí, inclusive, a alusão, na parte final do verbete, ao Anexo 7, da MR 15, relativo a radiações ionizantes. Compreende-se. Pode haver exposição a raios solares sem que haja calor excessivo como, igualmente, pode haver calor excessivo sem que haja exposição a raios solares. O trabalho próximo de fornos é um bom exemplo. Outro, encontrado na jurisprudência, envolve trabalho de cobradores de ônibus [26].

Em verdade, a distinção entre incidência dos raios solares e calor, enquanto fatores de insalubridade, emana do próprio texto da Consolidação das Leis do Trabalho que, em seu artigo 200, V, fala em "proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no trabalho a céu aberto". Ora, tendo em mente a conhecida máxima de hermenêutica que apregoa que o legislador não utiliza palavras inúteis, há que se reconhecer que ao falar em insolação e em calor em momentos distintos o legislador evidenciou que eles constituem dois fatores distintos, devendo a lei cuidar do proteger o trabalhador em face de ambos. A diferença foi bem percebida pelo TST, em julgado de que se extrai a seguinte proposição:

"A Orientação Jurisprudencial nº 173, afasta a percepção de adicional de insalubridade ao empregado que trabalha sob céu aberto, exposto aos raios solares, em face de ausência de previsão em lei. O acórdão do Regional, registra situação fática diversa da descrita na referida orientação jurisprudencial, tendo em vista que a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade, ao contrário do alegado pela reclamada, decorreu, não de exposição aos raios solares, mas do extremo calor detectado no local de trabalho, encontrando respaldo no laudo pericial e no Anexo 3 da NR 15 da Portaria 3.214/78" (TST - 5a T., Proc. TST-RR-7150/2002-906-06-00.3, Rel. Min. KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA, julg. em 30.04.2008 in DJ 16/05/2008).


5 – Análise do quadro 1 do anexo 3 da NR-15.

O quadro em questão é bastante claro ao possibilitar o trabalho contínuo, e, portanto, sem pausas, em atividades leves quando a temperatura for igual ou inferior a 30º C, em atividades moderadas quando a temperatura for igual ou inferior a 26,7ºC, e pesada quando a temperatura for igual ou inferior a 25º C. É preciso, contudo, refletir sobre quais possibilitariam o controle da temperatura em uma atividade desenvolvida ao ar livre. A conjugação com o artigo 194 da CLT deverá ser feita de acordo com o parâmetro indicado no próprio quadro.

O trabalho além dos limites previstos no Quadro I do Anexo 3 gera direito ao adicional de insalubridade, como tem decidido, aliás, a jurisprudência [27] e deve sempre ser tido como algo absolutamente excepcional. Sempre que se puder reduzir ou eliminar a agressividade do ambiente, a obrigação de tomar a providência não pode ser deixada de lado pelo mero pagamento do adicional. Como muito bem salientado por Sebastião Geraldo de Oliveira, as normas de segurança e saúde no trabalho objetivam eliminar os riscos para a saúde do trabalhador na origem, em vez de neutralizá-los com a utilização de equipamentos de proteção [28]. Os adicionais, então, devem ser vistos como medidas absolutamente excepcionais. É preciso sempre ter em conta que a lei não confere ao empregador o direito de se eximir de sua obrigação de tentar eliminar os riscos para a saúde do trabalhador mediante o pagamento do adicional. Ela apenas permite que, não sendo possível atingir esse escopo, o empregador possa compensar essa situação com o pagamento do adicional. Esta hexegese do ordenamento jurídico tornou-se obrigatória após a Constituição Federal de 1988 que assegurou aos trabalhadores urbanos e rurais o direito a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, antes de garantir o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas. Pode-se afirmar, outrossim, que as medidas de controle para evitar a interrupção do trabalho estão em sintonia com a interpretação que deve ser dada ao art. 192 da CLT.

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6 Considerações finais

A história demonstra que, no Brasil, a proteção do rurícula sempre se verificou com bastante atraso, sobretudo quando comparamos cronologicamente o seu surgimento com o da tutela do trabalhador urbano. A mesma demora verificada na elaboração de um estatuto próprio para o campesino pode ser identificada também na edição das normas regulamentadoras que visam a sua segurança e saúde. As cinco NRRurais somente foram editadas em 1988 e não cuidaram de regulamentar exaustivamente os procedimentos de segurança e saúde do trabalho rural, o que fez com que uma norma regulamentadora específica para a área rural continuasse a ser reivindicada por diversos movimentos sociais. Para elaborá-la foi constituído o Grupo Técnico pelo Ministério do Trabalho e Emprego que, após concluir o seu texto, submeteu-o à consulta pública para receber sugestões da sociedade civil, entidades, etc. Encerrada essa etapa, foi constituída a Comissão Permanente Nacional Rural (CPNR) cuja função era negociar a norma após a consulta pública, atividade na qual obteve consenso em relação a 93% do texto. Após análise da Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego, a NR n. 31 foi finalmente publicada através da Portaria nº 86 de 03 de março de 2005, no Diário Oficial da União de 04/03/05.

O seu advento, contudo, não torna desnecessária a observância da NR 15 pelos empregadores rurais. Não obstante a nova Portaria não disponha de nenhum dispositivo determinando a sua aplicação aos trabalhadores campesinos, é preciso ter em conta que após o advento da Nova Carta Magna, a igualdade de direitos entre trabalhadores urbanos e rurais tornou desnecessária disposição expressa neste sentido. É necessário, a contrário senso, concluir que o silêncio do redator da Portaria que instituiu a NR-31 acerca da observância da NR-15 não implica na inexigibilidade desta medida. Em verdade, em se tratando de segurança e medicina do trabalho, as normas gerais, como as NR’s criadas pela Portaria 3.214/78, devem ser observadas por todos, devendo os destinatários de normas especificas observar além delas as normas que lhe são próprias. Da mesma forma que o cumprimento da NR-32 pelos Estabelecimentos de Saúde não os desobriga de cumprir as NRs 1 à 28, o cumprimento da NR-31 pelos empregadores rurais não os desobriga de cumprir também as NRs próprias dos urbanos.

A Orientação Jurisprudencial n. 173 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho, que dispõe que "Em face da ausência de previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto", não autoriza conclusão diversa. A distinção entre incidência dos raios solares e calor, é evidenciada no próprio texto da Consolidação das Leis do Trabalho que, em seu artigo 200, V, trata insolação e calor como fatores de insalubridade distintos. E os precedentes que justificaram a edição do referido verbete trataram exclusivamente da insalubridade por incidência dos raios solares, não autorizando, outrossim, a interpretação extensiva da OJ em questão para considerar indevida também a insalubridade por trabalho em condições de exposição ao calor.


Notas

  1. Como salientou Mozart Victor Russomano, apoiado nos ensinamentos de Buys de Barros, em texto publicado em 1957,"para uma nação que tem a lavoura e a pecuária como espinha dorsal de sua economia, não deixa de ser uma contradição tôda proteção da lei e que os industriários e comerciários tenham toda proteção da lei e que os trabalhadores da terra, que constituem a maioria, fiquem esquecidos à beira do novo caminho" (RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 4 edição, Vol. I. José Konfino Editor: 1957, p. 69).
  2. Art. 129. Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração.
  3. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 406.
  4. MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2003, p. 284.
  5. Dispõe que "aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classificam como idustriais ou comerciais".
  6. Dispõe que "Trabalhador rural, para os efeitos desta lei, é toda pessoa física que presta serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro, ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro".
  7. MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2003, p. 284.
  8. Diz-se isso porque sua parte previdenciária já havia sido alterada pelo Decreto n. 65.106, de 5.9.69, que aprovou o Regulamento da Previdência Social Rural, destinado à execução do Decreto-Lei n. 564, de 1º de maio daquele mesmo ano, complementado pelo Decreto-Lei n. 704, de 24 de julho, sempre de 1969, que estabelecia o Plano Básico da Previdência Social. (cf MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2003, p. 285).
  9. MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2003, p. 285.
  10. Art. 2º da Lei 5.889. Empregado rural é toda a pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
  11. Op cit, p. 70.
  12. GONÇALVES, Edwar Abreu. Manual de segurança e saúde no trabalho. 3ª edição, São Paulo: LTr, 2006, p. 31.
  13. Op cit, p. 31.
  14. Cf relatório da contag disponível em http://www.contag.org.br/imagens/Assalariados/Ass-NR-31-Especifica-AreaRural.pdf, acesso em 21 de fevereiro de 2011.
  15. Idem.
  16. Idem.
  17. Idem.
  18. CARNEIRO, Raymundo Antonio. Súmulas do TST comentadas. 10ª edição, São Paulo: LTr, 2009, p. 246.
  19. OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários as Súmulas do TST. 7ª edição, São Paulo: LTr, 2007, p. 544.
  20. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35ª ed, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 209.
  21. Op. cit., pp. 32/33.
  22. Alice Monteiro de Barros, Curso de Direito do Trabalho, 6ª edição, São Paulo: 2010, p. 428.
  23. José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, A APLICABILIDADE DAS NORMAS REGULAMENTADORAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO, Disponível em http://camat.com.br/arquivos/artigos/nr-31_e_sua_aplicabillidade.pdf, Acesso em 08 de fevereiro de 2011).
  24. "RECURSO DE REVISTA - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - TRABALHO A CÉU ABERTO - EXPOSIÇÃO AO CALOR DO SOL - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 173 DA SBDI-1. Ao deferir o adicional de insalubridade em razão da exposição do Reclamante ao calor, decorrente do trabalho a céu aberto, o acórdão regional contrariou a Orientação Jurisprudencial nº 173 da C. SBDI-1, segundo a qual-em face da ausência de previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto". (TST  -  3a T., RR n. 85600-06.2004.5.03.0045, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, julg. em 08.08.2007 in DJ de 31/08/2007). "Adicional de insalubridade. Calor solar. Indevido.Orientação Jurisprudencial nº 173 da SDI do C TST" (TRT - 2a Reg., 3a T., RO n.  01450-2005-481-02-00-9, Rel. Juiz SERGIO J. B. JUNQUEIRA MACHADO, julg. em 17/03/2009 in DJ de 31/03/2009).
  25. ERR 467419/1998 DJ 22.09.2000 Decisão unânime; ERR 254550/1996 Min. José Luiz Vasconcellos DJ 06.08.1999 Decisão unânime; ERR 304420/1996 Min. José Luiz Vasconcellos DJ 25.06.1999 Decisão unânime; ERR 259532/1996 Min. José Luiz Vasconcellos DJ 16.04.1999 Decisão unânime; ERR 257356/1996 Min. José Luiz Vasconcellos DJ 16.04.1999 Decisão unânime; RR 312465/1996 , 2ªT Min. Bráulio Bassini DJ 21.05.1999 Decisão unânime ; RR 230566/1995, Ac. 3ªT 890/1997 Min. José Luiz Vasconcellos DJ 18.04.1997 Decisão unânime; RR 268504/1996, 4ªT Min. Galba Velloso DJ 18.09.1998 Decisão unânime.
  26. "INSALUBRIDADE. COBRADOR DE ÔNIBUS. CALOR. NR-15 ANEXO 3. Comprovado em perícias realizadas em outros processos que os cobradores estavam expostos à temperatura IBUTG superior a 30º C é devido o adicional de insalubridade". (TRT - 23a Reg., RO n. 00709.2008.002.23.00-8, Rel. Juíza CARLA LEAL, julg. em 20/05/2009 in DJ de 26/05/2009)
  27. "Caracterizado o exercício de atividade em exposição ao calor acima dos limites de tolerância definidos no anexo n. 3 da NR 15, do Ministério do Trabalho, necessária se faz a incidência de adicional de insalubridade" (TRT -22a Reg., RO n. 01171-2008-103-22-00-9, Rel. Juiz FAUSTO LUSTOSA NETO, julg. em 23/03/2010 in DJT/PI de 30/3/2010)
  28. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 4ª edição, São Paulo: LTr, 20002, p. 112.
Sobre o autor
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho

Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutor em Direito pela Université de Nantes (França). Professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. Professor, Coordenador de cursos de pós-graduação e membro do Conselho Curador da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. Intervalos intrajornada para o trabalho rural em condições de exposição ao calor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3087, 14 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20650. Acesso em: 22 nov. 2024.

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