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Apontamentos sobre a carta de conforto (lettere di patronage)

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Agenda 15/01/2012 às 08:02

A utilização das cartas de conforto como garantia contratual atípica traz muito vantagem ao garantidor e ao devedor, pois não há solidariedade quanto ao cumprimento da obrigação e é gratuita, não onerando o patrimônio dos envolvidos.

RESUMO: O artigo traça alguns apontamentos sobre a modalidade de garantia atípica denominada carta de conforto, amplamente utilizada o direito bancário estrangeiro e que ainda não possui registros significativas abordagens de caráter científico na doutrina nacional.

PALAVRAS-CHAVES: Direito bancário. Garantias pessoais típicas e atípicas. Fiança. Aval. Cartas de conforto. Grupo econômico. Sociedades. Responsabilidade contratual e extracontratual

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A carta de conforto: conceito, objetivo e espécies. 3. Natureza jurídica da carta de conforto: fiança, aval ou garantia atípica? 4. Conseqüências jurídicas para o emitente da carta de conforto: responsabilidade contratual ou extracontratual?. 5. Conclusões. 6. Referências Bibliográficas


1.INTRODUÇÃO

Instrumento negocial cada vez mais utilizado em transações empresariais, sobretudo bancárias, a carta de conforto não possui regramento legislativo próprio, no Brasil, nem delineamentos doutrinários pátrios relevantes acerca de sua natureza jurídica, espécies ou efeitos.

Nada obstante a ausência de precisos contornos jurídicos, as lettere di patronage, como a conhecem os italianos, são empregadas cotidianamente em inúmeras negociações entre empresários e bancos ou instituições financeiras, visando a garantir contratos os mais diversos, cujo objeto relacione-se a compromissos financeiros.

A carta de conforto, portanto, é utilizada previamente à celebração de negócios jurídicos de natureza contratual e, como o nome indica, conforta o receptor ("confortado") acerca do cumprimento das obrigações assumidas pelo "garantido", servindo as informações prestadas pela pessoa "confortante" [01] como garantia ao adimplemento contratual.

Neste sentir, aproxima-se a uma carta de intenções, dado o cunho (puramente) moral que, num primeiro momento, emana das lettere.

Com efeito, neste ponto começam a serem sentidos os primeiros efeitos da inexistência de regramento típico sobre a carta de conforto e o alcance que as declarações prestadas podem reverberar para todos os envolvidos na relação, de maneira que os personagens restam envoltos numa nuvem cinzenta de incertezas.

O escopo deste artigo é investigar, em breve síntese, a natureza jurídica da carta de conforto, identificar suas espécies, projetar e delimitar seus efeitos e apartá-la de modalidades típicas de garantias pessoais, fornecendo, para tanto, elementos mínimos aptos a construir um regramento específico sobre esta novel forma de garantia de obrigações.


2.CARTA DE CONFORTO: CONCEITO, OBJETIVO E ESPÉCIES

Ante o minimamente exposto, o conceito de carta de conforto, grosso modo, tonar-se intuitivo.

Cláudio da Silva Leiria [02], escudado em Vera Maria Jacob de Fradera, apresenta uma definição bastante explicativa, porém atécnica, para conceituar as lettere: "é a garantia pela qual uma sociedade-mãe (controladora) mediante a emissão de uma "carta" garante ao credor de sua controlada (sociedade-filha), o pagamento do débito desta última, sendo variáveis a extensão e o alcance da expressão ‘garante’, porquanto esta dependerá da modalidade da lettre emanada".

Por seu turno, José Carlos Moreira Alves [03] faz sua a definição de António Menezes Cordeiro, alinhavando que "é um missiva dirigia a uma instituição de crédito por uma entidade - a entidade-mãe – que detém interesses dominantes ou significativos numa terceira entidade – a entidade-filha. Nessa carta, a entidade-mãe afirma conhecer um compromisso assumido ou a assumir pela entidade-filha perante a destinatária e, depois, conforta ou tranqüiliza a instituição de crédito em causa quanto à seriedade da recomendada ou quanto ao cumprimento dos deveres por ela assumidos."

Na esteia da definição anterior, outro português, Vasco Soares da Veiga, enuncia que cartas de conforto "são simples compromissos de honra assumidos por uma determinada sociedade, subscritora da carta, perante um Banco, em que apresenta um certo cliente, beneficiário do crédito, em regra, uma sociedade sua afiliada ou em que detém acções ou quotas significativas ou mesmo dominantes, visando a concessão de crédito bancário" [04].

No que pese a autoridade dos autores das definições acima, tem-se que antes de definir o instituto – e definir nada mais é do que delimitar – houve apenas a descrição ampla da operação em si, destacando-se os personagens; o modus; o objetivo primário, etc., trazendo a lume as características gerais da carta de conforto, mas não a sua essência individualizadora que a distingue de tudo o mais.

Reconhece-se o escarpado intuito que é projetar e construir uma definição e, ainda, a imensa em dificuldade em, posta a definição, obter o consenso ou reconhecimento da doutrina.

Entretanto, ousa-se propor uma definição de carta de conforto, ainda que esta também venha a ser alvo de críticas por eventuais imperfeições.

Assim, é possível conceituar a carta de conforto como a missiva em que uma pessoa ("confortante") destina à outra ("confortado") com o escopo de tentar consolá-la, ou aliviá-la, quanto à garantia do cumprimento das obrigações do "garantido", sem assunção de obrigação pessoal e solidária.

Prefere-se a formulação deste conceito, aos demais, em razão de (i) não qualificar o gênero pela espécie, eis que diversas são as modalidades, ou tipos, de carta de conforto, e nem todas garantem pagamento (obrigação de dar), existindo as que garantem as obrigações de facere; (ii) é desnecessário, ou no mínimo incorreto, gravar no conceito e vinculá-lo aos negócios firmados com bancos e instituições financeiras, como se não fosse possível valer-se da missiva em outras situações, com outros partícipes, de modo a conferir a impressão de utilização reducionista do instituto [05].

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Constata-se, assim, que o objetivo precípuo da carta de conforto é servir como garantia alternativa prestada por um terceiro e posta à disposição do credor sem que nem o devedor nem o próprio fiduciante sejam onerados pelas clássicas formas de garantia pessoais dos negócios jurídicos, sobretudo o aval e a fiança.

Desta feita, interessa destacar que a utilidade maior da carta reside simultaneamente em garantir [06] o cumprimento da obrigação contratada e afastar, de plano, a responsabilização pessoal e solidária (ou principal e autônoma, no caso do aval) entre quem dá a garantia e quem se beneficia da garantia prestada, de forma que garantidor e beneficiário não serão, jamais, solidariamente responsabilizados, mantendo-se, nesta ordem de idéias, a intangibilidade da responsabilidade do garantidor pelas obrigações contraídas pelo garantido, num primeiro momento.

A garantia, em regra, no cotidiano das transações empresariais, é destinada a assegurar que o "garantido" obtenha o financiamento, o empréstimo, ou, ainda, a mesma taxa de juros ou o mesmo prazo de pagamento da dívida que o "confortante" teria, ou tem, nas suas relações com o "confortado", por exemplo.

Por outras palavras, o garantido goza das mesmas condições favoráveis – ou muito parecidas - ofertadas ao confortante, valendo-se do prestígio, bom nome e solvabilidade deste último frente ao confortado.

Importa consignar, ainda, que há outros motivos que ensejam a proliferação do uso da carta de conforto em detrimento das garantias contratuais pessoais típicas: não ter a natureza acessória, como a fiança; desnecessidade de figurar nos balanços das sociedades e/ou depender de autorização especial de determinado órgão societário [07]; ser gratuita, dentre outros.

Logo, o lado adverso imediato do incumprimento da obrigação, para o "confortante" subscritor da garantia, é perda da credibilidade, do prestígio e da reputação que gozava junto ao "confortado" [08].

Mas, no plano jurídico obrigacional, podem surgir serveros efeitos para o emitente da carta, a depender da espécie de lettere e da garantia prestadas.

Na mesma trilha, é fácil perceber que para a validade (ou eficácia) da carta de conforto, ou para que esta seja hábil a produzir os efeitos almejados – garantir o negócio jurídico -, é preciso que o ofertante goze de sólida solvabilidade e idônea reputação no mercado, especialmente porque, em vários países europeus ou africanos, a lettere di padronage não tem caráter contratual e resume-se a simples enunciados morais, como noticiam Moreira Rego e Gil Cambule [09].

De logo, urge relembrar que, a despeito de alguns autores não aceitarem a natureza contratual das lettere, as cartas conforto podem eventualmente responsabilizar o confortante por prejuízos havidos pelas informações prestadas pelo confortado em benefício do garantido, em face da responsabilização extracontratual, temática abordada adiante.

Com relação às espécies de carta [10] – os efeitos delas emanados – a doutrina estrangeira divide-a em diversas categorias [11], as quais podem ser simplificadas em (i) soft (fraca); (ii) média; e (iii) hard (dura).

Diz-se fraca das cartas cujo conteúdo limita-se a noticiar determinada informação acerca do garantido (composição societária; solvabilidade; existência de bens, interesses diversos do confortante no garantido, etc.), ou explanar a política do grupo econômico no qual se insere o garantido, sem que a confortante assuma qualquer obrigação ou responsabilidade pelas obrigações do beneficiário (está presente o dever genérico de diligência ao prestar informações).

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Aproxima-se, a bem da verdade, de uma simples carta de apresentação ou referência do garantido, na qual a "garantia" prestada é, somente, a palavra do confortante, que funciona como declaração da confiança depositada no garantido.

As cartas médio, por sua vez, trazem em seu bojo uma obrigação de fazer que o confortante assume perante o confortado, mas que se traduzem por vinculações muito abstratas ("prometemos envidar esforços para que o garantido honre com suas obrigações...") e que se caracterizam por promessas de que o emitente utilizará toda sua influência para que o garantido venha a adimplir com suas obrigações.

Por último, a hard traz em sua essência a assunção de uma obrigação de dar (ou fazer), assumida unilateralmente pela confortante, e, portanto, "um dever de prestar por parte da emitente, com a conseqüente responsabilidade pelo seu inadimplemento – tratando-se, assim, de garantia pessoal atípica, só se configurando fiança se, pelo seu conteúdo, os elementos desta estiverem inseridos" [12].

A categorização acima declinada é obra de Menezes Cordeiro e, aparentemente, é a mais aceita na doutrina, a par da existência de outras classificações.

Contudo, a definição da carta forte não é feliz, para dizer o mínimo, pois, se os elementos caracterizadores da fiança estiverem presentes na carta, carta de conforto não existirá, e sim contrato de fiança, observados, é claro, os rígidos contornos da contratação da fiança e da interpretação restritiva que este negócio jurídico demanda no direito positivo nacional.

A crítica reside em confundir carta de conforto com fiança, pois se os elementos (conteúdo e requisitos), desta última estiverem presentes e se a vontade das partes foi contratá-la, não haverá lugar para carta de conforto, e sim contrato de fiança.

Tanto José Carlos Barbosa Moreira Alves quanto Moreira Rego e Gil Cambule, lastreados nas lições de Menezes Cordeiro, parecem aceitar a identidade imediata entre carta de conforto hard e contrato de fiança, o que não se afigura correto, posto que, repita-se, se a vontade das partes foi contratar a fiança não há que se falar em carta de conforto e, caso a vontade manifesta tenha sido subscrever uma carta de conforto com caracteres de contrato de fiança, este último deve prevalecer dada a tipicidade legislativa e regramento próprio.

Ainda que a interpretação dada ao contrato de fiança seja restritiva e que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (art. 112 do CC), se as partes avençam um contrato de fiança, como fiança deverá ser considerado, não importando o nome dado ao instrumento ou ao negócio.

O delineamento preciso do tipo de carta – somada à sua natureza jurídica - será de suma importância ao estudo dos efeitos jurídicos que dela advém e as (eventuais) responsabilidades assumidas pelo confortante, assim como a forma de se exigir a responsabilização.

Ainda no tocante às cartas duras e fugindo da conceituação de Menezes Cordeiro, Alberto Trabucchi classifica-as como "as que declaram ou que a sociedade-mãe assegura que a sociedade-filha não será jamais insolvente e solverá o débito regularmente, ou que se compromete ela a providenciar para a devedora os meios necessários ao adimplemento."

A primeira parte da definição assemelha-se ao que foi exposto acerca dos ensinamentos de Menezes Cordeiro e, aplicam-se, pois, todas as considerações realizadas. Contudo, a parte final da conceituação parece ser a mais pertinente no que concerne à classificação das cartas duras.

Explica-se. Por mais que seja tênue a linha que separa as médias das duras – e ainda que esta não tenha sido a concepção originária do autor – pode-se (deve-se!) inferir que ao passo que as cartas médias caracterizam-se por meras promessas de envidar esforços para o adimplemento da obrigação garantida, a carta dura assegura o adimplemento, mas não pelo garantidor, mas ainda pelo garantido.

Por outras palavras, parece inexistir, com relação às cartas médias, forma prática e específica de o confortado compelir coercitivamente (executar ou obrigar) o confortante a adimplir a obrigação assumida, que, em resumo, é apenas "envidar esforços para que haja o adimplemento...", bastando-lhe demonstrar, ainda que minimante [13], ter tentado convencer o garantido a adimplir a dívida (cumprir a obrigação) para se ver livre de qualquer forma de execução específica (obrigação de fazer e não fazer).

Ainda que sutil, parece haver significativa diferença na forma de exigir do confortante o adimplemento da obrigação assumida na carta hard perante o confortado, tomando-se por base a parte final da conceituação de Alberto Trabucchi.

Neste diapasão, caso o confortante "comprometa-se a providenciar para a devedora os meios necessários ao adimplemento", poder-se-á estar diante de uma oportunidade para utilização da tutela específica da obrigação, conforme previsto nos arts. 461 e 461-A, a depender do caso concreto, se obrigação de dar ou fazer.

Ao se comprometer em providenciar os meios necessários ao pagamento, o confortante pode se obrigar (ou ter se obrigado) a emprestar dinheiro ao garantido para que este pague a dívida; a obter financiamento com terceiros para que o garantido salde o débito; etc.

O que se quer dizer é que a obrigação de pagar a dívida sempre estará a cargo do garantido, pois a obrigação do confortante perante o confortado é de oferece àquele os meios para pagar este último.

Assim, pode-se imaginar o seguinte cenário: o garantido não honra a obrigação perante o confortado e este, por sua vez, calcado na carta de conforto dura, persegue em juízo uma tutela específica da obrigação - inclusive com a possibilidade de cominação de multa em caso de descumprimento – visando a que o confortante efetivamente forneça os meios (dinheiro, por exemplo) necessários a que o garantido pague a dívida.

Pode-se, ainda, cumular o pedido acima com o de indenização por danos, consoante será demonstrado nas linhas vindouras.

Portanto, quer parecer que o verdadeiro alcance – ou a melhor definição – das lettere di patronage dura é a que possibilita o cumprimento específico da obrigação do confortante perante o confortado, por intermédio do garantido a quem incumbe a prestação da obrigação, eis que o confortante possui um instrumento que o habilita a perseguir em juízo a obrigação de resultado que é providenciar para a devedora os meios necessários ao adimplemento.

E não parece haver qualquer óbice para o procedimento acima descrito, haja vista que se trata de garantia pessoal prestada pelo confortante, que assumiu obrigação perante o confortado, e que – por definição – aquele tem poder, ascendência ou controle sobre o garantido, razão pela qual não há óbice a configuração da triangularização acima: a obrigação do confortante perante o confortado é garantir que o garantido preste a obrigação contraída.

Destarte, não parece possível, que o confortado tenha outra forma de exigir a tutela específica da obrigação [14] do confortante senão a descrita, eis que este não se obriga ao pagamento, mas a assegurar que outrem, sob sua ascendência e controle, pague.

Do exposto, começa-se a delinear a natureza jurídica da carta de conforto.


3.NATUREZA JURÍDICA DA CARTA DE CONFORTO: FIANÇA, AVAL OU GARANTIA ATÍPICA?

A comfort letter [15] é, portanto, uma garantia pessoal que não estabelece solidariedade entre garantidor e garantido pelo cumprimento da obrigação. Mas seria ela típica ou atípica? Caracterizar-se-ia, ou se confundiria, com alguma das conhecidas garantias pessoais previstas no direito brasileiro, a exemplo do aval e da fiança?

Garantia típica não é, pois não foi prevista no ordenamento jurídico nacional, apesar de as partes serem livres para contratar contratos atípicos (art. 425 CC). Teria ela, então, contornos próprios?

Repise-se o que fora dito com relação à carta de conforto hard: sendo contratada com os mesmos elementos caracterizadores da fiança, fiança será. Se a vontade das partes não foi a contratação de fiança e se aqueles elementos não estão presentes, estar-se-á diante de uma garantia pessoal atípica e, no caso, carta de conforto. É preciso atentar que o contrato de fiança não admite interpretação extensiva (art. 819 do CC).

A fiança, no Brasil, é contrato típico de contornos severos em razão dos efeitos que produz. Segundo Orlando Gomes e Washington de Barros Monteiro, a fiança é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga, para com outra, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra [16].

De pronto, depreende-se que a fiança garante que o pagamento, ou a satisfação da obrigação, será realizada pelo fiador, enquanto a carta de conforto limita-se a empenhar a palavra do confortante no sentido de envidar esforços para que garantido (devedor) realize o adimplemento.

O confortante não garante que ele mesmo irá satisfazer a obrigação [17]; promete, sim, garantir que o garantido satisfaça a obrigação. Neste sentido, não há que se falar em subrogação ou (renúncia ao) benefício de ordem, largamente encontrados nas contratações de fiança, nem solidariedade entre confortante e garantido, o que é possível (e quase sempre ocorre) na fiança.

Com o aval, a carta de conforto também não se confunde, posto que aquela garantia somente pode ser dada em título de crédito (ou folha de alongamento), não se admitindo sua formalização em documento em separado [18].

Justamente pelo aval ser "uma declaração cambiária sucessiva e eventual decorrente de uma manifestação unilateral de vontade, pela qual uma pessoa estranha à relação cartular, ou que nela já figura, assume obrigação cambiária autônoma e incondicional de garantir, total ou parcialmente, no vencimento, o pagamento do título nas condições nele estabelecidas" [19], e vigorar o princípio da taxatividade [20] dos títulos de crédito e seu regramento (art. 22, inciso I da CF c/c art. 887 do CC), aclara-se a distinção entre aval e carta de conforto, ao passo que se evidencia a natureza de garantia atípica das lettere, pois, se aval fosse, poderiam garantir qualquer obrigação cambiária ou cartular.

Melhor explicando: para efeitos de raciocínio, tirante os títulos de crédito, contratos não podem ser objetos de aval - por não serem títulos no sentido cambiário -, mas sim de carta de conforto, como garantia. Ao revés, cartas de conforto não podem garantir títulos de crédito, não só porque melhor o faz o aval – com regramento próprio e específico – mas, sobretudo, pela ausência de interesse do confortante assumir a obrigação autônoma de principal pagador, o que descaracterizaria completamente a utilização do instituto em tela.

Saliente-se, ainda, que a carta de conforto não tem vida própria e autônoma, mas é necessariamente acessória de uma obrigação principal, o que a afasta do aval e aproxima-a da fiança, com a qual também não se confunde, como visto. E, como assinalado, a carta de conforto não prestada no título nem em folha de alongamento, mas em missiva apartada.

A carta de conforto não é nem título de crédito, nem obrigação cambiária, tampouco garante, somente, relações comerciais (empresariais), ainda que este seja o campo mais prolífico de sua utilização. O aval, ainda, somente pode ser dado em título de crédito, e a carta de conforto assegura o cumprimento de obrigações contratuais.

Pelo exposto, nota-se a diferença entre as lettere, em quaisquer de suas espécies, e as conhecidas garantias pessoais, fiança e aval, ainda que guardem semelhanças ora com uma ora com outra garantia, mas não perfazem a completude dos caracteres necessários a confundir-se (ou ser!) uma daquelas garantias pessoais.

Logo, a carta de conforto assume, no direito brasileiro, a feição de uma garantia pessoal atípica, diferindo das clássicas garantias pessoais usualmente empregadas nos negócios jurídicos.

Sobre o autor
Arnaldo de Lima Borges Neto

Bacharel em Direito (UFPE). Administrador de Empresas (UPE). Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil (ESMAPE) . Pós-graduando em Direito Corporativo (LLM - IBMEC). Membro do Instituto dos Advogados de Pernambuco (IAPE) Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES NETO, Arnaldo Lima. Apontamentos sobre a carta de conforto (lettere di patronage). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3119, 15 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20856. Acesso em: 15 nov. 2024.

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