7.A venda de bebidas alcoólicas e a suspensão da eficácia do Estatuto do Torcedor
Um assunto que gera tantas discussões na sociedade brasileira é a permissão da venda de bebidas alcoólicas no interior e nas imediações dos estádios de futebol. A violência nos campos de futebol, segundo alguns especialistas, é acirrada pelo consumo de álcool. Após diversas batalhas no campo das ideias, o que gerou calorosas discussões entre torcedores e empresas de bebidas, o Parlamento brasileiro editou o Código do Torcedor, Lei 10.671, de 2003, com nova redação determinada pela Lei 12.299/2010, proibindo a venda de bebidas alcoólicas nesses locais.
Os artigos 13 e 13-A preceituam:
Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas.
Parágrafo único. Será assegurada acessibilidade ao torcedor portador de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:
I - estar na posse de ingresso válido;
II - não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;
III - consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança;
IV - não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo;
V - não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos;
VI - não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo;
VII - não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos;
VIII - não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza; e
IX - não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores.
Parágrafo único. O não cumprimento das condições estabelecidas neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso do torcedor ao recinto esportivo, ou, se for o caso, o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais eventualmente cabíveis. ( grifo nosso )
Acontece que, de forma surpreendente, de certo para atender a interesses econômicos da FIFA e de sues patrocinadores, a Lei Geral da COPA, em seu artigo 43, afasta a aplicabilidade do art. 13-A da Lei 10.671/2003 nas competições referentes à Copa das Confederações de 2013 e à Copa do Mundo de 2014, conforme se pode auscultar:
Art. 43. Aplicam-se às Competições, no que couber, as disposições da Lei no 10.671, de 2003, excetuado o disposto nos arts. 13-A a 17, 19, 24, 31-A, 32, 37 e nas disposições constantes dos Capítulos II, III, IX e X da referida Lei.
8.Da criação de tribunais no contexto de exceção.
Numa concepção tripartida de funções, a que muitos chamam de tripartição de poder, na linha evolutiva de pensamento de Montesquieu, em sua Obra Espírito das Leis, o Poder Judiciário exerce importante função de dizer o direito no caso concreto. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 92, define os órgãos integrantes do Poder Judiciário, a saber:
Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça;
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
Importante considerar que a mesma Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVII, define expressamente, como direito fundamental, imutável e clausula pétrea, a não instituição de juízo ou tribunal de exceção.
Acontece que no Projeto de Lei Geral da Copa, há possibilidade de criação de Juizados Especiais, varas, turmas ou câmaras especializadas para o processamento e julgamento das causas relacionadas aos eventos. Senão vejamos:
"Art. 37. Poderão ser criados Juizados Especiais, varas, turmas ou câmaras especializadas para o processamento e julgamento das causas relacionadas aos Eventos."
Caso esses dispositivos sejam aprovados, os infratores seriam julgados por um sistema diferenciado temporário e não pelo sistema convencional de justiça comum.
Isso aconteceu com a Copa do Mundo realizada na África do Sul, quando os sul-africanos, por exigência da FIFA, criaram tribunais especiais para processo e julgamento dos casos relacionados.
Embora o projeto de Lei da Copa do Mundo mencione que o Brasil "poderá" criar tribunais e varas específicas para julgar os casos ocorridos durante os eventos da Copa do Mundo de 2014, sabe-se que isso será uma imposição da FIFA, como fez com a África do Sul.
Todavia, é nosso entendimento que o Brasil não deve ceder à pressão de uma entidade que, durante 30 dias, quer usurpar da nossa soberania, modificando o nosso sistema legal, como se nossa nação fosse capacho de caprichos capitalistas.
Fica bem claro que, mesmo se criado pelo Congresso Nacional, com rigorosa observância do processo legislativo, um tribunal instituído de caráter temporário não coaduna com o Estado Democrático de Direito. Esse tribunal ofende todos os princípios do devido processo legal.
O Brasil precisa agilizar os processos pendentes que se arrastam por longos anos nos Tribunais, fruto de um sistema retrógado e atrasado, e não ficar pensando em criar tribunais especializados com o único propósito de atender a caprichos da FIFA. Isso mais pareceria um disfarçado Tribunal de Nuremberg que, após a Segunda Guerra Mundial, incumbiu-se de julgar os delitos praticados pelos nazistas, durante a guerra.
Nessa medida, em 2014, o país há de experimentar a sensação de julgar os guerrilheiros dos campos de concentração de torcedores. Indubitavelmente, estaríamos diante de uma justiça de exceção!
Para o festejado ministro Gilmar Mendes, os tribunais de exceção concorreriam com os juizados especiais já instalados, muitos deles voltados para as questões desportivas. Alguns passariam a funcionar dentro de estádios de futebol, para resolver, por exemplo, conflitos entre torcidas.
"Em parte, as demandas da Copa já poderiam ser resolvidas com os juizados especiais. Seriam usados os existentes e outros seriam criados para atender determinadas demandas."
Para o ex-ministro do STF Carlos Veloso, a criação dos tribunais é inconstitucional. E acrescenta:
"Se o país se submeter ao pedido da Fifa, vamos passar o atestado de republiqueta de banana. Eles não pediriam isso aos Estados Unidos, à França ou à Inglaterra. "
Uma alternativa para solucionar o volume das demandas durante os jogos, segundo o ex-ministro, seriam as decisões de arbitragem.
"É quando as duas partes elegem pessoas que vão formar uma comissão responsável por fazer o julgamento."
É despiciendo dizer como a desjudicialização de conflitos tem se mostrado eficiente para dirimir conflitos em todo o mundo. No Brasil, as mediações de conflito, assim como as câmaras arbitrais também tem apontado caminhos interessantes para a solução pacífica dos problemas. Deixar de utilizar essas eficazes estratégias de construção de cultura de paz para implementar tribunais de exceção é, indubitavelmente, um retrocesso na democracia e na edificação da cidadania e dignidade de nosso povo.
9. Do direito à meia-entrada aos jovens e idosos.
O ingresso para acesso aos jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo é outro assunto bastante discutido.
Algumas pessoas, em razão de condições especiais e por força de lei, possuem tratamento diferenciado em nosso país.
As crianças e adolescentes, de acordo com a Lei 8.069/90 e os idosos, de acordo com a Lei 10.741/2003, além de outras pessoas protegidas em face de pertencerem à população das minorias devem ingressar aos estádios pagando a denominada "meia-entrada", ou seja, apenas metade do preço do valor do ingresso.
Especificamente, em razão dos idosos, o Estatuto normativo, logo em seu artigo 1º, define a pessoa idosa para fins legais.
"Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos."
O estatuto do idoso estabelece que o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, qualificado como direito fundamental e direito à vida.
Assim, é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.
A norma do artigo 23 do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003 é imperativo cogente ao assegurar aos idosos seus direitos relativos às atividades culturais e de lazer com desconto de 50% nos ingressos.
‘Art. 23. A participação dos idosos em atividades culturais e de lazer será proporcionada mediante descontos de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais."
A Lei Geral da Copa, por sua vez, estabelece as condições para o acesso e permanência das pessoas nos locais dos eventos:
Art. 34. São condições para o acesso e permanência de qualquer pessoa nos Locais
Oficiais de Competição, entre outras:
I - estar na posse de Ingresso ou documento de credenciamento, devidamente emitido pela FIFA ou pessoa por ela indicada;
II - não portar objeto que possibilite a prática de atos de violência;
III - consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança;
IV - não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista, xenófobo ou que estimule outras formas de discriminação;
V - não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos;
VI - não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo;
VII - não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos, exceto equipe autorizada pela FIFA ou pessoa por ela indicada para fins artísticos;
VIII - não incitar e não praticar atos de violência, qualquer que seja a sua natureza; e
IX - não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores, Representantes de Imprensa, autoridades ou equipes técnicas.
Parágrafo único. O não cumprimento de condição estabelecida neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso da pessoa no Local Oficial de Competição ou o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais.
Como se pode depreender da legislação que regulamenta o mundial, há a desconsideração dos dispositivos previstos no Estatuto Idoso, causando uma revogação temporária de legislação, ainda que temporária, destituindo os idosos de direitos fundamentais, garantidos constitucionalmente.
No que concerne à denominada "carteirada", quais serão as determinações da FIFA?
Também em relação a tal questiúncula a FIFA mostra-se inarredável de seu propósito de lucro a qualquer custo.
A primeira condição para o acesso ao local de competição vem prevista no artigo 34, inciso I, do PL 2330/11, obrigando o participante a estar na posse de ingresso ou documento de credenciamento, devidamente emitido pela FIFA ou pessoa por ela indicada.
Depreende-se, desse modo, que nenhuma outra legislação vigente no país terá validade, perante o poder da FIFA. Nenhum policial terá acesso a entrar nos locais de evento, a não ser que haja autorização da onipotente FIFA. Idosos, crianças, adolescentes, estudantes também somente terão sua entrada permitida, se portarem o ingresso emitido pela FIFA.
Encerrando essa questão, a FIFA arremata sem piedade, poderosamente a sangue frio e com requintes de crueldade, no artigo 32 do Projeto de Lei 2330/11:
"O preço dos ingressos será determinado pela FIFA."