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Relação de trabalho entre o empresário e a pessoa portadora de deficiência: a ineficácia da reserva de mercado

Só a partir da plena efetividade das normas que asseguram os direitos das pessoas portadoras de deficiência é que o empresário encontrará subsídios para cumprir o que lhe é estipulado por lei e que não depende exclusivamente da sua vontade, mas também da atuação do Estado, de forma a auxiliar a pessoa portadora de deficiência a se qualificar.

Palavras - chave: "Reserva de Mercado"; "Pessoa Portadora de Deficiência"; "Ineficácia Social e Normativa"; "John Rawls"; "Tercio Sampaio Ferraz Junior".

Key Words: "Job Reservation"; "People with Disabilities"; "Social and Regulatory Inefficiency"; "John Rawls"; "Tercio Sampaio Ferraz Junior".

Resumo: O artigo a seguir questiona a política de reserva de mercado existente para a pessoa portadora de deficiência e, para tanto, utiliza o modelo de justiça elaborado por John Rawls, em seu livro "A Theory of Justice", como base teórica para explicar as normas presentes no ordenamento jurídico brasileiro. Tais normas são responsáveis por assegurar e instrumentalizar tanto a reserva de mercando quanto os direitos e garantias conferidos as pessoas portadoras de deficiência pela Constituição Federal brasileira. Será demonstrado, ainda, o problema da ineficácia da reserva de mercado decorrente da inefetividade normativa presente no ordenamento jurídico brasileiro e elucidada pelo Professor Tercio Sampaio Ferraz Junior, que de forma clara traz as noções de ineficácia social e normativa, ambas existentes quando falamos da reserva de mercado para a pessoa portadora de deficiência.

Abtract: The following article questions the policy of job reservation for the disabled and, to do so, uses the model of justice developed by John Rawls in his book "A Theory of Justice" as a theoretical basis for explaining the standards present in Brazilian legal system. Such rules are responsible for securing and equipping both the job reservation as the rights and guarantees granted to people with disabilities in the Brazilian Constitution. It will be demonstrated, furthermore, the problem of inefficiency of job reservation due to regulatory ineffectiveness present in the Brazilian legal system and elucidated by Professor Tercio Sampaio Ferraz Junior, who clearly brings the notions of social and regulatory inefficiency, both present when we speak of job reservation for the disabled person.

Sumário: 1. Introdução; 1.1 Justiça Procedimental; 1.2 Justiça como Equidade; 1.3 Os Princípios da Justiça: A Liberdade e o Princípio da Diferença; 1.4 A Justiça e seu Objeto: A estrutura de Base da Sociedade; 1.5 As Circunstâncias da Justiça; 2. Relação com o Ordenamento Jurídico brasileiro; 2.1 Normas Constitucionais acerca do Tema; 2.2 Normas Infraconstitucionais sobre o Tema; 3. O Problema da Efetividade das Normas ; 4.Conclusão; 5. Bibliografia.


1-Introdução

O presente artigo aborda a relação de trabalho existente entre o empresário e a pessoa portadora de deficiência e, para tanto, mostra os direitos e as garantias presentes no ordenamento jurídico brasileiro, os quais regulam esta relação e determinam o papel do Estado como mediador entre o empresário e a pessoa portadora de deficiência.

A ineficácia das normas que disciplinam tais direitos e garantias também será objeto de estudo. Os fundamentos que levam à ineficácia dessas normas e consequentemente da reserva de mercado serão retirados da obra do Professor Tercio Sampaio Ferraz Junior.

Nesse artigo será utilizado como base o pensamento de John Rawls para o desenvolvimento do tema. Assim, faz-se necessário antes de qualquer comentário falar da Teoria da Justiça elaborada por Rawls.

1.1- Justiça Procedimental

Para o autor, não existe um critério independente que determine o que é justo, mas existem procedimentos que auxiliam a obtenção de resultados equitativos. Com isso, ele cria o conceito de "justiça procedimental pura". Nesse caso, os procedimentos que asseguram tal justiça coincidem com o resultado considerado justo, ocorrendo a justiça procedimental perfeita.

1.2- Justiça como Equidade

Condições procedimentais imparciais são responsáveis pela escolha dos princípios de justiça por ele denominada "justiça como equidade", ou seja, resultado da escolha realizada por pessoas livres, racionais e interessadas em si mesmas (não invejosas), colocadas em uma posição de igualdade. Além disso, os princípios de justiça eleitos devem cumprir certas condições formais: ser gerais, universais (aplicáveis a todas as pessoas morais), completos (capazes de orientar quaisquer pretensões que se apresentem) e finais (passíveis de decidir conflitos em caráter definitivo).

Para tanto, é necessário que os sujeitos deliberantes estejam sob o "véu da ignorância". Então, as partes envolvidas no contrato social com o objetivo de determinar os princípios de justiça ignoram a situação que elas ocupam na sociedade. Portanto, os contratantes são levados, por prudência, a imaginar todas as situações possíveis, e a se colocar seriamente nestas mesmas situações. O véu da ignorância impede que se conheça a classe ou o status social, sorte ou desventura na distribuição das capacidades naturais (inteligência, força, sexo, raça, geração etc.) que o indivíduo será aquinhoado em sua vida.

A "justiça como equidade" estabelece que os princípios de justiça são alcançados a partir de um acordo entre pessoas em uma situação de equiparação. Com esse procedimento, Rawls não descarta a diversidade de acepções de bem e de justo, mas neutraliza os interesses privados e os pontos de vista "moralmente arbitrários", se apoiando em premissas estritas, mas partilhadas por todos.

1.3- Os Princípios da Justiça: A Liberdade e o Princípio da Diferença

Baseado em suas considerações teóricas, Rawls elegeu dois princípios de justiça fundamentais:

Liberdades básicas iguais, ou seja, cada pessoa deve ter um direito igual àquele que permite maior liberdade compatível com semelhante liberdade para os demais. Refere-se às liberdades civis e políticas das democracias modernas (típicas das "sociedades bem organizadas").

Princípio da diferença, em que Rawls supera a ideia da justiça distributiva. O que cada um obtém é justo se os benefícios ou posições em questão também forem acessíveis aos demais. O princípio da diferença não se satisfaz com a mera igualdade de oportunidade, mas determina que diferenças decorrentes da loteria natural (alguns em melhores posições sociais ou naturais) só se justificam se inseridas em um esquema que melhora as expectativas dos membros menos favorecidos da sociedade.

Ou seja, a ideia estrita de igualdade só pode ser mitigada para incrementar recursos nas mãos dos menos favorecidos, nunca para diminuir. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer a duas condições:

a)elas devem estar relacionadas a funções e posições abertas a todos, em condições de igualdade de chances;

b)elas devem proporcionar os maiores benefícios aos membros menos favorecidos da sociedade.

1.4- A Justiça e seu Objeto: A estrutura de Base da Sociedade

Em seu segundo livro, Liberalismo político, Rawls especificou que sua Teoria da Justiça concerne à justiça social e política, ou seja, aos princípios condutores da comunidade política e das instituições sociais. Com isso, o adjetivo "justo" na teoria rawlsiana é utilizado para qualificar ações no seio de grupos sociais, públicos ou privados. Em suma, o objeto de reflexão por trás do véu da ignorância é limitado aos preceitos referentes ao funcionamento das instituições fundamentais.

Ralws denomina "estrutura de base" as instituições essenciais e a maneira como elas repartem os direitos e deveres fundamentais e distribuem os benefícios sociais. As instituições são o objeto primeiro da justiça porque seus efeitos são muito profundos na vida dos homens, considerando que definem os direitos e deveres e influenciam os projetos de vida, as expectativas e as chances de sucesso pessoal.

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1.5- As Circunstâncias da Justiça

Após firmar o pacto original e escolher os princípios basilares, as partes contratantes se vinculam a ponto de elaborar uma Constituição. A Constituição institui o governo de legalidade que estabelece a ordem baseada na igualdade e na publicidade. Assim, a Constituição protege o estatuto comum da igualdade entre os cidadãos e realiza a justiça no plano político. Segundo Rawls, é o dever natural de justiça que propulsiona o cidadão à obediência da Constituição e das leis, sendo que esta é menos sinônimo de constrição, e mais de liberdade.

A estabilidade das instituições significa a própria aderência dos espíritos pactuantes ao contrato social.

A justiça é identificada como equidade, porque se reporta ao igualitarismo da posição original, momento hipotético, e não histórico, em que se pode optar por direitos e deveres.

Trata-se de uma construção teórica baseada em dois grandes princípios garantidores do bom governo: o princípio da liberdade e o princípio da equidade. A boa aplicação de ambos é condição para a produção do que Rawls identifica como estabilidade, termo vinculado às ideias de legitimidade e de observância da lei.


2- Relação com o Ordenamento Jurídico brasileiro

Apresentada a teoria de Rawls, ainda que superficialmente, podemos agora abordar o tema proposto inicialmente. Ao entendermos como funcionam os dois princípios enunciados por Rawls, notamos que tais princípios estão presentes ao longo de toda a Constituição brasileira de 1988. Contudo, vamos nos ater às normas constitucionais referentes aos direitos e garantias das pessoas portadoras de deficiência, bem como o aspecto social da Constituição de 1988 no que diz respeito a esse assunto.

2.1- Normas Constitucionais acerca do Tema

Primeiramente, vale ressaltar que a Constituição destaca não apenas as desigualdades sociais e econômicas, mas também as desigualdades ocasionadas em razão da idade e das condições físicas e psíquicas. Ao destacar essas desigualdades, a Constituição insere a proteção constitucional do idoso, da criança, do adolescente e da pessoa portadora de deficiência. Em relação à proteção constitucional da pessoa portadora de deficiência, constitui expressão do assistencialismo mencionado o direito de inclusão social, que compreende, dentre outros direitos, o direito a frequentar as redes pública e particular de ensino, o direito à saúde, o direito ao trabalho e, em particular, o de ver afastado todos e quaisquer obstáculos que possam impedir o exercício da liberdade por parte do deficiente.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 representa grande passo na conquista da cidadania da pessoa portadora de deficiência, porque amplia o rol dos direitos específicos já gravados no artigo único da emenda n.12 à Constituição de 1967. Ao contrário dessa emenda, que dispõe sobre os direitos específicos da pessoa portadora de deficiência em um único artigo, a Constituição de 1988 o faz de forma dispersa em vários dispositivos alocados em capítulos distintos.

A Constituição Federal estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como princípios fundamentais o exercício da cidadania (liberdade política) e a dignidade da pessoa humana (os Direitos Humanos), nos seguintes termos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

Os princípios denominados direitos e garantias fundamentais estão concentrados no art. 5º, dentre os quais se destacam o princípio da igualdade, que assume o cabeçalho da lista, o princípio do direito à vida, do direito à liberdade e o princípio que proíbe qualquer forma de discriminação:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

A garantia dos Direitos Humanos constitui hipótese excepcional que justifica inclusive a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

(...)

b) direitos da pessoa humana;

A Constituição, ao tratar dos direitos sociais, estabelece regra isonômica específica, no sentido de coibir discriminações no âmbito do Direito do Trabalho:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

2.2- Normas Infraconstitucionais sobre o Tema

No Direito do Trabalho, a Lei n. 7.853/89 concerne à reserva de mercado à pessoa portadora de deficiência nos seguintes termos:

Art.2º(...)

Parágrafo único. (...) os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar (...) tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar (...) as seguintes medidas:

(...)

III - na área da formação profissional e do trabalho:

(...)

d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setor privado (...).

Continuando nessa linha, a Lei n. 8.213/91 estabelece uma norma que introduz a reserva de mercado ou sistema de cotas, a qual impõe limites à extensão dos direitos dos empresários por um lado e, por outro, salvaguarda, pelo menos em parte, o direito de acesso ao mercado de trabalho das pessoas portadoras de deficiência:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados...........................................................2%;

II - de 201 a 500.....................................................................3%;

III - de 501 a 1.000..................................................................4%;

IV - de 1.001 em diante...........................................................5%.

No Capitulo da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, a Constituição determina a criação de programas especiais e de leis que disponham sobre tal direito.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

(...)

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.


3- O Problema da Efetividade das Normas

Todavia, existam no sistema jurídico brasileiro normas em diferentes níveis hierárquicos assegurando os direitos e garantias das pessoas portadoras de deficiência, tais normas estão longe de ser efetivas, uma vez que o problema não está na aceitação por parte do empresário em cumprir as determinações do artigo 93 da Lei 8.213/91. Mas sim na falta de políticas públicas eficazes para garantir os direitos presentes na Constituição e traçar as competências comuns e concorrentes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em especial a um direito essencial para que a pessoa portadora de deficiência possa ocupar as vagas a ela reservada - o direito à educação especial presente no artigo 208 da Constituição:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(...)

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

(...)

§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

Faz-se presente um problema da efetividade ou eficácia das normas. O tema sobre a eficácia das normas que contemplam direitos das pessoas portadoras de deficiência é importante, tendo em vista duas situações que não podem ser menosprezadas: o tema pode orientar a ação do Ministério Público e das associações, no sentido de perseguir a produção concreta dos efeitos previstos nas normas; o tema pode orientar a ação do Ministério Público e das associações, no sentido de não se contentar apenas com a produção de efeitos ideológicos. Na exposição desse tema, utilizamos a obra de Tercio Sampaio Ferraz Jr. (1995, p.197-202).

A presença de requisitos fáticos torna a norma efetiva ou socialmente eficaz. Uma norma diz-se socialmente eficaz quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos, ou seja, é necessário que haja adequação entre a prescrição e a realidade de fato. Assim, se uma norma prescreve a contratação pelo empregador de um percentual mínimo de empregados portadores de deficiência, mas não existem trabalhadores portadores de deficiência habilitados disponíveis no mercado, a norma será socialmente ineficaz.

Supondo que a ineficácia da norma decorre da inexistência de trabalhadores portadores de deficiência qualificados para as funções de que o empregador dispõe, as associações e o Ministério Público devem perseguir a efetividade social da norma exigindo da Administração Pública a organização de cursos de qualificação profissional para as pessoas portadoras de deficiência. Essa exigência fundamenta-se em outra norma, que prescreve como direito das pessoas portadoras de deficiência a habilitação ou reabilitação profissional. Assim, a eficácia social de uma norma, muitas vezes, depende da eficácia social de outra.

No plano normativo, uma norma é considerada eficaz quando estão presentes certos requisitos técnicos. A dogmática supõe, nesse caso, a necessidade de enlaces entre diversas normas, sem os quais a norma não pode produzir seus efeitos. É o caso das normas programáticas que estão sempre na dependência de normas regulamentadoras para produzir efeitos concretos. A Lei 7.853/89, que dispõe sobre o apoio e a integração das pessoas portadoras de deficiência, contém várias normas que dependem, para produzir efeitos concretos, de outras normas regulamentadoras.

Para termos uma compreensão abrangente do problema do empresário que deve cumprir a determinação legal a ele imposta, é necessário descrever o que o ordenamento jurídico considera como sendo uma pessoa portadora de deficiência habilitada: é aquela que concluiu curso superior ou curso de educação profissional de nível básico, técnico ou tecnológico, com diplomação ou certificação expedida por instituição pública ou privada, legalmente credenciada pelo Ministério da Educação ou órgão equivalente; com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); que não tendo se submetido a processo de habilitação ou reabilitação, esteja capacitada para o exercício da função (artigo 36, parágrafos 2 e 3, do Dec. N. 3.298/99).

Como consequência, fica claro que tanto os empresários que não conseguem cumprir a norma quanto às pessoas portadoras de deficiência que não se enquadram como pessoas portadoras de deficiência habilitadas sofrem com a falta de políticas públicas para operacionalizar os direitos e as garantias a elas conferidas.

Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Portaria MTE n. 1.199/03, que, em seu artigo 2º, aprova a imposição da multa administrativa variável prevista no art. 133 da Lei n. 8.213/91, pela infração ao disposto no art. 93 da mesma Lei, que determina às empresas o preenchimento de cargos com pessoas portadoras de deficiência ou beneficiários reabilitados:

Lei n. 8.213/91

Art. 133. A infração a qualquer dispositivo desta Lei, para a qual não haja penalidade expressamente cominada, sujeita o responsável, conforme a gravidade da infração, à multa variável de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) a Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros). Nota: Valor atualizado pela Portaria MPAS nº 4.479, de 04/06/98, para respectivamente, R$ 636,17 (seiscentos e trinta e seis reais e dezessete centavos) e R$(sessenta e três mil seiscentos e dezessete reais e trinta e cinco centavos).

Portaria n. 1.199/03

Art. 2º  A multa por infração ao disposto no art. 93 da Lei nº 8.213, de julho de 1991, será calculada na seguinte proporção:

I - para empresas com cem a duzentos empregados, multiplicar-se-á o número de trabalhadores portadores de deficiência ou beneficiários reabilitados que deixaram de ser contratados pelo valor mínimo legal, acrescido de zero a vinte por cento;

II - para empresas com duzentos e um a quinhentos empregados, multiplicar-se-á o número de trabalhadores portadores de deficiência ou beneficiários reabilitados que deixaram de ser contratados pelo valor mínimo legal, acrescido de vinte a trinta por cento;

III - para empresas com quinhentos e um a mil empregados, multiplicar-se-á o número de trabalhadores portadores de deficiência ou beneficiários reabilitados que deixaram de ser contratados pelo valor mínimo legal, acrescido de trinta a quarenta por cento;

IV - para empresas com mais de mil empregados, multiplicar-se-á o número de trabalhadores portadores de deficiência ou beneficiários reabilitados que deixaram de ser contratados pelo valor mínimo legal, acrescido de quarenta a cinqüenta por cento;

§ 1º O valor mínimo legal a que se referem os incisos I a IV deste artigo é o previsto no artigo 133, da Lei nº 8.213, de 1.991.

§ 2º O valor  resultante da aplicação dos parâmetros previstos neste artigo não poderá ultrapassar o máximo estabelecido no artigo 133, da Lei nº 8.213, de 1991.

Com a estipulação dessa multa, para evitar descumprir a lei, muitos empresários vêm adotando uma postura que não resolve o problema, mas mascara a realidade. Tal postura consiste na contratação de pessoas portadoras de deficiência não habilitas apenas para preencher as vagas requeridas por lei, evitando assim, as penalidades legais.

Como uma forma de facilitar o ingresso das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho e também o cumprimento por parte dos empresários no preenchimento das vagas requeridas por lei, existem organizações não governamentais (ONGs), como a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e a Avape (Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais) que tentam suprir a falta de políticas públicas por meio de cursos profissionalizantes próprios para as pessoas portadoras de deficiências, preparando-as para o mercado de trabalho.

O trabalho dessas instituições é de suma importância e, por isso, foi criada a Lei 9.790/99 com o objetivo de fortalecer e estimular o crescimento das ONGs, em virtude de sua capacidade de gerar projetos, assumir responsabilidades, empreender iniciativas e mobilizar pessoas e recursos.


4- Conclusão

Observa-se a clara relação do pensamento de John Rawls com a Constituição brasileira e principalmente como os dois princípios desenvolvidos se entrelaçam com a base ideológica dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, em especial o da pessoa portadora de deficiência, afinal, são esses princípios os reguladores de toda atividade institucional que vise distribuir direitos e deveres, benefícios e ônus. Sendo impossível erradicar as desigualdades ente as pessoas, o sistema institucional deve prever mecanismos suficientes para o equilíbrio das deficiências e desigualdades, de modo que estes se voltem em beneficio da própria sociedade. Tudo isso, portanto, conduz ao universo da justiça social na qual é necessário um conjunto de princípios que permitam optar pelas diversas formas de ordenação social que determinam esta divisão dos benefícios, bem como obter um acordo sobre a repartição adequada dos mesmos. É num sistema único de cooperação que se pode inserir a preocupação com a questão da justiça social.

Portanto, dadas as premissas que regerão a sociedade, os dois princípios tornam-se os motores da caminhada social. Esses princípios não se relacionam exclusivamente com o momento inicial do pacto social, os dois princípios grifam sua importância, à medida que se mantêm atuantes, no sentido de resguardar inclusive situações futuras de desigualdade entre os pactuantes. O primeiro princípio faz das liberdades uma realidade de proteção; o segundo princípio garante que o primeiro não se manterá puramente como princípio formal, mas que irá se regular de acordo com as necessidades, as mudanças sociais, as desigualdades surgidas. Desse modo, os dois princípios se incumbem de regular as desigualdades futuras.

Entretanto, mesmo com todo o aspecto teórico que envolve o ordenamento jurídico brasileiro, isso não significa necessariamente a plena eficácia das normas, uma vez que uma norma diz-se socialmente eficaz quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos, ou seja, é necessário que haja adequação entre a prescrição e a realidade de fato. No caso da relação de trabalho entre o empresário e a pessoa portadora de deficiência, não se observa essa adequação entre a prescrição e a realidade do fato.

Desse modo, há de se salientar que a ineficácia das normas que asseguram os direitos das pessoas portadoras de deficiência não é responsabilidade exclusiva do empresário, uma vez que as associações e o Ministério Público devem perseguir a efetividade social da norma exigindo da Administração Pública a organização de cursos de qualificação profissional para as pessoas portadoras de deficiência.

A falta de políticas públicas que garantam a eficácia das normas contribuiu para o surgimento das ONGs, instituições que auxiliam o poder público e o empresário a habilitar pessoas portadoras de deficiência para ocupar os cargos a elas oferecidos. Entretanto, a iniciativa privada não consegue cumprir com totalidade o papel do Estado, mas, ainda que limitadamente, acaba beneficiando o empresário e a pessoa portadora de deficiência, já que fornece a qualificação necessária ao portador de deficiência e, este sendo qualificado, retribui ao empresário com sua força de trabalho além de evitar as sanções que o empresário poderia sofrer por estar em desconformidade com a lei.

Como resultado, observamos que para a aplicação da multa prevista no art. 133 da Lei n. 8.213/91, pela infração ao art. 93 da mesma lei, que determina às empresas o preenchimento de cargos com pessoas portadoras de deficiência ou beneficiários reabilitados, existe primeiro a necessidade de se buscar a plena eficácia das normas constitucionais e infraconstitucionais acerca do tema. Só a partir da plena efetividade de tais normas é que o empresário encontrará subsídios para cumprir o que lhe é estipulado por lei e que não depende exclusivamente da sua vontade, e sim da atuação do Estado de forma a auxiliar a pessoa portadora de deficiência a se qualificar e consequentemente cumprir com o art. 93 da Lei n. 8.213/91. Isso garantirá ao empresário que age com boa-fé não incorrer na multa prevista no art. 133 da mesma lei e ainda propiciar a equidade mencionada por John Rawls.


5-Bibliografia:

ASSIS, Olney Queiroz e POZZOLI, Lafayette – Pessoa Portadora de Deficiência: Direitos e Garantias – Editora Damásio de Jesus, 2005;

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio – Estudos de Filosofia do Direito: Reflexões sobre o Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito – Editora Atlas, 2009;

RAWLS, John – A Theory of Justice – Editora Belknap Harvard ,1971;

Sobre os autores
Edson Saldiva Jordão Junior

Bacharelando em Direito em São Paulo (SP).

Márcia Aparecida de Freitas

Bacharel em Matemática. Advogada em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORDÃO JUNIOR, Edson Saldiva; FREITAS, Márcia Aparecida. Relação de trabalho entre o empresário e a pessoa portadora de deficiência: a ineficácia da reserva de mercado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3134, 30 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20985. Acesso em: 25 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado pelo Grupo de Estudos Avançados do Complexo Educacional Damásio de Jesus (GEA-CEDJ), sob a coordenação de Olney Queiroz Assis - Advogado, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP.

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