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Greve na Polícia Militar: legalidade versus legitimidade

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Agenda 17/02/2012 às 13:55

A solução que nos parece viável é emendar a Constituição para conceder o direito de sindicalização e de greve ao policial militar, cabendo à legislação ordinária regulamentá-lo como atividade essencial. Aqueles grevistas que participarem do movimento portando armas, invadindo estabelecimentos e disseminando o pânico com atos de violência devem ficar sujeitos às penas do Código Penal Militar e no Código Penal comum, sem a possibilidade de anistia.

Introdução

As greves dos policiais militares perturbam a paz social, haja vista que esta categoria de agentes públicos tem, justamente, a função de garantir a segurança da sociedade. A notícia, exaustivamente divulgada na mídia, da existência de policiais militares entoando gritos de guerra com armas em punho, a promover, à sorrelfa, atos de vandalismo e omitindo-se diante da matança promovida por grupos de extermínio dissemina o pânico e a indignação entre todos os cidadãos de bem.

Por outro lado, é inegável que o policial militar é, antes de tudo, um assalariado e, como tal, tem o direito de se expressar e de reivindicar melhores condições de trabalho. Todavia, em função das características excepcionalíssimas de seu mister, a Constituição veda a greve e a sindicalização de policiais militares. A proposta do presente artigo, por conseguinte, é tentar responder ao seguinte questionamento: Qual solução para o problema das greves dos policiais militares à luz do Direito? Como método de pesquisa, lançaremos mão, basicamente, da teorias defendidas por Hans Kelsen, Miguel Reale e Niklas Luhmann.


1 Conceito de legalidade.

É intuitivo que legal é tudo obedece ou não contraria a lei, observando a hierarquia da pirâmide normativa kelseniana, em cujo ápice encontra-se a Lei Maior. Por outras palavras, é legal todo ato que encontra amparo no ordenamento jurídico, este entendido como o sistema de normas que rege a sociedade. Aliás, disse Hans Kelsen:

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. [...] É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa — grifamos. [1]


2 Liberdade sindical

Segundo José Cláudio Monteiro de Brito Filho a liberdade sindical é o:

[...] direito dos trabalhadores (em sentido genérico) e empregadores de constituir as organizações sindicais que reputarem convenientes, na forma que desejarem, ditando suas regras de funcionamento e ações que devam ser empreendidas, podendo nelas ingressar ou não, permanecendo enquanto for sua vontade. [2]

Aliás, no que tange à liberdade de associação, diz a Lex Fundamentalis:

Art. 8º - É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical [...].

Por sua vez, o juslaboralista lusitano António Monteiro Fernandes, falando, igualmente, da liberdade sindical, lembra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu artigo 23, § 4º, dispõe: “Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses”. [3]


3 Direito de greve

José Cláudio Monteiro de Brito Filho conceitua a greve como:

[...] a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação pessoal de serviços, em busca da manutenção ou da melhoria das condições de trabalho, usando como base, na ocasião, o disposto no art. 2º da Lei nº 7.783/89, a chamada Lei de Greve. [4]  

   A propósito, diz o referido artigo: “Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”. Enquanto que prescreve a Constituição Federal de 1988: “Art. 9º - É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

No que toca à natureza jurídica da greve, Monteiro de Brito Filho defende que ela é a de um “... direito subjetivo, pertencente aos trabalhadores, individualmente, sendo exercitável de forma positiva (coletivamente) ou negativa”. Isso porque se ao trabalhador cabe o direito de decidir trabalhar, da mesma forma, compete-lhe o direito de não o fazer. Assim, o titular do direito de greve é o trabalhador, [5] ainda que para o seu exercício seja necessário o consórcio de pelo menos mais de um operário. No Brasil, o sujeito ativo do direito de greve é o sindicato. Aliás, repita-se, diz a Constituição Federal de 1988:

Art. 9º - É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

E ainda, quanto à administração pública, dispõe a Carta Política de 1988:

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica [...].

Nada obstante, assim pronunciou-se o STF no Mandado de Injunção 708, cujo Relator foi o Min. Gilmar Mendes:

Mandado de injunção. Garantia fundamental (cf, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis (cf, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do supremo tribunal federal (STF). Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da justiça federal e da justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da cf. Em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o congresso nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989.

3.1 Greve em atividades essenciais

A respeito da greve em atividades essenciais, Lex Legum de 1988 dispõe: “Art. 9º - [...] § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. Sendo que, nessa hipótese, Amauri Mascaro Nascimento disse que o movimento paredista é “um direito sob condição”. Por sua vez, prescreve a Lei de Greve:

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Art. 10 - São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; I

X - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI - compensação bancária.

E ainda:

Art. 11 - Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Finalmente, reza a Lei de Greve sobre o movimento paredista em atividades essenciais:

Art. 12 - No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.        

Art. 13 - Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.

    Por sua vez, José Cláudio Monteiro de Brito Filho afirma que muito embora a Lei de Greve consagre, aí, a autonomia privada coletiva, o Ministério Público do Trabalho deverá agir caso os serviços essenciais não sejam mantidos a contento. Ele lembra que a fixação em percentual mínimo de 30% de trabalhadores em atividade é criação do Direito Pretoriano, sendo que, no caso concreto, pode ser que ele não seja o bastante.

No que tange à responsabilidade pela deflagração da greve, a Lex Fundamentalis de 1988 dispõe:

Art. 9º - É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. [...]

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Por seu turno, a Lei de Greve prevê: “Art. 15 - A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal”. Por sua vez, reza a Súmula nº 316 do STF: “A simples adesão á greve não constitui falta grave”. Enquanto que o Código Civil dispõe: “Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Desse modo, não só a entidade sindical e seus dirigentes, mas também os trabalhadores serão responsabilizados pelos danos que sejam diretamente relacionados ao exercício regular do direito de greve.

Por outro lado, lembre-se que o propósito imediato do movimento paredista é justamente causar um prejuízo ao empregador, dentro dos limites do razoável, para pressioná-lo a atender as reivindicações da classe operária.

3.2 Proibição de greve aos policiais militares

O Diploma Maior, com a redação da Emenda Constitucional nº 18, de 1998, veda, expressamente, o direito de greve e a sindicalização aos policiais militares: “Art. 142 - [...] IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;...”. (Sublinhamos.). [6] De tal arte, consoante o ordenamento jurídico pátrio, a greve de policiais militares é inconstitucional, além disso é um crime militar. A propósito, o Título II do Código Penal Militar trata dos crimes contra a autoridade ou disciplina militar:

Motim

Art. 149 - Reunirem-se militares ou assemelhados:

I - agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la;

II - recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência;

III - assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior;

IV - ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar:

Pena - reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças.

Revolta

Parágrafo único. Se os agentes estavam armados:

Pena - reclusão, de oito a vinte anos, com aumento de um terço para os cabeças.

Por sinal, prescreve o Diploma Maior: “Art. 142 – [...] § 2º - Não caberá ‘habeas-corpus’ em relação a punições disciplinares militares”. É óbvio, porém, que aqui se trata de punição de natureza jurídica administrativa e não penal. [7] Reza, igualmente, a Lex Fundamentalis no que toca à atividade do policial militar:

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

[...].

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Sublinhamos.).


4 A ineficácia da convocação da Força Nacional de Segurança Pública

A convocação Força Nacional de Segurança Pública é, sim, indispensável quando ocorrem movimentos paredistas de policiais. Todavia, o seu efetivo é muito reduzido, por consequência, o patrulhamento das ruas se dá de forma precária, com foco nos pontos turísticos e prédios públicos, deixando o restante da população muito pouco protegida.

Na realidade, conforme o Decreto nº 5.289 de 29 de novembro de 2004, a Força Nacional de Segurança Pública deverá possuir contingente permanente mínimo de quinhentos homens, treinados para emprego imediato, número que, obviamente, só se presta a atender emergências pontuais. Por outras palavras, consoante a Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007, a Força Nacional não conta com um efetivo permanente capaz de atender situações de calamidade pública, sendo necessária a cooperação dos servidores civis e militares de outros Estados e do Distrito Federal, bem como da União, além das Forças Armadas.

As greves dos policiais militares com suas cenas chocantes de caos social não têm sido enfrentadas de forma efetiva nem muito menos coerente pelos governos estaduais e federal. A convocação da Força Nacional de Segurança Pública é um paliativo, haja vista, repita-se, que esta não possui o contingente necessário para substituir todo efetivo de policiais militares. Aliás, o policiamento ostensivo é feito, basicamente, por soldados do Exército — que são preparados para a guerra, mas não para a missão ordinária de policiamento nas cidades.

A propósito, o cientista político Alexandre Fuccille, pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (NEE-Unicamp) e professor da Faculdade de Campinas defende que: “Os soldados do Exército são treinados para aniquilar os inimigos e não para deter suspeitos e entregá-los à Justiça”. Na mesma linha diz o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho: “A população acaba correndo risco diante de soldados que usam fuzis e não foram treinados para lidar com situações de tensão como essas”. [8]

Aí surge um novo problema: e se todos os policiais militares de todos os Estados pararem ao mesmo tempo? Essa hipótese não pode ser, tout court, descartada como absurda, pois, interceptações telefônicas, comprovam a existência de articulações nesse sentido. [9]

Por sinal, de acordo com “The Military Balance 2005/2006” —International Institute for Strategic Studies, estima-se que o Exército brasileiro possua, aproximadamente, 190.000 soldados, a Marinha 58.000 e a Aeronáutica 72.000. [10] Por sua vez, o contingente de policiais militares de todo o Brasil é de cerca de 375.446 profissionais, segundo o documento Perfil das organizações policiais, produzido pelo Ministério da Justiça, que traz pesquisa, realizada em 2003. [11] Vale dizer, o efetivo das Forças Armadas é inferior ao das Polícias Militares.

Não se pode relegar ao oblívio que cabe, primordialmente, às Forças Armadas proteger o território nacional contra ameaças externas, não podendo ser desviadas, habitualmente, de seus relevantes misteres para cumprir o papel que compete à Polícia Militar. Por sinal, reza a Carta Maior:

Art. 142 - As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.


5 Conceito luhmanniano de legitimidade

O conceito jurídico medieval de legitimidade era utilizado para “a defesa da usurpação e tirania”, professa Niklas Luhmann, mas perde a sua fundamentação moral com a positivação do direito, no século XIX. “Hoje ele significa a convicção, realmente divulgada, da legitimidade do direito, da obrigatoriedade de determinadas normas ou decisões, ou do valor dos princípios que as justificam”. [12]

Nenhum governo consegue se manter de forma duradoura sem que haja um consenso a respeito de sua necessidade para a garantia da segurança e da prosperidade dos cidadãos. Por outro lado, os eventuais rebeldes devem ser reprimidos, sob pena de derrubarem o governo. De tal forma, coação e consenso são indispensáveis à manutenção do poder político. Todavia, a coação e o consenso não são o bastante para garantir a legitimidade do governo, haja vista que são “recursos escassos”.

Para tanto é mister que as decisões dos detentores do poder sejam respeitadas, ainda que não haja consenso sobre elas, nem força física suficiente para impô-las. Mesmo que não haja condições para fundamentar satisfatoriamente as decisões — seja por razões estratégicas, seja pela urgência da medida — é preciso que as autoridades tenham legitimidade para conseguir a aceitação do povo. Assim, de acordo com Niklas Luhmann, “pode definir-se a legitimidade como uma disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites de tolerância”. [13]

E continua Luhmann: “... É como que uma espécie de consenso básico, que se pode alcançar sem acordo quanto ao que é objetivamente justo no caso particular e que estabiliza o sistema”. Prossegue o mesmo o autor:

Devido à elevada complexidade e variabilidade do sistema social da comunidade, a legitimação do poder político já não pode ceder à uma moral apresentada de forma natural, antes tem de ser aprofundada no próprio sistema político.

Assim, Niklas Luhmann cita Bourricaud, segundo o qual é legítimo “‘um poder que aceita ou até institui o seu próprio processo de legitimação’”. [14] Mais adiante Luhmann fala sobre a positivação do Direito:

À positivação do direito, isto é, a tese de que todo o direito é posto por decisão, corresponde estabelecer o conceito de legitimidade sobre o reconhecimento das decisões como obrigatórias. Este é o conceito mais amplo. Compreende, também, o reconhecimento das premissas de decisão, contanto que se decida sobre elas (noutro tempo e através doutras passagens). Igualmente, leis, atos administrativos, sentenças etc. são, pois, legítimos como decisões quando e enquanto se reconhecer que são obrigatoriamente válidos e devem fundamentar o próprio comportamento. [15] (Sublinhamos.).

Niklas Luhmann fala, outrossim, do conceito de aceitação, a exigir que “... os indivíduos, por quaisquer motivos, assumam sempre as decisões como premissas do seu próprio comportamento e estruturem suas expectativas de acordo com isso”. [16] A seguir ele ensina que é o clima social de aceitação das decisões oficiais despersonalizadas que garantem a legitimidade:

Só quando se renuncia a vincular o conceito de legitimidade à autenticidade das decisões, na qual se acredita pessoalmente, se podem investigar convenientemente as condições sociais da institucionalização da legitimidade e capacidade de aprendizado nos sistemas sociais. [17]

Além disso, a consistência dos diplomas legais, a retórica utilizada pelos juízes e o seu talento na aplicação do Direito constituem momentos no processo de legitimação.

Por outro lado, Niklas Luhmann esclarece que a legitimação pelo procedimento não se dá por intermédio do Direito Processual, mas pela “... transformação estrutural das expectativas, através do processo efetivo de comunicação, que decorre em conformidade com os regulamentos jurídicos; trata-se, portanto do acontecimento real e não duma relação mental normativa”. [18] (Sublinhamos.).

Sabendo-se que a coação e o consenso são instrumentos escassos, a inclusão dos cidadãos no próprio processo decisório é um mecanismo capaz de atribuir legitimidade ao Direito. Vale dizer, ao juiz, promotor, advogados, partes, testemunhas, peritos, servidores etc são outorgados determinados papéis no processo judicial, que os destacam de sua vida cotidiana de cidadãos comuns. A propósito, ensina Niklas Luhmann:

Na ação conjunta dessas diferentes constelações de generalidade e especificação, regulamentação sistêmica e liberdade, complexidade e redução, neutralização de papéis e autoenredamento, surge a impressão generalizada de que os frustrados por decisões vinculativas não podem recorrer ao consenso institucionalizado, mas têm de assimilá-las. A retórica do processo, à qual o participante se submete através da própria participação, reforça essa impressão, tornando-a uma norma. [19] (Grifos nossos.).

Noutros termos, a participação direta dos cidadãos no processo judicial cria uma expectativa generalizada de que a decisão correlata será cumprida, ainda que contrarie os seus interesses pessoais. Por sinal, escreveu o próprio Luhmann:

Dessa forma, sugere-se a todos que esperem irrefutavelmente que terceiros esperem normativamente que todos os atingidos se orientem cognitivamente, isto é, dispostos a assimilar o que for normatizado por decisões vinculativas. Essa é a estrutura da legitimidade do direito: um misto cognitivo/normativo de expectativas sobre expectativas normativas de expectativas cognitivas sobre expectativas normativas. [20]

Ex positis, seguindo-se a Escola de Luhmann, a legitimidade do Direito se obtém por intermédio do procedimento, ou seja, é por meio da participação, principalmente, das partes, bem como do juiz, do Ministério Publico, dos auxiliares da Justiça (peritos, testemunhas etc) e do público que o Direito é reconhecido pela sociedade como instituição a ser obedecida. Da mesma forma, v.g., que a representação popular de um parlamentar ganha legitimidade por meio de um processo eleitoral com a votação dos cidadãos e a supervisão da Justiça Eleitoral.

Voltando-se a enfrentar o problema das greves dos policiais militares, verifica-se que foi promulgada a Lei Federal nº 12.191, de 13 de janeiro de 2010, que concedeu Anistia, no que toca os crimes definidos Código Penal Militar, aos policiais que participaram de greves em diversos Estados, desde 1997. [21] Logo no ano seguinte(!), em processo de banalização do sacrossanto instituto da Anistia, foi promulgada a Lei nº 12.505, de 11 de outubro de 2011, concedendo anistia aos policiais militares de vários Estados, punidos por participar de movimentos reivindicatórios entre a data da publicação da mencionada Lei nº 12.191/2010 e a data de publicação daquela Lei. [22]

Aliás, escreveu Karl Heinrich Marx, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte: “A História se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. A propósito, em 11/2/2012, foi anunciado o fim de 12 dias de greve dos policiais militares da Bahia. Ela só foi encerrada com a conquista da anistia administrativa aos grevistas e aumento da gratificação pela atividade policial. [23]

Além das concessões sucessivas de anistias, muitas das reivindicações salariais foram atendidas, após intenso processo de negociação coletiva, com representantes das categorias dos policiais militares e dos governantes. Vale dizer, o próprio Governo ao conceder anistia aos grevistas, promover a negociação coletiva e atender as reivindicações (ainda que parcialmente) do movimento paredista, na prática, terminou por lhe conferir legitimidade, posto que ao arrepio do art. 142, IV da Lex Fundamentalis, que veda expressamente, repita-se, a greve de policiais militares.  A propósito, Hans Kelsen já dizia que uma norma só pode ser considerada vigente se ela contar com um mínimo de observância pelo Poder Público e pelos cidadãos em geral. [24]

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRATA, Marcelo. Greve na Polícia Militar: legalidade versus legitimidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3152, 17 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21116. Acesso em: 22 dez. 2024.

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