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Indenização de Seguro DPVAT por morte de nascituro: direito ou expectativa de direito?

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Diante das peculiaridades do DPVAT, indubitável que esta modalidade especial de seguro é incompatível com a indenização por “morte” de nascituro.

RESUMO

O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado datado de 2 de fevereiro de 2011, determinou, por maioria, o pagamento de indenização pelo seguro obrigatório DPVAT no caso de morte de nascituro por acidente automobilístico. A fim de demonstrar o equívoco da decisão supramencionada, por meio das interpretações teleológica, histórica e literal da lei, em respeito às regras da nova hermenêutica constitucional, se demonstrará que o nascituro não é pessoa natural, impedindo a ocorrência de seu falecimento nos termos legais. Ademais, diante das peculiaridades do seguro obrigatório principalmente quanto a sua finalidade específica de atender as primeiras necessidades decorrentes de um acidente de trânsito, chega-se a conclusão de que tal modalidade especial de seguro não responde pela interrupção de gestação em qualquer que seja o seu estágio.

Palavras-chaves: seguro obrigatório, danos pessoais, nascituro.

ABSTRACT

The Superior Tribunal de Justiça has decided by majority, in february 2 (two) 2011, for the restitution of payment by the DPVAT insurance in case of fetal death in a car accident. In order to prove the misjudgment of this decision it will be shown, beyond the teleological, historical and literal interpretations of the law, respecting the rules of the new constitutional hermeneutics, that the fetus is not a natural person, which prevents its death in legal terms. Moreover, before the obligatory insurance’s peculiarities, mainly in terms of its specific purpose of attend the first needs due to a car accident, it is concluded that this special modality of insurance does not respond to the interruption of a pregnancy in whatever stage.

Keywords: obligatory insurance, personal damages, fetus.


1 INTRODUÇÃO

A terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado datado de 02 (dois) de fevereiro de 2011, nos autos do Recurso Especial n.º 1120676/76, sob a relatoria do Ministro Massami Uyeda, determinou, por maioria, o pagamento de indenização pelo Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) em razão de acidente automobilístico, o qual ocasionou o aborto do feto da autora que contava, à época, com 35 (trinta e cinco) semanas de gestação.

Diante de periodicidade na ocorrência de sinistro envolvendo veículos automotores, os tribunais brasileiros têm enfrentado diversas questões envolvendo os efeitos patrimoniais oriundos da interrupção da gravidez especialmente quanto à responsabilidade do seguro obrigatório DPVAT pelo fato. Ainda que amplamente debatido, por envolver temas de grande influência moral ou mesmo religiosa, como a determinação do marco inicial da vida humana, a doutrina e a jurisprudência não chegaram a uma resposta definitiva sobre a matéria.  

A fim de demonstrar o equívoco da decisão supramencionada, importante se faz analisar a posição do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente com fim de determinar se o feto possui direitos ou mera expectativa destes, já que, apenas quando considerado pessoa natural, é que se pode falar em sua morte, consoante prevê o art. 6º do Código Civil de 2002.

Ademais, as peculiaridades do seguro obrigatório DPVAT são questões de extrema relevância, já que este foi criado com a finalidade específica de atender as primeiras necessidades decorrentes de um acidente envolvendo veículo automotor, capaz de originar despesas repentinas e inadiáveis. Independentemente da indenização devida pelo real responsável pelo acidente, nos casos de danos pessoais como a morte da vítima, por exemplo, o seguro DPVAT, diante da especificidade de sua existência, pode ser acionado.

O sofrimento dos pais ante a interrupção da gravidez é assunto inquestionável. Ainda que algumas teorias não atribuam personalidade jurídica ao nascituro, não se pode ignorar a existência de um vínculo afetivo entre os genitores e o feto. Dessa forma, por meio do presente trabalho científico não se busca ignorar a ocorrência deste dano, mas sim identificar o verdadeiro responsável para repará-lo.


2 DA POSIÇÃO DO NASCITURO NO ODENAMENTO JURÍRDICO BRASILEIRO

O início da vida humana, ainda que os gametas isolados sejam indispensáveis para a procriação, se dá com a singamia, entendida pelos biólogos como sendo o momento da fusão entre o gameta masculino e feminino de forma a surgir um genoma diverso daqueles que o deram origem. Assim, o embrião, conseqüência da penetração do espermatozóide no ovócito, passa a ser compreendido como um ser humano em potencial. [1]

O termo nascituro, originado do latim, é utilizado para indicar a existência de um ser concebido que ainda se encontra no ventre materno. [2] Neste diapasão, o art. 2º do Código Civil de 2002 regulamenta que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Indubitável se evidencia que o tema aqui levantado encontra-se em uma situação suis generis, já que o ser em análise possui uma orgânica própria capaz de lhe fornecer a vida, porém não é portador, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, de “aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações” [3], ou seja, não possui personalidade civil.

O doutrinador Nelson Nery Júnior assim se manifesta sobre o tema:

Independentemente da viabilidade do ser nascido, a personalidade inicia-se com o nascimento com vida e termina com a morte da pessoa natural (CC 6º). O nascimento com vida caracteriza-se pelo fato de o nascituro respirar. A personalidade é atributo da dignidade do homem. É o que faz sua figura viva se distinguir da dos outros seres animados. É o que, no direito, atribui ao homem a condição de direito de direito e de deveres e obrigações. É o atributo que impede que o homem seja objeto de direito. [4]

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Diante do fato que a lei brasileira não reconhece personalidade civil ao nascituro, embora garanta genericamente alguns de seus direitos, surge a discussão doutrinária quanto ao posicionamento do feto no ordenamento jurídico, principalmente quanto a divergência encontrada na identificação do marco inicial da pessoa natural. São três as teorias que se destacam quanto determinação da natureza jurídica do nascituro: a teoria concepcionista, a teoria pré-concepcionista e a teoria natalista.

A primeira destas, que encontrou supedâneo no Direito francês, subdivide-se em duas.  A doutrina concepcionista pura ou incondicionada defende que o marco inicial da personalidade civil se dá com a fecundação do gameta masculino com o feminino, momento este em que surge um ser completamente individualizado, devendo ser visto desde já como um ser humano perfeito, ou seja, uma pessoa natural, possuindo os mesmos direitos daquele que já nasceu.

Por sua vez, a teoria concepcionista impura ou condicionada afirma que o nascituro é um ser detentor de personalidade civil, apenas se vier a nascer com vida. Assim, somente com o adimplemento da condição suspensiva, nascimento com vida, é que se atribui a personalidade jurídica ao nascituro desde a sua concepção.

A doutrinadora Maria Helena Diniz, defensora desta corrente assim se manifesta:

Conquanto comece do nascimento com vida a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC, arts. 2º, 1.609, 1.779 e parágrafo único e 1.798), como direito à vida (CF, art.5º); à filiação (CC, arts. 1.596 e 1.597); à integridade física; a alimentos (RT, 650:220; RJTJSP, 150:906); a uma adequada assistência pré-natal; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores, de receber herança (CC, art. 1.798 e 1.800, §3º), a ser contemplado por doação (CC, art. 542);  a ser reconhecido como filho etc. Poder-se-ia até mesmo afirmar que, na vida intra-uterina, tem o nascituro, e, na vida extra-uterina, tem o embrião personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos da personalidade, visto ter a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro (Recomendação n. 1.046/89, n.7, do Conselho da Europa), passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais e obrigacionais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800, §3º). Se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial e obrigacional terá.[5] (Destaque da autora)

A corrente concepcionista possui uma visão mais humanista sobre o direito, baseando-se tanto nos direitos fundamentais, como em legislações infra-constitucionais recentes, tais como a Lei 11.804/2008, que prevê o pagamento de pensão alimentícia antes do nascimento do nascituro. Ainda dentro do útero materno, o feto já é considerado, para esta doutrina, um ser humano e, por isso, em consonância com os direitos e garantias individuais trazidos pela Constituição Federal de 1988, deve ter garantido todos os direitos a partir de sua concepção, embora possa ser condicionada sua personalidade jurídica ao seu posterior nascimento com vida.

Por sua vez, para a teoria pré-concepcionista, surgida como uma modernização da doutrina anterior em meio às inovações biotecnológicas, a fecundação ulterina ou mesmo in vitro estariam protegidas pelo mesmo direito. A nidação, ou seja, a implantação do zigoto no útero materno, não seria condição necessária para a efetiva existência da personalidade jurídica. Assim, a simples fecundação, mesmo fora do corpo materno, seria considerada como o início da personalidade jurídica do embrião, atribuindo-se, assim, ao zigoto manipulado fora do corpo da mãe os mesmo direitos atribuídos ao nascituro.

Finalmente, a teoria natalista, adotada pelo Código Civil de 2002, em seu artigo segundo, dispõe que a personalidade jurídica inicia-se com o nascimento com vida. Assim, a respiração[6] do feto após o parto, como prevê o art.53, §2º da Lei de Registros Públicos n.º6.015/73, é o marco inicial da personalidade jurídica e não mera condição para a sua existência.

Assim, se a criança nascer morta esta não chegou adquirir a personalidade jurídica, devendo o Cartório, portanto, registrar o acontecimento em livro específico, conforme art.53, §1º, da LRP. Todavia, se o feto nasceu com vida, tendo respirado, ainda que falecido na ocasião do parto, serão feitos dois assentos, o de nascimento e o de óbito, com os elementos cabíveis e com remissões recíprocas, por força do §2º do mesmo diploma.

O doutrinador Pontes de Miranda, defendendo a teoria natalista, assim se manifesta:

No útero, a criança não é pessoa. Se não nasce viva, nunca adquiriu direitos, nunca foi sujeito de direito, nem pôde ter sido sujeito de direito (= nunca foi pessoa). Todavia, entre a concepção e o nascimento, o ser vivo pode achar-se em situação tal que se tenha de esperar o nascimento para se saber se algum direito, pretensão, ação ou exceção lhe deveria ter ido. Quando o nascimento se consuma, a personalidade começa. Não é preciso que se haja cortado o cordão umbilical; basta que a criança haja terminado de nascer (=sair da mãe) com vida. Se a ciência médica responde que nasceu vivo, porém seria impossível viver mais tempo, foi pessoa, no curto trato de tempo em que viveu. (...) O parto sem vida pré-exclui qualquer efeito por diante; o parto com vida completa o suporte fático para surgir a pessoa, no preciso sentido jurídico. O infans conceptus é suporte fático à parte; o suporte fático entra no mundo jurídico e, como fato jurídico, irradia eficácia. Com os elementos desse suporte fático, mais o nascimento com vida, compõe-se o suporte fático de que exsurge a pessoa. As noções de ficção, de substituição, ou de retroatividade, são, aquelas, supérfluas, e essa, errada.[7]

Dessa forma, há de se entender que quando o legislador atribui direitos ao nascituro, estes não são os mesmos garantidos ao recém-nascido, já que o feto não é considerado pessoa para poder atuar como titular destes. O que as normas brasileiras buscam proteger é a expectativa de surgimento de uma pessoa natural, garantindo-se a viabilidade dos direitos que essa possa vir a adquirir.

Neste diapasão, a morte, conforme regulamenta o art.6º do Código Civil de 2002, é o fim da pessoa natural. Assim, indubitável se evidencia que não se pode falar, tecnicamente, em morte de nascituro, já que este, diante da inocorrência do nascimento com vida, nunca veio a possuir personalidade jurídica. O Ministro Ayres Britto, em seu voto proferido nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º3.510/DF, que julgou pela constitucionalidade da Lei de Biossegurança, assim se manifestou:

Não se nega que o início da vida só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino. (...) Sem embargo, esse insubstituível início de vida é uma realidade distinta daquela constitutiva da pessoa física ou natural; não por efeito de uma unânime ou sequer majoritária convicção metafísica (esfera cognitiva em que o assunto parece condenado à aporia ou indecidibilidade), mas porque assim é que preceitua o Ordenamento Jurídico Brasileiro. (...) Em suma, e já agora não mais por modo conceitualmente provisório, porém definitivo, vida humana já rematadamente adornada com o atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral.[8]

No que tange especificamente ao pagamento do seguro DPVAT aos herdeiros do nascituro que não veio a nascer por causa de acidente de trânsito, os tribunais vêm divergindo sobre qual corrente doutrinária aplicar, ora negando o direito a indenização[9], ora determinando o pagamento[10]. Em oposição às determinações do ordenamento brasileiro, que indubitavelmente adotou a teoria natalista, o STJ, por sua vez, na decisão do Recurso Especial nº. 1120676/SC, entendeu por bem ampliar a interpretação do conceito morte e a finalidade do seguro obrigatório, a fim de abranger a feto já formado e plenamente apto à vida extrauterina, embora ainda não nascido.


3 DAS PECULIARIEDADES DO SEGURO DPVAT POR MORTE

Antes de se analisar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça quanto a legalidade da indenização pelo seguro obrigatório DPVAT nos casos de acidente automobilístico terrestre com morte de nascituro, importante se faz tecer algumas considerações sobre as peculiaridades deste tipo de seguro.

O Decreto-lei n.º73/66 determina em seu art. 20, inciso l, com redação dada pela Lei nº 8.374/91 que é obrigatório o seguro por danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres e por embarcações, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não. Assim, com o advento da lei n.º6.194/74, surgiu o seguro obrigatório DPVAT que, conforme leciona o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, “passou a ser tratado como um seguro especial de danos pessoais destinados às pessoas transportadas ou não que venham a ser lesadas por veículos em circulação.”[11]

A finalidade do seguro obrigatório possui cunho estritamente social, já que busca, diante da alta periodicidade na ocorrência de acidente envolvendo veículo automotor, garantir um ressarcimento mínimo às vítimas em face do dano sofrido, capaz de cobrir despesas imediatas. Diante disto, o doutrinador Arnaldo Rizzardo assim se manifesta sobre o tema:

destina-se  a atender  as  primeiras  necessidades  decorrentes  de  um acontecimento  infausto,  que  apanha  de  surpresa  as  pessoas,  e origina  despesas  repentinas  e  inadiáveis.  Em outros termos, visa simplesmente dar cobertura às despesas urgentes de atendimento das  vítimas  dos  acidentes  automobilísticos,  em  risco  permanente  de vida.  .[12]

Complementa Sérgio Cavalieri Filho afirmando que

esse seguro deixou de se caracterizar como seguro de responsabilidade civil do proprietário para se transformar num seguro social em que o segurado é indeterminado, só se tornando conhecido quando da ocorrência do sinistro, ou seja, quanto assumir a posição de vítima de um acidente automobilístico. O proprietário do veículo, portanto, ao contrário do que ocorre no seguro de responsabilidade civil, não é o segurado, mas o estipulante do seguro em favor do terceiro. Em razão de suas características, pode-se, ainda, afirmar que não há contrato nesse seguro, mas sim uma obrigação legal; um seguro imposto por lei, de responsabilidade social, para cobrir os riscos da circulação dos veículos em geral. Tanto é assim que a indenização é devida, nos limites legais, mesmo que o acidente tenha sido provocado por veículo desconhecido ou não identificado e ainda que tenha havido culpa exclusiva da vítima.[13]

Desta forma, indubitável se evidencia que o seguro obrigatório DPVAT, não acoberta danos materiais, como colisão, roubo ou furto de veículo, por exemplo, limitando-se a reparar as lesões que recaiam sobre a pessoa. Diante da especialidade desta modalidade de seguro, a seguradora somente é obrigada a ressarcir os danos por morte, invalidez permanente ou reembolso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas, conforme prevê o art. 3º da lei n.º 6.194/74.

Assim, se faz necessária primeiramente a existência de uma pessoa propriamente dita, ou seja, um ser humano dotado de personalidade jurídica, nos moldes determinados pelo art. 2º do Código Civil de 2002. Sem pessoa natural, não há o que se indenizar pelo seguro obrigatório, já que esta modalidade especial de seguro só cobre os danos acima arrolados.

Ademais, a indenização proveniente do seguro obrigatório não deve ser confundida com o ressarcimento devido à vitima pelos reais responsáveis  pelo acidente, admitindo inclusive o Superior Tribunal de Justiça, por força de súmula do STJ n.º246, que o valor do seguro obrigatório deva ser deduzido da indenização judicialmente fixada. Diante da finalidade social do seguro DVPAT, o STJ, a fim impedir o enriquecimento ilícito, entendeu pela legalidade de tal abatimento mesmo quando não restar comprovado que a vítima tenha se quer requerido ou mesmo recebido o referido seguro.[14]

O caráter peculiar do seguro obrigatório, inclusive permite que o pagamento da indenização seja efetuado mediante simples apresentação dos documentos e dos danos pessoais sofridos pela vítima, conforme assevera o art.5º da lei 6.194/74, devendo ser prestado inclusive no prazo máximo de 30 (trinta) dias da entrega destas informações, não se questionando a existência de culpa.

O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves entende que

Sendo o fato gerador da obrigação unicamente a circulação do veículo, abstraída qualquer discussão em torno da culpa, seja do condutor, seja da vítima, a circunstancia de ter sido o evento deliberadamente procurado pela vítima suicida, por exemplo, não retira o caráter de imprevisibilidade para o motorista e não exclui a cobertura securitária. (...) Naturalmente, a finalidade de tal seguro, de cunho social, é cobrir danos resultantes de condutas normais dentro da sociedade e não amparar criminosos, cujo comportamento atenta contra a própria sociedade.[15]

Na específica questão em comento, o fato gerador do requerimento da indenização é a morte, respeitada a atecnica, de quem não chegou a nascer, ou seja, de um nascituro. A jurisprudência tem enfrentado diversos casos semelhantes a este, sempre levantando-se, além dúvida quanto ao momento de início da personalidade civil, o questionamento da finalidade peculiar do seguro obrigatório DPVAT ante a interrupção de gravidez provocada por acidente automobilístico.

Conforme já explanado no tópico anterior, o art.2º do Código Civil, adotando expressamente a teoria natalista, regulamenta que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.  Assim, ante a inexistência de pessoa natural capaz de morrer, segundo o art. 6º do mesmo diploma, inexiste fato gerador que dê supedâneo ao requerimento do seguro obrigatório.

Desta forma, diante das peculiaridades do seguro DPVAT, que possui o fim único de minimizar os danos imediatos decorrentes de um acontecimento imprevisível e não de repará-lo in totum, indubitável se evidencia que o seguro obrigatório é incompatível quanto a indenização por “morte” de nascituro.

Sobre os autores
Daniel Maia

Advogado. Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará – UFC. Mestre em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFC.

Fernanda Sousa Vasconcelos

Acadêmica de Direito pela Universidade Federal do Ceará. Acadêmica de Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Ceará. Estagiária do escritório Cândido Albuquerque Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Daniel; VASCONCELOS, Fernanda Sousa. Indenização de Seguro DPVAT por morte de nascituro: direito ou expectativa de direito?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3189, 25 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21359. Acesso em: 22 dez. 2024.

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