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Prisões preventivas e seus efeitos na (in)segurança pública

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Agenda 28/03/2012 às 18:00

4. JUSTIÇA COMO PREMISSA DA ATUAÇÃO ESTATAL

A correlação entre a atuação dos órgãos policiais e a justiça em um Estado Democrático pode ser sintetizada nas palavras de Freitas, quem defende que “ao poder de polícia deverá se opor a polícia do poder”[78]. Tal asserção nos faz acreditar que o incremento de problemas de ordem pública, mormente gerado pela globalização econômica, passou a exigir, como sugere Grinover, mais que “a institucionalização de novas formas de participação na administração da Justiça e de gestão racional dos interesses públicos e privados”, mas a promoção da conscientização política dos cidadãos.[79]

Pretender arrazoar, apenas teoricamente (sem avaliar um caso concreto), sobre a justiça ou injustiça de uma restrição pública da liberdade em um Estado Democrático impõe extrema cautela, pois, estar-se-á atacando a liberdade, que é, no entender de Touraine, a primeira das condições necessárias e suficientes à sustentação democrática[80]. Entrementes, hoje vivemos em uma sociedade de massa, a qual não comporta lugar para o homem enquanto indivíduo isolado, necessitando-se, como expõe Belinetti, de uma concepção de relação jurídica que estatui regras que visem preservar “determinados bens ou valores que interessam a um grupo (determinado ou indeterminado) de pessoas, estatuindo o dever jurídico de respeito a esses bens ou valores, e conferindo a determinados entes da sociedade o poder de acionar a Jurisdição para fazer cumprir tais deveres”.[81]

O Estado brasileiro assumiu constitucionalmente o dever de administrar a justiça, o que leva a aduzir que, por não haver um conceito permanente e uníssono do que é justo, a justiça é idealizada, neste estudo, como algo que denote uma situação na qual se identifique o equilíbrio, a razoabilidade e a ponderação. Nesse viés, espera-se que o Estado atue sempre de maneira a promover o equilíbrio nas relações sociais e jurídicas, especialmente quando as mesmas se referirem a questões que englobem os direitos fundamentais e, mais incisivamente, quando estiverem em apreço fatos relativos ao direito à vida ou a sua qualidade, como se percebe na manutenção da saúde e da liberdade.

Na seara penal, a fim de justificar a necessidade da harmonia no convívio social é que se permite restringir direitos individuais, mesmo os fundamentais, contudo, tal entendimento faz surgir alguns questionamentos. Pandolfo indaga se é razoável prender uns poucos para dar liberdades a muitos e, no mesmo sentido, também perquire se o que o Direito faz é legitimar a paz ou a violência ou, ainda, se é razoável uma violência legítima para uma paz ilegítima[82], pois, segundo esse autor, “o fracasso do controle significa exigência de mais controle”[83].

Constata-se que, em essência, o Estado é um ente político, um corpo detentor de poder, o que leva a sustentar que no plano jurídico-penal o Estado, como define Zaffaroni, “é em si mesmo uma proposta ou programa político”[84]. A partir dessa compreensão é plausível afirmar que a concretização da justiça na esfera penal depende, inexoravelmente, de condições materiais apropriadas, as quais dependem, por sua vez, de adequados programas políticos (políticas públicas) desenvolvidos e dirigidos a determinados propósitos.

Cappelletti e Garth sustentam que o acesso à justiça pode ser considerado o mais fundamental dos direitos humanos, num sistema jurídico ideologicamente igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos[85]. Nesse propósito o princípio do acesso à justiça, no entender de Carvalho, “constitui uma garantia fundamental genérica, destinada a assegurar a proteção efetiva de todo e qualquer direito, principalmente naquelas situações em que a Lei maior não prevê um remédio processual específico”[86]. E, além do mais, a justiça prepondera em seu caráter público, pois, na lição de Galdino, “o exercício de todo e qualquer direito ou liberdade depende fundamentalmente e em grande medida das instituições públicas”.[87]

A ação estatal deve estar sempre em consonância com o interesse pela pacificação social, devendo fazê-la da forma mais eficiente possível. Nesse contexto Freitas nos fala do direito fundamental dos cidadãos à boa administração pública, de modo que, tanto frente aos excessos quanto às omissões, estar-se-á violando “o princípio da proporcionalidade, que determina ao Estado Democrático não agir com demasia, tampouco de maneira insuficiente, na consecução dos objetivos constitucionais”.[88]

Assim, visando uma maior aproximação das atuações do Estado aos direitos fundamentais dos seus cidadãos, Freitas argumenta que o agente público “está obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo dos direitos fundamentais”[89], sendo que, especificamente sobre a prática de atos de polícia, Freitas diz que “a conduta do Estado deveria ser a mais suave e branda possível, observadas, como medidas de intensidade, as exigências ditadas pelo interesse público”[90], pois “o poder existe para os direitos fundamentais, não o contrário”.[91]

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O processo, notadamente o judicial, se perfectibiliza, provavelmente, como o melhor instrumento de promoção de justiça em um Estado democrático de direito. Sobre o assunto Freitas afirma que para o cumprimento e a concretização do princípio do devido processo legal é cogente que os meios jurídicos postos à disposição se prestem “a realizar o fim almejado (adequação meio/fim), mas, ao mesmo tempo, devem ser adequados, necessários e razoáveis”[92]. Freitas também menciona o princípio da precaução na atividade da administração pública, segundo o qual os agentes públicos estão obrigados a evitar ou minimizar ao máximo os possíveis danos à sociedade.[93]

O entendimento doutrinário dominante é de que as restrições dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário dependem de expressa autorização. Assim, no tocante ao direito à liberdade (art. 5º, LXI), esse só poderia ter uma restrição considerada justa, nos moldes constitucionais atuais, através da prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente[94], enquadrando-se quaisquer outras possibilidades como atentatórias à estrutura normativa constitucional.

Schäfer observa que, quando imperativa a restrição do direito individual para preservar o equilíbrio social, a justiça em tal decisão estará presente se houver concorrente garantia do princípio da proporcionalidade, pois, o “Poder Público deve agir estritamente na busca do interesse público. A finalidade, e não a vontade, é que preside a ação da autoridade pública”[95]. Além disso, como argumenta Freitas, “o princípio da segurança jurídica, no âmbito das escolhas administrativas, existe com o desiderato de criar as condições para incrementar, acima de tudo, o desenvolvimento humano”.[96]

O ideal de justiça possui íntimo vínculo com os direitos fundamentais, o que permite exigir do Estado a materialização desses direitos, contudo, esses direitos, na compreensão de Bobbio, embora detentores da característica de imprescritibilidade, não são direitos absolutos, pois no ordenamento jurídico, como sistema que é, todas as posições jurídicas são limitadas, por se encontrarem em relação próxima entre si e com outros bens constitucionalmente protegidos[97].

Uma interpretação constitucional acerca da concretização de parâmetros de justiça na alçada dos direitos fundamentais, segundo leciona Canotilho, impõe que se objetive a maximização dos preceitos constitucionais, procurando sempre lhes atribuir o sentido que potencialize sua eficácia e, no tocante aos direitos fundamentais, no caso de dúvidas, deve preferir-se a interpretação que lhes reconheça maior eficácia[98]. E, na tentativa de reduzir ou eliminar possíveis injustiças em relação aos direitos fundamentais, Ferrajolli diz que é imprescindível o acesso ao Poder jurisdicional, para que, ao lado de uma participação política nas atividades do governo, desenvolva-se uma importante e generalizada participação judicial dos cidadãos na tutela e na satisfação de seus direitos como instrumento tanto de autodefesa quanto de controle em relação aos poderes públicos.[99]

Como visto, o Estado possui natureza eminentemente política, desde sua implantação até suas formas de atuação no seio social. Neste aspecto cabe trazer o liberalismo político de Rawls, o qual, segundo esse autor, resulta de um livre pluralismo político-participativo adotado em regimes democráticos constitucionais, assim como se configura o Brasil. Rawls entende que dois dos fatores para a existência do liberalismo político estão atrelados à justiça, pois um verdadeiro liberalismo político precisa de uma justificativa “política da liberdade e da justiça em questões fundamentais que afetam a estrutura básica da sociedade”[100] e, ainda, precisam que as discussões públicas sobre “questões constitucionais ou de justiça básica, haverá de se regular mediante tal concepção pública de justiça”.[101]

Na concepção de Rawls, a idéia de justiça pública se concretiza em alguns princípios, quais sejam: a) cada pessoa tem um direito igual a um esquema plenamente adequado de iguais liberdades básicas que sejam compatíveis com um esquema similar de liberdades para todos; b) as desigualdades econômicas e sociais tem de satisfazer duas condições: primeira, que estejam vinculadas a ofícios ou posições abertas a todos sob condiciones de autêntica igualdade de oportunidades e, segunda, que dêem como resultado o maior benefício para os membros menos favorecidos da sociedade[102]. Assim, se verifica que Rawls tratou a justiça como norma ou princípio objetivo ordenador da sociedade política, levando-o a afirmar que “a justiça é a virtude da cidadania e da ordem jurídica”.[103]

A evolução da humanidade mostra que a justiça não possui padrão pétreo, permanente, sendo uma noção que tem acompanhado a regulamentação de direitos na sociedade. Quanto à valorização social do que é justo Corrêa compreende que a justiça representa “um dever-ser cujo conteúdo se apresenta na forma de imperativo fundamental: “deve haver justiça na vida social”[104]. Nesse prisma cabe ressaltar a relação ética entre poder e direito, pois, conforme nos fala Pegoraro, “a vida política não é regulada pela virtude da justiça mas pelo direito. Cabe ao direito compatibilizar o exercício externo da liberdade dos cidadãos”[105]. Pegoraro nos recorda da lei universal do Direito: que “o exercício de teu livre-arbítrio possa coexistir com a liberdade dos outros”.[106]

Para alguns autores a idéia de justiça é definida como um algo detentor de um valor absoluto, mas que, por não poder ser provado através de experiência, não é aceita cientificamente, a exemplo de Barbosa, quem a conceitua como um “princípio que pretende ser válido sempre e em todas as partes, independentemente do espaço e do tempo”, ao “contrário do Direito, com o qual não deve ser confundida”, pois, conforme esse autor, a noção de “justiça não se apresenta como um valor relativo, daí sua invariabilidade no tempo e no espaço”[107]. Entretanto, há autores, como Aguiar, que negam que haja a ou uma justiça, mas que há duas concepções de justiça e, a partir de uma análise histórica, nos mostra que há uma justiça comprometida com a dominação e a opressão, bem como outra relativa aos indivíduos dominados e oprimidos[108]. Aguiar não vê a possibilidade de se permanecer neutro diante da avaliação do que é justo, sendo que a razão disso reside no fato de o ponto de partida dessa análise é que a justiça não é enquadrada como uma virtude moral do indivíduo, mas, sim como qualidade de uma ordem política, econômica e social, pois, para estabelecer uma concepção de justiça se faz necessário agregar à situação uma carga valorativa.[109]

De um modo geral, uma sociedade efetivamente justa parece ser aquela que, consoante acredita Corrêa, poderia garantir que “cada cidadão encontre as condições necessárias para a realização de sua própria felicidade num contexto coletivo de solidariedade”[110], contudo, esse autor percebe que a dificuldade maior para esse objetivo está nas “macroestruturas econômicas, industriais, tecnocientíficas, empresariais, que atropelam a própria ordem política e jurídica das nações”[111]. Esse mesmo autor vai mais além, verificando que a “questão da justiça estende-se igualmente à dimensão coletiva do espaço público”[112], porque é dentro dele que “se materializa a subjetividade da consciência e da liberdade”[113].

Portanto, admite-se como inquestionável a obrigação do Estado de garantir um mínimo de justiça nas relações sociais, principalmente quando houver em jogo direitos individuais. Nesses termos Freitas sustenta que, a fim de fortalecer o vínculo entre a atuação do Estado e a justiça nesse desiderato, torna-se inarredável a possibilidade de responsabilização do Estado por conta de sua inoperância na implementação de medidas administrativas, legais e normativas indispensáveis à plena realização dos direitos fundamentais, notadamente nas hipóteses em que existe um dever explícito ou implícito de proteção e de atuação por parte dos órgãos públicos[114]. A realidade mostra que, como observa Afonso da Silva, “não basta que um direito seja reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, porque virão ocasiões em que será discutido e violado”[115].

Ademais, a justiça é o valor simbólico fundamental da Ciência Jurídica e, conseqüentemente, da vida em sociedade, pois, nas palavras de Corrêa, a “relevância maior no trato da justiça é defini-la como princípio da ordem pública”[116]. Cabe, por fim, relembrar o que já se buscava em 1789, quando se instituía no art. 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão que “a finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”.[117]

Sobre o autor
Fabio Trevisan Moraes

Policial Rodoviário Federal. Doutorando em Direito Penal. Mestre em Direito. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Bacharel em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Fabio Trevisan. Prisões preventivas e seus efeitos na (in)segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3192, 28 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21375. Acesso em: 23 nov. 2024.

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