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A precaução e a prevenção ambiental no contexto das unidades de conservação e a relação com as "populações tradicionais" em meio a uma sociedade de risco

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Agenda 22/04/2012 às 12:38

A criação de áreas de preservação acaba não atingindo sua finalidade e gera consequências negativas para as populações tradicionais, que passam a ser impedidas de explorar os recursos naturais de forma sustentável e de reproduzir sua cultura.

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo discutir a precaução e a prevenção ambiental no contexto das unidades de conservação, abordando, mais especificamente, a relação das populações tradicionais, que vivem nos territórios institucionalizados como unidades de conservação e preservação natural, com os preceitos da prevenção e precaução ambiental recorrentes em uma política ambiental nacional, em uma sociedade de riscos, configurada pela modernidade reflexiva.

Palavras chave: sociedade de riscos, prevenção, precaução, unidades de preservação, populações tradicionais.

Sumário: Introdução; I. A Sociedade De Risco; II. A Precaução e Prevenção Ambiental no Contexto das Unidades de Conservação; III. Populações Tradicionais, sua Relação com as Unidades de Conservação e a Necessidade da Auto Subsistência; Considerações Finais.


INTRODUÇÃO

A noção de uma sociedade de riscos, introduzida por Ulrich Beck e Anthony Giddens, esteve, desde seu início, muito atrelada a critica ambiental e a produção de riscos ambientais pelo modelo produtivo vigente na sociedade moderna após a revolução industrial.

A desordenada produção industrial e os inúmeros avanços tecnológicos possibilitaram um desenvolvimento estratosférico nos modos de produção, nas tecnologias e nas relações de consumo, todavia a sociedade que se formou com o advento desta lógica produtiva e desenvolvimentista começou a refletir dentro de si própria a preocupação pelos efeitos causados por tal caminho progressista, acarretando no reconhecimento de que tal modo de desenvolvimento geraria, de uma forma ou de outra, danos nas mais variadas esferas da sociedade e da natureza que poderiam ter alcance nunca antes imaginado.

A sociedade de riscos restou assim denominada em razão da natureza de sua produtividade que, internamente e pela atuação humana, gera riscos a manutenção da vida no planeta, influenciando e materializando consequências a todo o globo.

Neste sentido introdutório, inevitavelmente que os danos causados pelo desenvolvimento industrial e tecnológico acarretariam em consequências e danos ambientais atestáveis e visíveis conforme o tempo. Sobretudo, tais efeitos e danos, foram capazes de mobilizar a sociedade internamente a abordar temas relacionados ao preservacionismo e à sustentabilidade do desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico, principalmente no sentido de reconhecer que as práticas antigas eram capazes de degradar de sobremaneira os patrimônios naturais, ecossistemas e o meio ambiente, em sentido amplo, além de possibilitar a criação de riscos determináveis e indetermináveis, colocando a questão em uma agenda principal nas discussões teóricas e acadêmicas das mais diversas áreas.

É nesse contexto conturbado e preocupante que o Direito surge como forma de possibilitar aos Estados a coibição de comportamentos desconformes aos novos paradigmas e a noção de que a sociedade se mantinha sob risco iminente de catástrofes e danos de alcance global. Diante disso, os princípios da precaução e da prevenção ambiental surgem como preceitos basilares de uma sociedade preocupada em prevenir danos e consequências negativas ao meio ambiente, em razão, por óbvio, dos riscos que a atividade humana na sociedade pós-industrial gerava para tais ambientes naturais.

A partir dos princípios e bases lançadas pelo Direito Ambiental no contexto de uma sociedade de riscos, surgem, então, visões de mundo que consideram a criação de reservas naturais como uma das únicas maneiras de manter o mundo natural livre das influências maléficas da interferência humana degradadora e causadora de riscos para os ecossistemas. Neste diapasão, são institucionalizadas no Brasil inúmeras unidades de conservação, criadas com o intuito de afastar a presença humana e preservar tais territórios de qualquer interferência produzida pelo homem.

Contudo, as unidades de preservação criadas não levaram em conta a presença, em tais territórios, de grupos humanos que ali desenvolviam suas atividades ligadas à natureza e que possibilitavam, ao mínimo, seu sustento próprio.

As comunidades tradicionais, instaladas em territórios com ampla necessidade de proteção ambiental, foram, por muito tempo, ignoradas e criminalizadas como culturas degradadoras do meio ambiente e dos ecossistemas, trazendo a tona uma questão de profundo interesse jurídico e sociológico, que demonstra a necessidade de um estudo específico que evidencie a relação dos princípios da precaução e prevenção ambiental, emergidos no contexto da sociedade de risco, com as populações tradicionais que, muitas vezes, tem seus direitos ignorados em função das políticas de proteção ambiental.


I.A SOCIEDADE DE RISCO

O conhecimento humano sempre foi caracterizado por uma dose de incerteza e pela ignorância, o que não difere da característica do conhecimento produzido atualmente, que continua permeado por incertezas e riscos.

Ademais, nas últimas décadas os sistemas de produção industriais e tecnológicos levaram o nosso planeta a um patamar de uma situação grave e de limite máximo. Consequentemente, surgiram novos danos ambientais e de saúde, acarretando em um aumento da sensação de incerteza e ignorância a respeito dos riscos que estávamos enfrentando, como, por exemplo, questões envolvendo a contaminação do ar, do solo e da água, a diminuição da camada de ozônio ou até mesmo o aumento das radiações e a perda da diversidade biológica em diversos ecossistemas.

Por outro lado, o desenvolvimento industrial e tecnológico, gerador de tais efeitos sobre a saúde humana e sobre o meio ambiente, não foi freado com tais consequências negativas, muito pelo contrário, criaram-se novos riscos oriundos da atividade humana, apontando para uma fragilidade dos mecanismos de seguridade relacionados ao avanço desenvolvimentista, exemplificando-se em casos como o desastre de Chernobyl e demais acidentes químicos industriais.

Estes exemplos são determinantes para a percepção de que houve uma mudança de paradigmas na sociedade, uma vez que deixamos de ser uma sociedade industrial para nos tornarmos uma sociedade de risco. O aumento do risco surgiu frente à existência de uma confrontação com efeitos, anteriormente inimagináveis, ampliados pela intensificação do estado e da divulgação de informações de cunho cientifico que evidenciavam manifestas incertezas, causando dúvidas, inclusive a respeito dos riscos reais existentes das novas atividades humanas desenvolvidas e suas consequências e efeitos sobre a nossa saúde e nosso planeta.

A sociedade de riscos configura-se, assim, como uma sociedade que convive diariamente com a possibilidade real e evidente de uma autodestruição de todas as formas de vida no planeta. Surge, em tal modelo, uma ameaça de destruição e de catástrofe, a ser lidada cotidianamente, oriunda tanto da ação humana, pela atividade e desenvolvimento industrial, tecnológico e pela destruição ambiental, quanto por perigos que fogem a esfera da responsabilidade humana, como acidentes motivados por força maior.[1]

Neste sentido, cumpre ressaltar que existe em nossa sociedade de risco uma diferenciação entre riscos e perigos, sendo que os riscos se configuram como artificiais e produzidos pela ação humana, já os perigos são oriundos de circunstências fáticas, naturais ou não que, de uma forma ou de outra, sempre ameaçaram as sociedades humanas.[2]

O risco presente neste atual modelo social representa um risco que ameaçam um número indeterminado e potencialmente incomensurável de indivíduos, chegando, até mesmo, a ameaçar a existência humana, incluindo-se aqui os riscos ecológicos e ambientais, os quais podem gerar a possibilidade de uma autodestruição coletiva da sociedade.

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A sociedade de risco proporciona também outras utilizações, tendo em vista que o tema do risco e da seguridade que o envolve são abordados em agendas políticas, além do que sua própria natureza proporciona uma superação das bases e categorias que até então eram utilizadas nas espécies de discurso político ou social.

O Estado e sua concernente função administrativa sofrem alterações significativas frente esta nova configuração social, cabendo aos governantes assumirem uma responsabilidade política na elaboração de planos de contenção de riscos, nas respectivas áreas afetadas por tal insegurança, como também no sentido de organizar métodos técnicos de análise de contingente de risco e atuar na defesa do interesse público ante aos interesses individuais quando se tratar de uma necessidade relacionada aos preceitos acima descritos.

Não resta dúvida que os riscos são compartilhados por toda a sociedade, dessa maneira a democracia participativa segue como uma boa alternativa para possibilitar que a sociedade defina os rumos no sentido de assumir ou excluir determinados riscos, deliberando conjuntamente com os governos a responsabilidade de impor novos riscos para a coletividade.

Da mesma maneira, a função administrativa do Estado assume posto importante na delimitação de novos riscos assumidos pela sociedade, e o papel dos órgãos ambientais segue o mesmo parâmetro, uma vez que cabe a tais órgãos decidir administrativamente acerca dos riscos ambientais que novos projetos de desenvolvimento tecnológico e industrial podem causar ao meio ambiente.

A tutela ambiental e a função administrativa possuem, na sociedade de risco, papel regulador e definidor da necessidade e das consequências que determinados empreendimentos podem gerar para o conjunto social, sendo de profunda relevância os princípios que norteiam o direito ambiental e o papel de tais órgãos no exercício de sua função, como, principalmente, os princípios da precaução e prevenção, que emergem neste contexto de riscos e congregam posturas administrativas e políticas na definição de projetos e políticas nacionais que possibilitem a redução dos riscos ambientais suportados e definam metas futuras que diminuam os riscos potenciais causados a sociedade em virtude de falhas passadas e que continuam a ocorrer.

 A precaução e a prevenção estão estritamente ligadas aos novos paradigmas de uma sociedade de risco e norteiam toda a função administrativa de proteção ambiental e as políticas nacionais de defesa do meio ambiente. Porém, faz-se necessário desvendar como se configuram esses princípios e qual o contexto de sua aplicabilidade no que concerne a criação das unidades de conservação ambiental no Brasil, possibilitando uma análise dos efeitos da utilização de princípios atrelados às noções de uma sociedade de risco na prática da prevenção e precaução dos riscos inerentes a destruição ambiental.


II.A PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Os princípios da precaução e da prevenção estão originalmente ligados aos conceitos utilizados pelo Direito Ambiental e guardam relação com o surgimento das discussões ambientais e com as teorias que indicavam a formação de um novo paradigma social, a transição da sociedade industrial para uma sociedade de risco.

A discussão sobre o Ambientalismo surgiu no final da década de sessenta e considerava, justamente, o panorama moderno de desenvolvimento e produção industrial. Tudo isto surgindo em um ambiente que ponderava, evidentemente, os riscos existentes em uma sociedade com um modo de produção industrial e tecnológico com viés desenvolvimentista.

Percebe-se, assim, que a questão ambiental sofreu influências determinantes da discussão sobre os novos padrões existentes nas sociedades de risco, e serviu-se de tais paradigmas no desenvolvimento de um ideal de desenvolvimento sustentável, incluindo entre seus preceitos os princípios da precaução e da prevenção como basilares para toda defesa ambiental proporcionadora de um desenvolvimento econômico e industrial com sustentabilidade e segurança.

Objetivamente, o princípio da precaução é uma conduta racional que deve ser adotada frente a um saber cientifico, postura ou ação humana que não tenha seus efeitos delimitados com segurança, ou seja, aonde exista o desenvolvimento de uma atividade com consequências e efeitos incertos, atingindo o plano da incerteza e o risco proporcionado pela respectiva atividade.[3]

Por outro lado, o princípio da prevenção é um preceito basilar do direito ambiental, característico de uma sociedade de risco, que procura objetivamente mensurar as consequências maléficas produzidas por determinadas atividades.[4]

O risco está presente em ambos os princípios, contudo a sua configuração é diferenciada em cada um. O princípio da precaução se refere a um risco indeterminável, a uma espécie de perigo abstrato que não pode ser mensurável pelo conhecimento disponível, na precaução a intenção é gerir os riscos que não são probabilísticos. De outra maneira, no princípio da prevenção há a referência a um risco concreto, um perigo determinável pelo conhecimento científico, nesse sentido o que se busca é a tomada de medidas necessárias para diminuir os riscos relacionados a um evento que, de forma previsível, tem grandes probabilidades de acontecer.[5]

Diante disso, é possível conceber que o princípio da precaução atua com o fito de inibir um risco de perigo potencial, ou seja, um risco gerado por determinada atividade ou comportamento, com efeitos indetermináveis, que causem consequências perigosas. Com outro escopo, o princípio da prevenção atua com a finalidade de inibir o risco de um dano potencial, evitando-se, assim, que uma atividade humana, que se possa mensurar como perigosa, venha a gerar efeitos indesejáveis.[6]

Assim, na precaução a periculosidade é potencial, já na prevenção o perigo é certo, real e objetivamente delimitado, sendo que no primeiro há um risco de perigo indeterminável, já no segundo existe um risco de produção dos efeitos sabidamente perigosos.

Desta breve distinção elaborada entre os dois princípios basilares dos preceitos ambientalistas em uma sociedade de risco é possível discernir que o princípio da precaução por ser mais abrangente e abstrato é um assunto que cabe a toda a sociedade gerir e orientar as decisões político-administrativas em razão da indeterminada liquidez das consequências. Diferentemente a prevenção, justamente por ser o contrário da precaução, no sentido de ser em relação a efeitos determináveis e perigos conhecidos, é um assunto que cabe a análise de especialistas das respectivas áreas interessadas em cada caso em que haja um risco da produção de um efeito determinável e maléfico.[7]

De qualquer forma, a precaução e a prevenção como princípios estão inseridos na destinação de políticas de proteção ambiental e configuram-se como preceitos orientadores da atividade administrativa relacionada a gestão de riscos ambientais. Ora, havendo um risco relacionado a qualquer atividade desenvolvida na sociedade, seja ele determinável ou indeterminável, potencial ou abstrato, a administração pública deve agir na gestão de tais riscos, principalmente no sentido de coibir determinadas atividades e de conseguir definir meios possíveis de produção de uma atividade com os princípios ambientais que orientam um desenvolvimento sustentável, seja pela necessidade de licenciamentos prévios ou proibição da produção de determinadas atividades em certos ambientes e lugares que necessitam ser protegidos.[8]

Torna-se possível delimitar que a precaução e a prevenção, dentro de seus respectivos limites de abrangência, possibilitam o Estado a atuar na análise das atividades desenvolvidas na sociedade, a fim de, identificado a existência de risco, tomar as medidas necessárias para impedir a ocorrência de eventos danosos, no caso do presente artigo, causados ao meio ambiente.

Neste sentido, os princípios da precaução e da prevenção também nortearam a criação das chamadas unidades de conservação, oriundas do antigo sistema de parques nacionais naturais, que são áreas protegidas pela legislação nacional, seja por sua função e utilidade ou pela necessidade de sua preservação para o equilíbrio ambiental, criadas para proporcionar a preservação dos recursos naturais de ecossistemas exemplares, sendo consideradas como bens comuns.

A criação das unidades de conservação passa por vários meandros, que pela sua especificidade não serão abordados no presente artigo, que configuraram uma história conturbada e de imensa dificuldade de gestão e de manutenção de tais áreas.

Criadas através da concepção de que ao preservar áreas naturais sem qualquer interferência humana se estaria colaborando para a preservação ambiental e para a manutenção de determinado ambiente, as unidades de conservação, da forma como concebidas, colocaram em xeque uma série de comunidades que viviam há séculos nas regiões tidas como áreas de conservação e de preservação, que sequer tiveram seus direitos e cultura respeitadas, originando inúmeras discussões e análises importantes.

As comunidades tradicionais, como são chamadas, sofreram as mais variadas consequências e desmembramentos em função da distorção dos princípios da precaução e prevenção na aplicação e institucionalização das áreas de unidades de conservação natural no Brasil, o que possibilita uma análise evidente de um conflito entre um Estado, que se pauta pelas urgências e medidas de exceção proporcionadas pela existência de uma sociedade de risco e pautada nos princípios da precaução e preservação ambiental, e certas comunidades seculares que desenvolviam suas atividades extraindo da natureza e de determinados ecossistemas os elementos necessários para sua subsistência e reprodução cultural.


III.POPULAÇÕES TRADICIONAIS, SUA RELAÇÃO COM AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E A NECESSIDADE DA AUTO SUBSISTÊNCIA

Entende-se por populações tradicionais ou por comunidades tradicionais aqueles grupos humanos culturalmente distintos que, de forma histórica, reproduzem seu modo de vida, seus valores e tradições, de maneira mais ou menos isolada, utilizando modos de cooperação social e costumes específicos de relação com o meio natural, destacando-se pelo manejo sustentado do meio ambiente.[9]

Englobam-se por tal noção tanto os povos indígenas quanto populações que desenvolveram algum modo particular de existência, adaptados a certos nichos ecológicos específicos, como caiçaras, quilombolas, comunidades ribeirinhas e grupos extrativistas. Distanciam-se sobremaneira de tal conceituação, como exemplo, os fazendeiros, donos de empresas de beneficiamento de palmito ou outros recursos e madeireiros, etc.[10]

A inclusão das populações tradicionais no presente artigo encontra respaldo a partir do momento em que grande parte das unidades de conservação existentes no país foram criadas sobre áreas em que muitas das populações e comunidades tradicionais estavam instaladas e vivendo normalmente há muitos anos. Esta intromissão e interferência estatal e legislativa se configurou em conformidade com o conceito desenvolvido sobre as unidades de conservação, baseados em princípios ambientalistas característicos de uma sociedade de risco, como a prevenção e a precaução.

Isto por que, o modelo de unidades de conservação implementado no Brasil seguiu a concepção originária de áreas protegidas,[11] desenvolvida no século XIX nos Estados Unidos da América, elaboradas com o objetivo de proteger a vida selvagem que sofria ameaças pelo avanço da civilização, afastando a natureza da influência da atividade humana.[12]

A percepção iniciada pela instauração das primeiras áreas protegidas nos Estados Unidos, de cunho preservacionista, fundamenta-se na ideia de que a alteração e domesticação da biosfera pelo ser humano é inevitável e maléfica, sendo uma necessidade proteger o meio natural da intervenção humana, com o fito de conservar nichos de um mundo natural em seu estado originário, no sentido de precaver futuros danos e prevenir consequências negativas da destruição ambiental realizada pela atividade humana.[13] Ademais, tal concepção, ainda destinava tais áreas como territórios destinados aos humanos para reverenciar a natureza, recobrar suas energias materiais e espirituais, servir de base para pesquisas científicas e de local de refúgio e de lazer para os seres humanos.

As unidades de conservação guardam muito desta concepção originária e estão sujeitas a um regime de proteção de origem externa, uma vez que seus territórios são delimitados pelo Estado, devendo tal área ser protegida pela força estatal e administrada em sentido amplo pela administração pública.[14]

Contudo, a instalação e institucionalização das unidades de conservação não leva em conta a existência das populações tradicionais, inclusive afastando tais comunidades de todas as discussões políticas acerca da criação ou não de determinadas unidades de conservação, evitando manifestações sociais que possam atrapalhar os planos governamentais.[15]

Dessa forma, o modelo implantado de unidades de conservação acaba por gerar um conflito sem precedentes entre a necessidade da preservação ambiental, a interferência da administração pública e do poder legislativo e o respeito ao modo de subsistência de comunidades tradicionais seculares que sempre desenvolveram suas atividades em relação com o meio ambiente.

Ademais, a conjugação do preceito original do que é uma unidade de conservação tem como um paradigma a noção de que as populações tradicionais não são capazes de desenvolver um manejo adequado dos recursos naturais disponíveis e que as áreas ocupadas por tais populações seriam preservadas adequadamente se cessasse toda e qualquer atividade humana no local e se preservasse apenas o ambiente natural, trazendo consequências negativas as populações locais, o que é deixado em segundo plano, uma vez que se trata da defesa dos interesses coletivos e globais na preservação da natureza e na tomada de medidas que possibilitem a defesa do meio ambiente.[16]

Assim, baseados nos princípios do Ambientalismo, quer seja a precaução e a prevenção, com o intuito de proteger determinadas áreas de territórios naturais, esquece-se das populações tradicionais que por tanto tempo desenvolveram na região atividade cultural e econômica em harmonia com o meio ambiente e sem maiores danos aos ecossistemas em que se inserem.

Não se deve esquecer que após a institucionalização das unidades de preservação, mesmo quando as populações procuram resistir e permanecer em suas propriedades, não há nenhuma espécie de valorização de tais culturas e sociedades, muito pelo contrário, costuma a ocorrer uma espécie de criminalização da cultura de tais comunidades, inerentes a sua relação com a natureza e necessária para sua subsistência. [17]

Esta relação conturbada entre as populações tradicionais e a institucionalização de unidades de conservação, em um modelo cujo qual não se reserva o mínimo espaço para o respeito da existência de tais comunidades nas áreas destinadas para as unidades e não se permite que as populações tradicionais continuem a viver em tais ambientes de maneira cooperativa e evitando maiores degradações, simplesmente através das técnicas de manejo sustentável, aumenta a probabilidade de surgirem consequências negativas. Esta imposição acaba por agravar as condições de vida das populações tradicionais que se encaminham aos grandes centros urbanos sem nenhuma perspectiva viável de sobrevivência, gera um aumento dos conflitos de ordem rural, sendo que às vezes até colaboram para o aumento da degradação ambiental em função da mudança de tais populações para outras áreas, dantes inabitadas e, por fim, o causam maior descumprimento da legislação ambiental.[18]

Apesar de tal situação não configurar uma regra na relação entre as populações tradicionais brasileiras e a institucionalização das unidades de conservação,[19] o modelo conservacionista nacional ainda predomina e esta é a relação que permanece na maioria das unidades de preservação, o que evidencia que a criação de tais áreas acaba não atingindo sua finalidade e gera consequências negativas para as populações tradicionais, que passam a ser impedidas de explorar os recursos naturais de forma sustentável e de reproduzir sua cultura pelos costumes inerentes a sua relação com o meio natural.

Evidentemente que o modelo de unidades de preservação ambiental não respeitam as questões sociais e culturais inerentes a populações que antes mesmo da sociedade de risco trazer a tona questões de preocupação ambiental já desenvolviam suas atividades sustentáveis em respeito e em conformidade com o meio ambiente, utilizando os meios de produção e de manejo sustentável para a reprodução social e cultural.

Percebe-se que a institucionalização das unidades de conservação no Brasil seguiu um modelo inadequado na relação com as questões culturais que permeiam a existência de populações tradicionais nos territórios a serem preservados.

Contudo, este modelo inadequado é oriundo de um modelo histórico norte-americano que não sofreu muitas alterações para ser aplicado no Brasil, acarretando na inconsequente influencia negativa nas populações tradicionais, uma vez que tal modelo foi implantado em uma sociedade com novos paradigmas e com a necessidade de atuação estatal no sentido de prover, para o conjunto social, medidas que diminuíssem os riscos e os danos, seguindo os preceitos dos princípios da precaução e da prevenção ambiental e delimitando territórios em que se considerava que a presença e interferência humana acarretariam em consequências maléficas previsíveis e imprevisíveis, necessitando-se de regulação estatal e prevalecendo os interesses coletivos sobre os interesses culturais de determinadas minorias populacionais e culturais.

 Todavia, como demonstrado, em certas circunstancias a prevalência de medidas urgentes e pautadas em princípios relacionados a uma sociedade pós-industrial com o paradigma de riscos emergentes nem sempre deve prevalecer sem antes uma adequação das medidas e análises a respeito da real efetividade e diminuição dos riscos que a decisão pode gerar.

As medidas tomadas pela administração pública, mesmo que em uma sociedade de risco e baseada em princípios ambientais, deve-se pautar muitas vezes na necessidade de conhecimento mais aprofundando sobre as relações culturais e a efetividade da interferência em determinadas sociedades, para que medidas de prevenção e precaução tragam os resultados esperados, naquilo que tange ao gerenciamento dos riscos, respeitando os limites da interferência estatal sobre os modos de produção cultural e possibilitando o provimento do mínimo necessário para a subsistência de determinados grupos populacionais.

Sobre o autor
Guilherme de Abreu e Silva

Advogado, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA) e acadêmico do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Guilherme Abreu. A precaução e a prevenção ambiental no contexto das unidades de conservação e a relação com as "populações tradicionais" em meio a uma sociedade de risco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3217, 22 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21565. Acesso em: 5 nov. 2024.

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