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A legalidade da cobrança do imposto sobre serviço de qualquer natureza sobre os emolumentos cartorários e notariais

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Agenda 03/05/2012 às 16:54

A decisão do STF na ADI 3.089-2/DF, que declarou a constitucionalidade da cobrança do ISSQN sobre os serviços cartorários, objetivou colocar fim à discussão quanto à aplicação do instituto da imunidade recíproca às atividades prestadas pelos notários e registradores.

RESUMO

O número de serviços tributáveis pelo Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza- sofreu um aumento significativo com o advento da Lei Complementar nº 116 de 31 de julho de 2003, que trouxe em seu bojo, entre outros, o item 21 e 21.01, que corresponde aos serviços de registros públicos, cartorários e notariais. Este item foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089-2/DF-2008, onde a Suprema Corte discutiu a respeito da legalidade da cobrança do ISSQN sobre citadosemolumentos. Contudo, mesmo com o julgamento desta ADIn,ainda em 13 de fevereiro de 2008, os debates doutrinários em torno do tema persistiram. O presente trabalho procurou analisar a incidência do referido tributo sobre os emolumentos cartorários, abordando o posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Emolumentos. Imposto sobre serviço de qualquer Natureza. Serviço Notarial. Ação Direta de Inconstitucionalidade.


1 INTRODUÇÃO

O presente estudo objetiva efetuar uma acurada análise da decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089-2/DF, do dia 13 de fevereiro de 2008, pelo Supremo Tribunal Federal.

A ADIn mencionada foi ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR, contra o disposto nos itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003, segundo os quais podem ser tributados os serviços de registros públicos, cartorários e notariais. E foi exatamente contra a previsão de tributação de tais serviços que foi então ajuizada aADIn em comento, pretendendo-se a análise e, ao final, a declaração da inconstitucionalidade dos mencionados dispositivos.

Para tanto, alegara-se que a tributação daqueles itens consistia em ofensa direta e frontal ao exarado no artigo 150, VI, “a” e §§2º e 3º da CF/88, na medida em que, na hipótese, aplicar-se-ia o que a doutrina chama de “imunidade recíproca”, afastando, assim, do campo possível da tributação municipal, a hipótese considerada.

Na conclusão do julgado, verifica-se, entretanto, que o entendimento vencedor não acolheu a tese suscitada pela ANOREG/BR e, por votação majoritária, o STF julgou improcedente o pedido, reconhecendo a legitimidade da cobrança do ISSQN na hipótese,restando, assim, vencido o relator - Ministro Carlos Aires Britto-, que julgava procedente a ação, declarando inconstitucional a cobrança do ISSQN dos cartorários.

Nos fundamentos adotados pela Corte, entendeu-se como válida e regular a tributação das mencionadas atividades, uma vez que, sendo desenvolvidos os serviços notariais e de registro - pelos agentes legitimados – com o fim específico da obtenção de lucro, perfeitamente configurada se verifica, então, a hipótese abarcada pelas disposições do §3º do artigo 150 da CF/88, obstando, assim, a aplicação da imunidade pretendida, e destacando, inclusive, que “os agentes notariais demonstram capacidade contributiva objetiva, por se dedicarem com inequívoco intuito lucrativo à atividade”.[1]

Feitos esses esclarecimentos iniciais, começa-se a abordagem do tema, apontando-ao menos de forma superficial -, diversos meandros das atividades desenvolvidas pelos cartorários, dentre os quais se destacam a sua natureza, a forma de ingresso e a específica regência legal e constitucional.

Seguindo o estudo que se pretende, passa-se à análise da forma de remuneração dos notários e registradores, ponto sobre o qual pretendeu o relator que se debruçasse, de forma mais cuidadosa, os ministros da Excelsa Corte, a fim de se verificar as implicações jurídicas a interferirem no decisum a partir da perfeita noção da natureza jurídica da aludida remuneração dos serviços apontados.

O que se objetivou, neste estudo, é demonstrar que o entendimento, no que pertine à natureza jurídica dos emolumentos, merece uma releitura, concluindo-se, a partir de uma nova análise, tratar-se, na verdade, de verdadeira “tarifa”, e não propriamente de “taxa”, como antes prolatado.

O caminho seguido para a elucidação das dúvidas supracitadas - ao menos no que se refere à legalidade da cobrança do ISSQN -, há de ser apoiado na análise conjunta da Constituição da República de 1988 e da legislação infraconstitucional, destacando-se, dentre outras, as disposições da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, da Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000 e da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 (itens 21 e 21.1 da Lista Anexa), bem como na robusta doutrina a eles relativa.

A partir dessas abordagens, pretende-se então, ao fim, analisar os fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal na admissão da regularidade da incidência tributária do ISSQN sobre as atividades desenvolvidas pelos agentes cartorários, revisitando, a partir dessas considerações, os fundamentos adotados e identificando a possível mudança conceitual aplicada em relação à natureza jurídica dos referidos emolumentos.


2 ATIVIDADE NOTARIAL:

2.1 Escorço Histórico:

No estudo a respeito da história da atividade notarial e dos registros públicos, relevante se apresenta o estudo de Leonardo Brandelli, queaponta, como cerne fundamental, que “a história do notariado confunde-se com a história do direito e da própria sociedade, residindo aí sua beleza e importância” [2]. Ao fundar-se nessas bases, conclui o autor que:

A atividade notarial é atividade pré-jurídica, egressa das necessidades sociais. No mundo prisco massivamente iletrado, sentiu-se primeiramente necessidade de que houvesse algum ente, confiável, que pudesse redigir, tomar a termo, os negócios entabulados pelas partes. Surge assim o protótipo do notário, como mero redator dos negócios entabulados pelas partes, com o intuito de perpetuá-los no tempo facilitando sua prova. [3]

A afirmativa se confirma com a busca, da sociedade, pela segurança jurídica inexistente à época, e, para ela, a necessidade de certeza dos atos que precisavam ser praticados. Para tanto, era necessário que aquele que transcrevia os fatos correspondentes pudesse fazê-lo com fé-pública e transmitisse, assim, a segurança almejada as partes.

A partir do apontamento dessa exigência, verifica-se que, mesmo com a necessidade de terem seus atos provados, o que havia, até então, eram pessoas que apenas transcreviam os atos. Os ancestrais dos tabeliães eram, na essência, meros redatores, “faltando-lhes, porém, a fé pública, o poder de autenticar o que redigiam”.[4]

Logo, o que se pode concluir dessa análise inicial é que, por mais próxima que possa parecer com as atividades atualmente desenvolvidas pelos agentes delegados, o que se verifica, a partir dessas considerações, é que a atuação dos indicados “agentes registradores”, efetivavam, na verdade,tão somente, o testemunho da realização do negócio jurídico formulado entre os particulares.

Com a evolução da atuação jurídica no convívio social, valorizou-se, então (ao extremo), a “formalização dos atos jurídicos”, como meio de garantir a eficácia necessária, o que, então, passou a exigir a presença do agente que - dotado de “fé pública” -, passava a ser então legitimado para o cumprimento das formalidades necessárias, dando origem, dessa forma, às funções dos conhecidos “tabeliães de notas”, e, em seguida, aos respectivos “registradores”.

2.2 O Regime Jurídico do Notário e do Registrador:

A base constitucional da função desenvolvida pelos “cartorários”, nos moldes atuais, é relativamente nova,constando, atualmente, nos termos do artigo 236 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Antes, contudo, não existiam exigências garantidoras de que a função de notário e registrador seria desempenhada por profissionais do Direito,remanescendo, assim, sem dúvida alguma, os resquícios da oligarquia monárquica portuguesa.

A regulamentação mais remota a respeito do assunto data do Período Imperial, sendo considerada como uma tentativa de regulamentar a função que era desenvolvida por esses profissionais. A lei em comento não recebeu número, tendo sido então publicada em 11 de outubro de 1827[5] e, conforme ensinamentos de Luís Paulo Aliende Ribeiro:

Regulou o provimento dos cargos da Justiça e da Fazenda, proibiu a transferência dos ofícios a título de propriedade e determinou que fossem conferidos a título de serventia vitalícia a pessoas dotadas de idoneidade e que servissem pessoalmente aos ofícios, o que não impediu que até a data recente persistisse, de forma dissimulada, a venalidade e o regime de sucessão, com transmissão de pai para filho de tais ofícios.[6]

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Todavia, mesmo com o advento da lei supracitada, não se definiu, satisfatoriamente, os requisitos necessáriose essenciais para a nomeação do titular, mantendo, assim, a situação de ausência de regulamentação da atividade notarial e de registro. Mais uma vez, Leonardo Brandelli, reconhecendo a carência de regulamentação anterior da atividade, traz a lume os comentários de A. B. Cotrim Neto, afirmando que:

[...] simples mudança da natureza jurídica do cargo atribuído (a passagem do regime de propriedade para o de serventia vitalícia) muito pouca influência teria no tratamento jurídico do Notariado: até os anos muito recentes a venalidade (dissimulada, embora) dos ofícios da Justiça, do Notariado, sobretudo, continuou; persistiu, embora do mesmo modo dissimulado, o regime de sucessão a transmissão do cargo de pai para filho. E ainda permanece, nos dias fluentes a outorga do status de titular nas serventias notariais [...] a cidadão totalmente jejunos em matéria jurídica.[7]

Os titulares das serventias possuíam direito vitalício e hereditário, o que permitia que o provimento dos cargos de tabelião e oficial, em caso de falecimento do titular, ocorresse por doação, venda da serventia ou mesmo por sucessão.

A par dessas considerações, a base constitucional da atividade desenvolvida por esses agentes no Brasil é, então, tratada - pela primeira vez -, na Carta Magnade 1967 (com as alterações outorgadas pela EC nº 01/69),mas somente após a Emenda Constitucional nº 7 de 13 de abril de 1977, quando foram então incluídos os artigos 206-208, que assim dispunham:

Art. 206 - Ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982)

§ 1º - Lei complementar, de iniciativa do Presidente da República, disporá sobre normas gerais a serem observadas pelos Estados, Distrito Federal e Territórios na oficialização dessas serventias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1980)

§ 2º Fica vedada, até a entrada em vigor da lei complementar a que alude o parágrafo anterior, qualquer nomeação em caráter efetivo para as serventias não remuneradas pelos cofres públicos.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

§ 3º Enquanto não fixados pelos Estados e pelo Distrito Federal os vencimentos dos funcionários das mencionadas serventias, continuarão eles a perceber as custas e emolumentos estabelecidos nos respectivos regimentos.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

Art. 207 - As serventias extrajudiciais, respeitada a ressalva prevista no artigo anterior, serão providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982)

Art. 208 - Fica assegurada aos substitutos das serventias extrajudiciais e do foro judicial, na vacância, a efetivação, no cargo de titular, desde que, investidos na forma da lei, contem ou venham a contar cinco anos de exercício, nessa condição e na mesma serventia, até 31 de dezembro de 1983.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982).

Nesse diapasão, cumpre ressaltar que, desde sempre, osnotários e os registradores, apesar de ligados, representam figuras distintas, sendo conhecidos como “tabeliães” e “oficiais”, respectivamente. Suas atividades, atualmente, encontram-se disciplinadas a partir das disposições do mencionado artigo 236 da CF/88, que, sobre o assunto, serve então como sustentáculo para as disposições da Lei nº 8.935/94, tratando da forma específica do exercício dessas atividades, ao passo que a Lei nº 6.015/73, sendo recepcionada peloMagno Texto Republicano, trata das atividades de registros públicos, ficando, ambas as leis, responsáveis pela regulamentação das operações relacionadas.

A partir dessas considerações, apontam-se os tabeliães e os oficiais de registro como as pessoas físicas que, cumprindo os requisitos para o ingresso na atividade e após receber a delegação,exercem pessoalmente as suas funções, atuando em caráter privado, sujeitando-se, a todo instante, à fiscalizaçãodo Poder Judiciário.

Ambos cumpremo seu ofício com a marca fundamental da fé-pública, requisito inerente à função desenvolvida e que, de fato, a eles confere a necessária legitimidade exigida.

Como se vê, as mudanças no seio da atividade notarial e de registro aconteceram, de forma substancial, com o advento do atual diploma constitucional,tendo, a partir dela, surgido aesperada regulamentação da atividade do notário e do registrador, expressamente elencada no título IX (das Disposições Constitucionais Gerais), artigo 236, que, sobre o assunto, inclusive, assim dispõe:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento)

§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.(Grifo nosso)

A par dessas considerações, cumpre ressaltar que os ofícios e tabelionatos se subdividem, de acordo com o que dispõem artigo 5º, da Lei nº 8.935/94, nas seguintes funções:

Art. 5º Os titulares de serviços notariais e de registro são os:

I - tabeliães de notas;

II - tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos;

III - tabeliães de protesto de títulos;

IV - oficiais de registro de imóveis;

V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas;

VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas;

VII - oficiais de registro de distribuição.

No que tange a forma de ingresso dispõe oartigo14 da norma infraconstitucional em referência que

Art.14 - A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:

I - habilitação em concurso público de provas e títulos;

II - nacionalidade brasileira;

III - capacidade civil;

IV - quitação com as obrigações eleitorais e militares;

V - diploma de bacharel em direito;

VI - verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

Um dos pontos de relevante discussão a respeito dos requisitos para a obtenção da delegação da atividade notarial é o da exigência do grau de “bacharel em direito”, sendo relevante destacar também, nessas circunstâncias, que as disposições da própria legislação mencionada admitem, em caráter excepcional, a participação de interessados não titulados, quando aponta, no parágrafo segundo de seu artigo 15, o seguinte:

Art. 15. Os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador.

§ 1º O concurso será aberto com a publicação de edital, dele constando os critérios de desempate.

§ 2º Ao concurso público poderão concorrer candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro.(Grifo nosso)

A teor do que determinam as atuais disposições constitucionais a respeito da matéria, o fato da forma de obtenção da delegação pública da atividade notarial e de registro dependerem de efetivo e específico “concurso público”, em nada afeta, a natureza jurídica das atividades desenvolvidas, nem tampouco as consequências delas imediatas, sendo de relevante destaque, inclusive, que, apesar de exigir o concurso público como forma de ingresso, as atividades são inegavelmente desenvolvidas em caráter privado, conforme expressamente dispõe o mandamento constitucional respectivo.

No Parecer dado pela Advocacia Geral do Senado Federal, na pessoa do Senhor Shalom Granado, Advogado Geral Adjunto,ao prestar informações para instruir a ADInnº 3.089-2/DF,entendeu-se que:

[...] os serviços notariais, muito embora sejam serviços de natureza pública, são exercidos conforme dispõe o art. 236 da Constituição Federal, em caráter privado, ou seja, têm os delegados plena responsabilidade na administração e condução dos serviços prestados à população, e embora cobrem obedecendo tabela de emolumentos fixada pelo Poder Judiciário, recebem por conta própria, têm liberdade de aplicação dos recursos auferidos, sendo por conseguinte responsáveis pela manutenção da infra-estrutura necessária aos serviços, inclusive de seu  pessoal, implicando dizer que exercem atividade originariamente pública, mas por conta própria, apenas sob a fiscalização do Poder Público, como acontece com todos os demais autorizados, permissionários e concessionários[...].[8]

O Parecer, ao que se verifica, responde - de forma clara -,aos questionamentos relativos à natureza jurídica da função do notário e registrador, destacando, a partir das disposições da própria Constituição de 1988, a natureza privada da atividade, especialmente quando destaca:

[...] as atividades dos titulares de delegação notarial em nada diferem dos demais autorizados, concessionários e permissionários de serviço público, como aqueles que exercem permissão para prestação de serviços de transporte coletivo, ou aqueles que recebem concessão, permissão e autorização para prestação de serviços de iluminação pública, serviços de água e esgoto, telecomunicações, radiofônicos, saúde, educação fundamental, todas atividades precipuamente estatais  à luz da própria Constituição Federal, daí porque a Lista Anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003, fez constar igualmente os serviços de registros públicos e notariais na relação dos fatos geradores em que incide o imposto, que lembre-se, é sobre serviços de  qualquer natureza, não se aplicando portanto alguns limites próprios do ISS invocados pela Autora.[9]

A afirmação apresentada é de relevância ímpar, sobretudo por destacar, na essência, que, em que pese a inegável origem pública da atividade, a natureza jurídica a ela relacionada circunscreve-se aos necessários contornos privados, o que, já por si, afasta a simples afirmativa da imediata e completa impossibilidade de incidência das normas tributárias na espécie, o que há muito, então, já sempre fora presumido.

2.3 A Remuneração dos Notários e Registradores

2.3.1 Capitulação Legal para Fixação dos Emolumentos:

Os emolumentos, a partir do que determinam as disposições normativas de regência, englobam o pagamento integral da atividade cartorária, neles sendo compreendidos a remuneração direta do titular, e, ainda, todas as eventuais despesas necessárias para o desenvolvimento das atividades.

O parágrafo segundo do mencionado artigo 236 da CF/88 estabelece normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos notários e registradores.

A remuneração desses agentes é regulamentada pela Lei Federal nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000, que aponta que a delegação das atividades dá direito à percepção de emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia, sendo eles fixados pelos Estados e Distrito Federal,levando-se em conta o caráter social da atividade notarial e de registro, conforme dispõe o artigo 2º, seus incisos e alíneas inverbis:

Art. 2º Para a fixação do valor dos emolumentos, a Lei dos Estados e do Distrito Federal levará em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, atendidas ainda as seguintes regras:

I – os valores dos emolumentos constarão de tabelas e serão expressos em moeda corrente do País;

II – os atos comuns aos vários tipos de serviços notariais e de registro serão remunerados por emolumentos específicos, fixados para cada espécie de ato;

III – os atos específicos de cada serviço serão classificados em:

a) atos relativos a situações jurídicas, sem conteúdo financeiro, cujos emolumentos atenderão às peculiaridades socioeconômicas de cada região;

b) atos relativos a situações jurídicas, com conteúdo financeiro, cujos emolumentos serão fixados mediante a observância de faixas que estabeleçam valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro.

Parágrafo único. Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea b do inciso III deste artigo.

A característica sui generis da remuneração dos titulares dos serviços extrai-se, exatamente, da verificação da natureza jurídica dos emolumentos percebidos, sobretudo porque, não sendo eles entregues e/ou repassados ao orçamento público Estadual/Distrital, inafastável se verifica, aí, seu eminente caráter privado, em perfeita consonância, inclusive, com o que expressamente determinam as disposições do mencionado artigo 236 da CF/88.

2.2.2 Da Natureza Jurídica dos Emolumentos:

A partir das considerações até aqui apresentadas, um dos temas de maior relevância no estudo da matéria, sobretudo em relação à busca da identificação da específica natureza jurídica dos chamados “emolumentos cartorários”, cinge-se à tendência verificada na doutrina – e também na jurisprudência -, em entendê-los como se integrados às categorias tributárias, o que, inclusive, pode ser verificado em diversas manifestações jurisdicionais, tudo isso, é certo, antes do enfrentamento da matéria pelos moldes oferecidos no julgamento da ADInnº 3.089-2/2008.

Entretanto, para a compreensão da natureza jurídica dos emolumentos percebidos pelos mencionados agentes é de fundamental importância para o estudo da essênciado instituto, sem que se esqueça, por certo, do já delineado caráter privado da atividade desenvolvida.

Nessa senda, oportuno citar os julgamentos que fundamentaram o suposto caráter tributário da verba, destacando-se, a esse respeito, a ADInnº 1.145-6 da Paraíba, donde se destaca o voto do Relator -Ministro Carlos Velloso -,quando afirmavaque“as custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécies tributárias, são taxas segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal”.[10]

Nessa mesma vertente, destaca-se, a ADIn nº 1.378-5 – MC/ES, onde o relator, Ministro Celso de Mello, ao falar da “Natureza jurídica das custas judiciais e dos emolumentos extrajudiciais”[11] disse que:

A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado[...].[12]

Outros precedentes que corroboravam o entendimento em comento e, também, foram citados pelo o Relator da ADInnº 1.145-6/PB, foram os exarados nas ADIn nº 1.378-MC/ES, ADInnº 948-GO, ADInnº 2.059/PR, ADInnº 1.709/MT, ADInnº 1.778/MGe RE nº 116.208/MG.

Todos esses arestos, entretanto – como antes apontado -,são anteriores à ADInnº 3.089-2/DF-2008, que, apesar de não ter este como o seu ponto central de debate, confere à atividade notarial e de registro uma efetiva e nova roupagem conceitual, que, sem dúvida, afeta, diretamente, o foco da discussão ali tratada.

Com o julgamento da ADInnº 3.089-2/DF, em que se afirmou constitucional a cobrança de impostos sobre os emolumentos cartorários e notariais, fica explícito que o entendimento anterior - de que os emolumentos teriam natureza jurídica de “taxa” -,teria restado ultrapassado, devendo esta questão ser aqui, então,também efetivamente enfrentada.

A esse respeito, cumpre ressaltar que, em primeiro lugar, o conceito normativo de tributo é tratado, expressamente, nas disposições do Código Tributário Nacional – CTN,onde se verifica, a partir de seu art. 3º, o seguinte:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Com esse apontamento, de regra, a natureza jurídica tributária - em nosso sistema constitucional tributário -, é compreendida dentro dos estreitos limites definidos no referido diploma, sendo dele então sacada a ideia de que “tributo” é a prestação devida pela materialização específica da hipótese legal, encontrando suas espécies, assim, nas disposições então existentes entre os art. 145 e art. 149-A da CF/88.

A partir desse fundamento básico, extrai-se como essencial a natureza exlege da obrigação tributária, afastando, por conseguinte, as obrigações decorrentes das relações contratuais entre os cidadãos e o Estado.

A esse respeito, no que se refere às taxas, cumpre observar que a sua base legal encontra-se no artigo, 145, II, da CF/88, que, sobre o assunto, aduz serem devidas“taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.

Logo, para instituição das taxas, é relevante a observância dos pressupostos jurídicos essenciais para a sua criação, como consta, inclusive, dos ensinamentos do festejado professor Sacha Calmon Navarro Coelho, que leciona:

Por primeiro, a pessoa política [...] precisa possuir competência político-administrativa para prestar o serviço público ou praticar o ato do poder de polícia, que são os suportes fáticos das taxas [...]. Em segundo lugar, o ato de polícia e o serviço público devem ser específicos e divisíveis. [...]. Em terceiro lugar, é preciso lei, em sentido formal e material, para instituir taxas.[13]

Pois bem. Considerando-se que para instituir uma taxa (tributo), a prestação do serviço deveria então ser diretamente efetuada pelo Estado, não se admitindo, assim, em nosso sistema, a possibilidade da cobrança, destino e proveito do “tributo” por agentes exclusivamente privados, como o são os notários e registradores.

O serviço notarial e de registro, embora seja configurado como efetivo “serviço público”, sua materialização e o caráter específico da prestação decorrem de direta e imediata atuação e responsabilidade da pessoa física titular(notário ou registrador), exigindo, tão somente, o preenchimento dos requisitos esboçados pela Lei nº 8.935/94 e pela atual Constituição.

Então,evidenciado e reconhecido, pelo STF, o caráter privado do serviço delegado,passa a ser ônus dos agentes delegatários os custos para implantação e manutenção da serventia, tendoseus rendimentos retirados dos emolumentos percebidos como contraprestação do serviço efetivamente prestado por agente diverso do agente estatal e não se confundindo com ele pelo fato do serviço ser público.

Ora, conforme expressamente apontado pelo julgado da ADInnº 3.089-2/DF tratando-se de “serviços públicos prestados em caráter privado”, não advém como conclusão possível a configuração dos emolumentos cartorários a partir da natureza jurídica das taxas (tributos), uma vez que, conforme demonstrado, estas somente seriam possíveis na remuneração de atividades prestadas pelo próprio Poder Público, o que, como se verifica, não foi o que efetivamente apontado naquela oportunidade.

Assim, conclui-se que, tratando-se as atividades notariais e de registro como efetivas e específicas atividades delegadas do Poder Público, os emolumentos deles decorrentes não poderiam possuir a pretendida natureza tributária, representando, sim, específicas “tarifas”, conforme aqui antes apontado.

Tal apontamento, entretanto, apesar de efetivamente relevante para a configuração e a compreensão da hipótese estudada, não recebera, no julgamento daADIn nº 3.089-2/DF, direto e específico enfrentamento, carecendo, ainda, uma melhor análise da doutrina e da jurisprudência, partindo, agora sim, dos relevantes apontamentos ali apresentados.

Sobre a autora
Patrícia de Brito Mendonça

Advogada em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Patrícia Brito. A legalidade da cobrança do imposto sobre serviço de qualquer natureza sobre os emolumentos cartorários e notariais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21675. Acesso em: 25 nov. 2024.

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