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A legalidade da cobrança do imposto sobre serviço de qualquer natureza sobre os emolumentos cartorários e notariais

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03/05/2012 às 16:54
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3A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A SUA INAPLICABILIDADE À ATIVIDADE CARTORÁRIA:

3.1 Generalidades:

A par das considerações a respeito da configuração específica da natureza jurídica dos emolumentos cartorários e da definição das figuras dos agentes delegados como exercentes de ofício em caráter privado, a respeito do tema aqui em debate, é defundamental importância a compreensão dos contornos específicos do instituto dasimunidadestributárias e, a partir daí, a verificação de sua (in)aplicabilidade nas atividades relacionadas.

Para tanto, cumpre ressaltar que o estudo específico das imunidades, de acordo com a abalizada doutrina tributária, relaciona-se com a efetiva compreensão do conceito jurídico-constitucional da competência tributária, compreendendo estaa faculdade,conferida às pessoas políticas, concedida pela Constituição Federal de 1988, que possibilita,in abstrato, a criação detributos, a partir da descrição legislativa da hipótese de incidência, do sujeito passivo, da base de cálculo e de suas alíquotas.

Nesse ponto, cumpre ressaltar, desde já, que ao definir as respectivas competências tributárias, o texto constitucional, em momento algum, promove a específica criação de tributos, apenas estabelecendo, de forma geral, os limites possíveis do exercício do que se chama o Poder Tributário.

Lembrando que não é o bastante autorizar a criação de tributos, então o “poder de tributar - enquanto atributo da soberania de que dotado o Estado – tem no Brasil, o seu exercício disciplinado inteiramente e rigidamente pela Constituição”.[14]

A imunidade tributária, assim, deve ser compreendida como verdadeira limitação constitucional ao poder de tributar, atingindo,umbilicalmente, o instituto da competência tributária.

Logo, ao analisar o desenho das imunidades tributárias, está-se a referir sobre regras exclusivamente constitucionais, onde,então, são descritas “situações intributáveis”[15], reduzindo assim o campo possível do exercício das competências tributárias respectivas das pessoas políticas.

O professor Roque Antônio Carrazza, ao tratar desse assunto, preleciona:

Podemos dizer que a competência tributária se traduz numa autorização ou legitimação para a criação de tributos (aspecto positivo) e num limite para fazê-lo (aspecto negativo).

Assim as pessoas somente podem criar os tributos que lhes são afetos se os acomodarem aos respectivos escaninhos constitucionais, construídos pelo legislador constituinte com regras positivas (que autorizam tributar) e negativas (que traçam os limites materiais e formais da tributação).[16]

A partir das lições do referido mestre, o que se conclui é que a imunidade tributária deve ser considerada como efetiva hipótese de não-incidência constitucional, instituída pelo poder constituinte originário ou derivado “que há de ser entendida e aplicada de acordo com os princípios e valores que consagra”.[17]

Em última análise, pode a imunidade ser entendida como a fixação da

[...] incompetência das pessoas políticas para fazerem incidir a tributação sobre determinadas pessoas, seja pela natureza jurídica que estas têm, seja porque realizam certos fatos, seja, ainda por estarem relacionadas com dados bens ou situações.[18]

Sem o intuito de aqui tratar, de forma exaustiva, cada uma das espécies de imunidades tributárias previstas no texto constitucional, destacam-se, sobre o assunto, as hipóteses elencadas no artigo 150, VI da CF/88, que assim destaca:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

[...]

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

[...] (grifo nosso)

Para Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto para caracterização da imunidade tributária

[...] basta ser ente político constitucional (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para que sejam imunes seu patrimônio, suas rendas e seus serviços.

[...]

O mesmo ocorre com os templos de qualquer culto. Bastando a existência de um templo, para que sobre ele não possa incidir imposto, porque fazê-lo implicaria ofensa ao direito individual da liberdade de crença e das praticas religiosas.

[...]

Também são incondicionadas as imunidades que favorecem o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado a sua impressão.[19]

Entretanto, ao tratar da imunidade prevista do na alínea “c” do inciso VI do art. 150, CF/88, o que se percebe é a exigência de requisito para que seja caracterizada a imunidade, sendo “inafastável que se tenha entidade ou instituições sem fins lucrativos, para que seja possível cogitar de imunidade”.[20]

No que aqui interessa ao trabalho, destaca-se que o § 3º do dispositivo em comento, traz, no entanto, exceção à regra constante da alínea “a” - a chamada imunidade recíproca-,apontando a sua inaplicabilidade quantoà renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Sendo esse o instituto que alegou ser aplicável a atividade dos notários e registradores.

3.2A ADInnº 3.089-2/DF e a inaplicabilidade da imunidade:

Feitas todas as ponderações, quanto à discussão travada naADInnº 3.089-2/DF,que - como antes apontado -, foi proposta com a fito de ver declarada a inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, onde aANOREG/BR alegara violação do artigo 150, VI, a, §§ 2º e 3º da Constituição de 1988 por entender que os serviços prestados pelos notários e registradores eram serviços públicos e imunes à tributação recíproca pelos entes federados, cumpre, agora, a efetiva análise dos termos do voto proferido e do resultado alcançado pelo julgamento.

A análise da atividade desenvolvida pelos agentes delegados e o recebimento da contraprestação por meio de emolumentos cartorários, que possuem natureza definida, sempre voltados à obtenção do lucro, como antes demonstrado, denota que tal pleito seria injustificado, uma vez que não se verifica, ali, direta prestação de serviço pelo ente estatal.

Entendeu a Corte Superior que “a imunidade reciproca só se aplica quando o ente político presta o serviço. Se este é prestado por permissionários, concessionários ou delegatários, em caráter privado, não há que se falar em imunidade”.[21]

O caso em tela é atividade delegada exercida nos moldes e limites do artigo 236, Constituição vigente e da lei que o regulamenta[22], sendo declarado pelo STF, como atividade exercida “mediante contraprestação com viés lucrativo, posto que de índole estatal, submetida ao poder de polícia do Judiciário”[23].

Nessa seara, o que fica claro é que a imunidade recíproca é incompatível com o objeto pretendido na ADIn nº 3.089-2/DF, sendo compreendido pelo Ministro Joaquim Barbosa, em voto vista, seguido pela maioria, que trata-se de:

[...] mecanismo de ponderação e calibração do pacto federativo, destinado a assegurar que entes desprovidos de capacidade contributiva vejam diminuída a eficiência na consecução de seus objetivos definidos pelo sistema jurídico.

[...]

Assim, a imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executam, com inequívoco intuito lucrativo serviços públicos mediante concessão ou delegação devidamente remunerados.”[24]

Logo não há que se falar em tributação indevida quando se está a tratar de atividade delegada, pois

[...] a tributação a título de Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza, recebidos por particulares como contraprestação pelo exercício delegado de serviços notariais e de registro (art. 236, caput, da Constituição), não viola a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição.[25]

Nessa linha, destaca-se que “a atividade notarial é sempre exercida por entes privado”[26], conforme regra traçada na vigente Constituição, que como contraprestação, recebem os emolumentos respectivos, sem que, com isso, desnature-sea“índole estatal, submetida ao poder de polícia do judiciário (art. 236, caput e §§1º e 2º, da Constituição)”.[27]

A pretensão da ANOREG/BR objetivava ver prevalecer no julgamento da mencionada ADInnº 3.089-2/DF, que o fato do serviço ter caráter público seria, pois, suficiente para impor à exclusão da aplicação do ISSQN, buscando reconhecer, nessa configuração, a hipótese imunizante do mencionado artigo 150, VI, “a” da CF/88.

Os tabeliães e oficiais exercem, de fato, um “nobre” serviço público, mas daí considerar que,por isso, dever-se-ia excluir a tributação respectiva, seria descaracterizar o que dispõe a Constituição da República de 1988 e, com isso, desrespeitar o objetivo último do Poder Constituinte Originário.

A admissão da distinção, certamente, criaria verdadeira e invalida distinção em prol dos referidos agentes, conferindo benefícios particularesaos exercentes de atividade lucrativa, com efetiva capacidade contributiva, distinguindo-os dos demais que exercem atividades concedidas, autorizadas ou permitidas em colaboração com o Estado.

Aalegação de desequilíbrio suscitada com a tributação dos serviços analisados não subsiste,vez que a tributação em exame “onera riqueza destinada à incorporação ao patrimônio de particulares, e não a renda ou patrimônio dos entes federados [...], na medida em que aproveita financeiramente ao prestador e não ao Estado”.[28]

Deve-se observar que os frutos do trabalho desenvolvido por esses profissionais não incorpora o patrimônio do Estado. Logo o que não faz parte do patrimônio do Estado é o que está sendo tributado, ou seja, a tributação ocorre sobre os rendimentos adquiridos e incorporados ao patrimônio particular daquele que exerce efetivamente a atividade, afastando, de plano, a alegação de que a incidência do ISSQN feriria o pacto federativo, tendo em vista que a finalidade da imunidade, de forma alguma, não é beneficiar o particular.

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Por todas essas considerações, conclui-se, de fato, na completa impossibilidade de reconhecimento de aplicação, na espécie, das hipóteses específicas das imunidades tributárias aos rendimentos auferidos pelos agentes notários e registradores, sendo tal conclusão, de fato, a efetiva e verdadeira aplicação destes que são os conceitos fundamentais do direito tributário brasileiro.


4CONCLUSÃO

Com todas as considerações desenvolvidas nas breves linhas deste estudo, verifica-se que a decisão (ADInnº 3.089-2/DF) da Suprema Corteque declarou a constitucionalidade da cobrança do ISSQN sobre os serviços cartorários, objetivou colocar fim à discussão quanto à possibilidade de aplicação do instituto da imunidade recíproca (art. 150, VI, “a”,CF) às atividades prestadas pelos notários e registradores.

Nessa decisão, reconheceu-se que a atividade notarial e de registro, em que pese representar importante prestação de serviço público, é ela exercida em caráter eminentemente privado, a teor, inclusive, do que expressamente dispõe a Lei Maior de 1988.

O entendimento então manifestado pela Suprema Corte, afastou, de plano, a possibilidade de aplicação, na hipótese, da chamada imunidade tributária recíproca, reconhecendo, no caso, a aplicação excepcional contida no mencionado § 3º do artigo, 150 da CF/88, que, então, impede a exclusão do exercício da competência tributária na espécie.

A tributação da atividade dos agentes delegados, objeto desse estudo, de fato, não fere o princípio federativo adotado pela atual Constituição brasileira, sendo de fundamental destaque o reconhecimento de que, de regra, é ele prestado e desenvolvido pelos titulares da serventia, em caráter eminentemente privado e com objetivos específicos de lucros.

O resultado do julgamento da ADInnº 3.089-2/DF, representa, em verdade, a materialização efetiva da histórica construção doutrinária brasileira, representando verdadeira homenagem aos princípios da capacidade e da isonomia tributária, afastando, assim, odiosas vantagens econômicas, não previstas e – até mesmo – nunca admitidas pela Lei Maior da República Brasileira, e, no caso, sujeitando à incidência do ISSQN as atividades privadas desenvolvidas pelos agentes notários e registradores, nos termos, aqui, então devidamente demonstrados.  


ABSTRACT

The number of taxable services by the Tax on Service of Any Nature - has suffered a significant rise with the advent of the Complementary Law nº 116 from July, 31, 2003, that brought, among others, the item 21 and 21.01 which corresponds to registry and notary public services. This item was the object of the Direct Action of Unconstitutionality nº 3.089-2/DF-2008 in which the Supreme Court argued about the legitimacy of charging ISSQN tax over the previously mentioned fees. However, even with the trial of this Direct Action of Unconstitutionality, still in February, 13, 2008, the academic debate about the topic persisted. The present paper analyses the incidence of the mentioned tax on notary fees, approaching the current position of the Supreme Federal Court.

Keywords: Fees. Tax on Services of Any Nature.Notary Service.Direct Action of Unconstitutionality.

 

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Sobre a autora
Patrícia de Brito Mendonça

Advogada em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Patrícia Brito. A legalidade da cobrança do imposto sobre serviço de qualquer natureza sobre os emolumentos cartorários e notariais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21675. Acesso em: 25 nov. 2024.

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