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A repercussão da Lei de Acesso à Informação na divulgação dos dados remuneratórios dos servidores públicos

Agenda 13/06/2012 às 15:55

Não deverão ser divulgados dados que permitam conhecer a destinação da remuneração do agente público. Como exemplo, as deduções pessoais referentes às pensões alimentícias e demais consignações (empréstimos, planos de saúde, associações esportivas, seguros, etc).

1. BREVE SÍNTESE DO CONTEXTO

Em 18/11/2011, foi promulgada a Lei nº 12.527, denominada “Lei de Acesso à Informação” (LAI), que regula o acesso a informações de interesse público por parte dos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

De acordo com o art. 47, a norma entra em vigor 180 dias após a data de sua publicação.

Por sua vez, ante o início de vigência da lei no mês de maio de 2012, a Presidenta da República, em 16/05/2012, editou o Decreto nº 7.724, com o fito de regulamentar a aplicação da Lei nº 12.527/2011 no âmbito do Poder Executivo Federal.

O decreto regulamentar, em seu art. 7º, §3º, inciso VI, prevê que deverão ser divulgadas, de forma individualizada, a remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo outras vantagens pessoais.

Desta feita, ante a falta de delimitação objetiva a respeito da abrangência do conceito de “informação pessoal”, cuja divulgação é restringida pelo art. 6º, III, da Lei nº 12.527/2011, instaurou-se celeuma quanto à forma de veiculação dos dados remuneratórios dos servidores públicos não só do Poder Executivo Federal, como também aqueles oriundos de outros Poderes e esferas federativas.

Logo, faz-se necessário apresentar algumas considerações concernentes ao tema.


2. DA ANÁLISE JURÍDICA

2.1. DO ACESSO À INFORMAÇÃO E O DEVER DE PROTEÇÃO À INTIMIDADE

A Lei nº 12.527/2011 tem por objetivo regulamentar o acesso à informações de caráter público conforme previsão contida no art. 5º, XXXIII; art. 37, §3º, II; e art. 216, §2º, da Constituição Federal.

É cediço que a Carta Magna constitui um sistema de princípios e regras que se relacionam de modo coeso, apresentando uma unidade interna e mecanismos de resolução de aparentes antinomias que, eventualmente, emergem na instância de interpretação/aplicação do direito (Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: UnB, 1999, p. 49).

Emana da Constituição, tendo em vista a forma republicana de governo, o princípio da publicidade a ser observado pelo Poder Público. Nos dizeres de NOBERTO BOBBIO, o governo deve ser público, em público.

Consoante ensinamento de UADI LAMMEGO BULOS, “o princípio da publicidade administrativa tem por escopo manter a total transparência na prática dos atos da Administração Pública, que não poderá ocular do administrado o conhecimento de assuntos que o interessam direta ou indiretamente”(in Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 806).

O próprio texto constitucional consagra expressamente o contraponto ao princípio da publicidade na Administração, deixando claro que, assim como qualquer direito ou garantia fundamental, a transparência não é absoluta, dada a incidência de outros princípios e valores colidentes em situações pontuais.

Tem-se, assim, que a publicidade é a regra, sendo admitidas as exceções. No caso, aplica-se à Administração Pública a exceção prevista no inciso LX, do art. 5º, da CF, que estabelece a possibilidade de restrição de acesso à informação quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

Tal compreensão norteou o legislador federal ao dispor no art. 6º, inciso III, da Lei nº 12.527/2011 que, cabe aos órgãos e entidades do Poder Público, assegurar a “proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade e eventual restrição de acesso”.

A seu turno, na esteira do art. 3º, IV, da LAI, o Decreto nº 7.724/2012 apresenta o conceito de informação pessoal: “informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável, relativa à intimidade, vida privada, honra e imagem”.

Ao atender os ditames constitucionais e legais que impõem o dever de promover a divulgação de informações de ordem funcional, a Administração observará os limites decorrentes do direito fundamental dos servidores à proteção de sua vida privada.

Sobre o tema, há que se observar o disposto no art. 31 da LAI, in verbis:

Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:

I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e

II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

§ 2º Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.

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Em termos objetivos, sob pena de responsabilização (art. 31, §2º, da LAI), a autoridade competente, ao franquear o acesso às informações funcionais, deverá abster-se de disponibilizar aquelas informações que repercutam na esfera particular dos servidores, ainda que de forma indireta.

2.2. DA DELIMITAÇÃO DA RESTRIÇÃO DE ACESSO ÀS INFORMAÇÕES DE ORDEM PESSOAL

A partir da leitura da Lei nº 12.527/2011, não é clarividente o dever de divulgação dos dados remuneratórios dos agentes públicos.

A positivação de tal obrigação deu-se com o advento do Decreto nº 7.724/2012, que, materializando o exercício da competência regulamentar da Presidenta da República (art. 84, VI, CF), vincula tão somente os órgãos do Poder Executivo Federal.

O art. 7º, §3º, inciso VI, do Decreto nº 7.724/2012 prevê que deverão ser divulgadas, de forma individualizada, a remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo outras vantagens pessoais.

Conforme ensinamento consagrado na doutrina pátria, “remuneração é o montante percebido pelo servidor público a título de vencimentos e de vantagens pecuniárias. É, portanto, o somatório das várias parcelas pecuniárias a que faz jus, em decorrência de sua situação funcional” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 623.).

Subsídio trata-se da remuneração do membro de Poder, de detentor de cargo eletivo, dos Ministros de Estado e dos Secretários Estaduais e Municipais, consoante redação do art. 39, §4º, da Constituição.

Em complemento, vantagens pecuniárias são as parcelas pecuniárias acrescidas ao vencimento-base em decorrência de uma situação fática previamente estabelecida na norma jurídica pertinente. Em suma, são vantagens pecuniárias os adicionais e as gratificações.

Pode-se, a bem da verdade, subdividir tais vantagens em “parcelas variáveis” (que correspondem à retribuição pelo desempenho de funções especiais que fogem da rotina burocrática: hora-extra, função comissionada, diárias, gratificação por encargo de curso ou concurso, auxílio alimentação, auxílio creche, etc.) e “vantagens pessoais” (adicional de tempo de serviço, adicional de especialização, VPNI, entre outras).

Em razão de regras constitucionais e legais, incidem sobre a remuneração e o subsídio alguns descontos obrigatórios, como a contribuição previdenciária e o imposto de renda.

A retribuição pecuniária devida ao agente público é, portanto, expressada em dois termos: “bruto” e “líquido”.

Destarte, cabem as seguintes indagações:

a) quais seriam os dados remuneratórios passíveis de divulgação, tendo em vista a necessidade de proteção às informações pessoais dos servidores?

Considerando que são informações pessoais aquelas relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem do servidor, é cediço que deverá ser restringida a divulgação daqueles dados remuneratórios que permitam ao interlocutor ter conhecimento da destinação conferida à remuneração pelo agente público. Como exemplo, despontam as deduções pessoais referentes às pensões alimentícias e demais consignações (empréstimos, planos de saúde, associações esportivas, seguros, etc). Cumpre esclarecer que deverá ser restrita a informação quando seja constatado que a divulgação poderá fornecer elementos suficientes ao interlocutor que o possibilitem a, de forma indireta, deduzir a destinação da remuneração.

Portanto, não há dúvida relativa à publicidade das informações referentes à remuneração bruta do servidor, bem como as parcelas que a integram.

Nesse sentir, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 3902, é categórico ao afirmar que o objeto de interesse público é apenas a remuneração bruta dos cargos e empregos titularizados pelo servidor público.

b) quais os dados remuneratórios enquadram-se no conceito de informações pessoais?

Não deverão ser divulgados, por enquadrarem-se no conceito de informações pessoais, os dados remuneratórios correspondentes aos descontos facultativos (empréstimos, planos de saúde, associações esportivas, seguros, etc), bem como a quantia monetária relativa à retenção de imposto de renda, porquanto, valendo-se do conhecimento do valor do vencimento-padrão concernente ao padrão funcional do servidor (informação pública), será possível calcular a alíquota de desconto e, dessa forma, mensurar a dedução na base de cálculo correspondente aos dependentes registrados, chegando-se, assim, ao seu quantitativo, de acordo com o disposto no art. 12-A da Lei nº 7.713/1988 e art. 3º, incisos I e II, da Instrução Normativa RFB nº 1.142, de 31 de março de 2011.

Ora, além de o dado sobre o quantitativo de dependentes constituir-se como informação relativa à vida privada, incide sobre a espécie a proteção ao sigilo fiscal consagrado pelo art. 5º, XII, da CF, que liga-se, diretamente, à ideia de proteção à vida privada do cidadão.

Da mesma forma, em vista da necessidade de evitar a disponibilização de elementos que possibilitem ao interlocutor deduzir a destinação da remuneração, não deverá ser divulgada a remuneração líquida percebida pelo servidor, porquanto tal dado poderá gerar o conhecimento indireto dos descontos facultativos e do valor da retenção do imposto e de renda.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, é possível concluir que:

a) ao atender os ditames constitucionais e legais que impõem o dever de promover a divulgação de informações de ordem funcional, a Administração observará os limites decorrentes do direito fundamental dos servidores à proteção de sua vida privada;

b) sob pena de responsabilização (art. 31, §2º, da LAI), a autoridade competente, ao franquear o acesso às informações funcionais, deverá abster-se de disponibilizar aquelas informações que repercutam na esfera particular dos servidores, ainda que de forma indireta;

c) deverão ser divulgadas as informações referentes à remuneração bruta do servidor, bem como as parcelas que a integram;

d) deverá ser restrita a informação quando seja constatado que a divulgação poderá fornecer elementos suficientes ao interlocutor que o possibilitem a, de forma direta ou indireta, deduzir a destinação da remuneração;

e) não deverão ser divulgados, por enquadrarem-se no conceito de informações pessoais, os dados remuneratórios correspondentes aos descontos facultativos (empréstimos, planos de saúde, associações esportivas, seguros, etc), bem como a quantia monetária relativa à retenção de imposto de renda, porquanto, valendo-se do conhecimento do valor do vencimento-padrão concernente ao padrão funcional do servidor (informação pública), será possível calcular a alíquota de desconto e, dessa forma, mensurar a dedução na base de cálculo correspondente aos dependentes registrados, chegando-se, assim, ao seu quantitativo.

Sobre o autor
Victor Aguiar Jardim de Amorim

Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD, CERS e Polis Civitas. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Foi Assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações, constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013, responsável pela elaboração do PLS nº 559/2013 (2013-2016). Membro da Comissão Permanente de Minutas-Padrão de Editais de Licitação do Senado Federal (desde 2015). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Advogado e Consultor Jurídico. Autor das obras "Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência" (Editora do Senado Federal) e "Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019" (Editora Fórum). Site: www.victoramorim.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Victor Aguiar Jardim. A repercussão da Lei de Acesso à Informação na divulgação dos dados remuneratórios dos servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3269, 13 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21998. Acesso em: 5 nov. 2024.

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