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Reflexos do neoconstitucionalismo na política ambiental brasileira

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Agenda 18/06/2012 às 09:28

3. O neoconstitucionalismo e seus reflexos sobre a política ambiental.

O neoconstitucionalismo tem sido considerado um fenômeno que tem marcado o debate teórico e prático de diversos países, embora com variações significativas, a ponto de se considerar ter ocorrido uma mudança no Estado Democrático de Direito, melhor denominado Estado Constitucional de Direito, na medida em que aponta para um novo padrão de relação entre direito e democracia. Como bem recorda Telêmaco César de Oliveira Jucá[9], trata-se do reconhecimento da força normativa da constituição, originado após a segunda guerra mundial. Ou seja, a Constituição conteria normas-princípios que condicionariam a atuação do Estado, por meio de certa ordenação valorativa (igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, etc.) e de objetivos (normas de cunho programático). Em outro sentido, ter-se-ia a emergência de uma nova hermenêutica constitucional, comprometida com a efetividade de suas normas, e que desenvolvesse técnicas hábeis a trabalhar com valores constitucionalizados, de modo a aplicá-los a casos concretos.

Ainda sobre esta questão, Luis Roberto Barroso[10] destaca que o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados: 1) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; 2) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e 3) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.

É de conhecimento amplo que a Constituição Federal de 1988 assumiu um compromisso marcante com a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tanto que pela primeira vez na história das constituições dedicou um capítulo exclusivo à matéria e espalhou por quase todo seu texto a preocupação com um desenvolvimento estatal sustentável. Por esse motivo recebeu também a alcunha de Constituição Verde.

Não obstante todo este cuidado em sede constitucional o meio ambiente do país vem sendo agredido dia após dia, o que revela que algo precisa ser feito urgentemente para mudar este quadro de descaso e inoperância dos órgãos ambientais.

Neste sentido, vale frisar a reflexão de Ioberto Tatsch Banunas[11], para quem é possível identificar na retórica dos administradores certa dicotomia: ora estão preocupados com a questão ambiental, da mesma forma que, muitos deles, ora estão comprometidos com os tomadores de recursos naturais. Também, se observa que a pressão comunitária, em especial os novos movimentos sociais, tem alavancado o desgaste da imagem dos pseudo-administradores que não provêem as medidas de precaução ao colapso ambiental.

O neoconstitucionalismo ambiental representa um movimento no qual se assenta a idéia da instituição de um inevitável e necessário Estado de Direito Ambiental. Neste sentido, todo o conjunto de disposições constitucionais relativas à defesa ambiental evocaria um clamor pela efetividade de seus comandos e preceitos, de modo que uma mudança de paradigma houvesse nesta matéria. Como um dos alicerces do neoconstitucionalismo é a interpretação constitucional, seria esta a alma do novo corpo da política ambiental.

Para a plena concretização do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é necessário que seja adotada uma série de medidas a curto e longo prazos, sendo a mais importante delas sem dúvidas a educação. A educação funcionará como um forte catalisador de mudanças, atuando em duas frentes: a) a educação para a formação econômica, e b) a educação para a formação do cidadão, incluindo a educação ambiental. Não basta apenas a educação ambiental para que possamos colher os frutos de uma sociedade mais participativa em matéria ambiental. É necessário também que o Estado resolva um grave problema, que é a da falta de emprego e da baixa escolaridade da população brasileiro. O ensino tem que passar por uma ampla reformulação, de sorte que possa tornar-se fonte de inclusão social e econômica, ou seja, que o ensino público seja um ensino de qualidade.

Neste sentido, se faz imprescindível que o primeiro passo seja a formação de uma massa crítica ambiental. A partir de então, a própria sociedade ditará os passos para a implementação de uma política ambiental eficiente.

Para a concretização desta idéia, mister se faz que as escolas, os pais e a sociedade como um todo ensinem valores tais como a solidariedade e a sustentabilidade. A solidariedade é a raiz do respeito ao próximo e ao meio ambiente. Na medida em que me torno consciente de que o que não me faz mal pode fazer mal a outrem me torno mais humano e mais solidário. Este comportamento é a raiz para o estabelecimento de um desenvolvimento realmente sustentável.

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Em um período em que respeitar o meio ambiente é tratado por muitos como um mal necessário ou como uma oportunidade de negócios, a ética ambiental ainda encontra-se fracamente estabelecida. Um sistema de produção, movido pelos lucros e pelo crescimento a todo custo tem, gradativamente, assustado o mundo no que tange ao esgotamento dos recursos naturais e na sua impotência para realizar um desenvolvimento realmente sustentável.

Ainda segundo Ioberto Tatsch Banunas[12], em oposição ao Estado Liberal, está-se evoluindo para um Estado em que almeje o bem-estar ambiental de sua sociedade. Assim confirma-se o preceito presente na Declaração do Meio Ambiente de Estocolmo, ditada pela ONU e pela UNESCO em 1972: “Todos os seres humanos têm direito a um meio ambiente adequado a sua saúde e bem-estar”. Este emergente Estado Ambiental, na opinião deste autor, está baseado em experiências pluricasuais, devendo-se implementar em sua complexidade o princípio da solidariedade econômica social, visando o desenvolvimento sustentável, no qual a igualdade entre os homens e o justo uso do patrimônio natural alicercem a via para o bem-estar social ambiental das futuras gerações.

Ainda na esteira do Estado de Direito Ambiental, vale destacar a exposição de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer[13] quando explicam que a Constituição Federal de 1988 (art. 225, caput, c/c o art. 5º, §2º) atribuiu à proteção ambiental e – pelo menos em sintonia com a posição prevalente no seio da doutrina e da jurisprudência – o status de direito fundamental do indivíduo e da coletividade, além de consagrar a proteção ambiental como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado – Socioambiental – de Direito brasileiro, sem prejuízo dos deveres fundamentais em matéria socioambiental. Os referidos autores, falam ainda, da necessidade de se assegurar um mínimo existencial ecológico ou sócio-ambiental.

Esta nova forma de pensar a estrutura do Estado encontra espaço na doutrina de boa parte do mundo ocidental. Em Portugal, Maria da Glória F. P. D. Garcia[14] explica que o Estado Ambiental parece tender para uma cultura de vida e sua continuidade, despertada por uma reflexão ética, uma cultura de reflexão e criatividade, em razão de uma compreensão mais funda e exigente da pessoa humana, e uma cultura de gestão de bens escassos. Para ser válida a ação estatal, deve-se, na opinião desta autora, dar vida ao princípio, ou norma pré-estabelecida, ao encontrar na situação a que se dirige, referências factuais (Standards) que, iluminando a situação, fazem com que a ação se descubra a partir do princípio.

Da leitura destas breves linhas, pode-se afirmar, a título conclusivo, que o neoconstitucionalismo ambiental a que se refere este breve ensaio trata-se de uma nova forma de enxergar o direito constitucional ambiental, mais pautado nos valores intrínsecos dos princípios ambientais do que no positivismo jurídico-ambiental. Não se pode reduzir a tutela jurídica em matéria ambiental ao formalismo positivo. Neste aspecto, o sistema constitucional brasileiro abre espaço para a realização de reformas macroestruturais na Política Nacional do Meio Ambiente, visando que suas normas e seus instrumentos se transportem do papel para a realidade fática.


4. Regulação ambiental: maior compatibilidade com o novo direito constitucional ambiental?

A eficiência ambiental é um tema novo assim como a regulação ambiental. Constitui forma de garantia e efetividade do artigo 225, §1º da Constituição Federal de 1988, que determina ser incumbência do poder público a exigência de estudo prévio de impacto ambiental (daí o caráter preventivo) sempre que uma determinada obra ou atividade for considerada com capaz de causar significativa degradação ambiental. Note-se que o constituinte até admite o impacto ambiental, até porque toda e qualquer intervenção humana no ambiente natural causa desequilíbrios, por menores que sejam. Diante deste quadro, percebe-se que a Constituição brasileira não é “ecoxiita”, ela apenas se preocupa com aquele dano capaz de alterar sobremaneira as características ambientais a ponto de revelar reflexos prejudiciais à sociedade humana.

Percebe-se diante do exposto, que a Constituição brasileira assegura a adoção de medidas por parte do Estado para proteger o homem, uma vez depende dos valores humanos para a determinação do que é impacto ambiental significativo ou não. Em termos filosóficos, um impacto significativo para determinados seres vivos pode não ser para os humanos. Faz-se esta exposição apenas para mostrar que apesar de ser considerada uma “Constituição verde”, a Constituição Federal de 1988 quis delimitar o espaço de discricionariedade das políticas ambientais aos interesses humanos.

Pelo que se observa, é possível a instalação e operação de obra ou atividade sem que se tenha a exigência de estudo prévio de impacto ambiental, desde que a Administração Pública, responsável pela análise do projeto, entenda (em seu juízo de discricionariedade) que tal empreendimento não é capaz de gerar significativa degradação ambiental.

Por esta razão, entende-se a existência do princípio da tolerabilidade do dano ambiental não significativo. Este fato, por si só gera preocupações, na medida em que se pensarmos em ingerências do Poder Público, motivadas por interesses escusos, nestes órgãos ambientais, os quais estão vinculados, direta ou indiretamente à Administração Pública Direta, verificar-se-á a fragilidade deste sistema.

A regulação ambiental é algo que merece especial atenção, principalmente devido às conseqüências que podem advir de uma ausência do Estado na correção de irregularidades, de uma falta de planejamento e da ausência de regulamentação quando as leis em sentido formal não forem aptas a evitar danos presentes e futuros.

A fiscalização constitui parte do poder de polícia do Estado, correspondendo à ação de verificação da conformidade entre as condutas praticadas ou não praticadas (omissão) com o que está previsto na hipótese legal, de modo que seja possível a aplicação das medidas corretivas necessárias ou, se for o caso, a aplicação de sanções. Constitui instrumento hábil para a concretização de políticas públicas ambientais e para a efetividade de diversos princípios constitucionais em matéria ambiental, sendo os principais o da precaução e o do desenvolvimento sustentável.

Os limites da fiscalização ambiental estão traçados nas leis formais, ou seja, nos produtos legislativos ou nas normas com força de lei, enquanto válidas (medidas provisórias), tendo como regulamentos de execução, em alguns casos, Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. São estas as balizas para a atuação dos agentes responsáveis pela fiscalização ambiental.

Verifica-se que parte da doutrina considera fiscalização ambiental e regulação ambiental como sendo termos sinônimos. Tal fato não pode ser assim entendido em razão das marcantes distinções existentes entre ambos os institutos. É certo que não se tem no Brasil uma teoria da regulação , uma vez que a Constituição, em nenhum momento definiu parâmetros que caracterizasse as agências reguladoras de modo que sua natureza jurídica fosse identificada com elementos próprios.

O que se observa no Brasil é que cada uma das agências reguladoras possuem determinadas características, tendo apenas alguns pontos em comum, tais como mandato fixo de seus dirigentes, autonomia em suas decisões técnicas, entre outros. Desta forma, dúvidas não restam sobre a importância de uma reforma constitucional que possa estabelecer o regime jurídico das agências reguladoras. Tal fato, caso ocorra, certamente significará uma relevante contribuição para o desenvolvimento e melhoria das ações estatais em termos de regulação ambiental. Verifica-se então que a regulação ambiental constitui uma construção.

Já os limites da regulação ambiental estão traçados na própria Constituição Federal, sendo por esta razão uma atuação bem mais ampla do que a fiscalização ambiental. Seu principal objetivo é o motivo que leva a intervenção do Estado no domínio econômico e social, ou seja, o cumprimento da função social da propriedade, urbana ou rural.

Outro ponto, em termos de limites de atuação, que distingue a regulação ambiental da fiscalização é a função normativa dos órgãos administrativos independentes, que possuem a competência para editar normas, tanto por delegação normativa, quanto por atribuição própria, para dar cumprimento à fiel execução da lei, e ainda, para preencher as lacunas e omissões da lei, quando for necessário dar cumprimento aos deveres constitucionais do Estado (modificações trazidas pela EC nº 32/2001).

Desta forma, é possível afirma que os atos normativos e executivos das agências reguladoras têm por finalidade dar cumprimento a função social da propriedade, e ainda, proteger os direitos fundamentais da população, afastando toda e qualquer conduta atentatória aos princípios fundamentais da ordem constitucional brasileira, com ênfase no princípio da dignidade da pessoa humana.

Lançando-se sobre a temática aqui versada, Eros Roberto Grau[15] traz à tona interessante reflexão: “Resultam enriquecidas, destarte, as funções atribuídas à Administração, que já não se bastam no mero exercício do poder de polícia, consubstanciado na fiscalização do exercício de atividades pelos particulares, mas agora compreendem também o poder de estatuir normas destinadas à regulação desse mesmo exercício. Ao exercerem a função normativa que lhes incumbe, órgãos e entidades da Administração dinamizam o que tenho denominado capacidade normativa de conjuntura.”

Por se tratar de uma nova forma de enxergar a atuação do Estado, espera-se que os debates atuais sobre regulação ambiental levantados por boa parte da doutrina nacional, evoluam e sirvam de substrato para a consolidação de um mecanismo mais eficiente de controle a eventuais danos coletivos e de concretização das políticas públicas.

Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Reflexos do neoconstitucionalismo na política ambiental brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3274, 18 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22013. Acesso em: 22 nov. 2024.

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