A Lei nº 12.650, de 17 de maio de 2012 – originada pelo Projeto de Lei do Senado nº 234, de 2009, fruto dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia, criada com o objetivo de investigar e apurar a utilização da internet para a prática de crimes de pedofilia e a relação desses delitos com o crime organizado – incluiu o inciso V no artigo 111 do Código Penal.
Definiu-se, pois, que a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr “nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal”.
A nova legislação passou a ser conhecida como “Lei Joana Maranhão” – assim batizada pelos próprios parlamentares –, em razão de sua presença na sessão de votação do projeto, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na qual denunciou ter sido vítima de abusos sexuais por parte de seu treinador, quando tinha apenas nove anos de idade.
O intuito foi oferecer maior proteção, atendendo-se ao preceito constitucional contido no artigo 227, § 4º, da Carta Magna, à dignidade sexual do menor até sua maioridade, com a protelação do dies a quo da contagem da prescrição, na tentativa de se evitar que o molestador se beneficie da natural ausência de maturidade psicológica da vítima ou de sua autoridade reverencial em face dela em tal condição, o que, isolada ou conjuntamente, na maioria das vezes, acaba aniquilando ou viciando a vontade de delatar o crime sofrido. Propicia-se, com essa mudança, que a vítima possa revelar o molestamento em momento de maior autonomia e de menor efeito de repressões do abusador.
Cuidando-se de prazo prescricional, relacionado ao direito material, computa-se o dia do início, ou seja, a data em que o ofendido completar 18 anos, nos termos do artigo 10, do Código Penal.
Além disso, vale ressaltar que, por afetar direitos substanciais do acusado, referida inovação legislativa não pode retroagir seus efeitos a fatos praticados anteriormente à sua vigência, porquanto vigorante a garantia da irretroatividade da lei penal mais gravosa, prevista tanto no Código Penal (artigo 2º, parágrafo único), quanto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XL).
A partir da vigência da lei, que se deu com sua publicação, ou seja, em 18 de maio de 2012 (DOU nº 96, pág. 03), poderão suceder duas situações:
1.se o menor de 18 anos tem sua dignidade sexual ofendida e não é proposta a ação penal, o prazo prescricional somente começará a correr quando o ofendido completar 18 anos;
2.se o menor de 18 anos tem sua dignidade sexual ofendida e é proposta a ação penal antes dele completar os 18 anos de idade, o prazo prescricional começará a correr da data em que proposta a referida ação.
Na segunda hipótese, tratada na parte final do inciso V, a lei estabelece que antes dos 18 anos da vítima o prazo começa a correr “se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal”, o que afasta, como marcos delineadores, o simples encaminhamento da “notitia criminis” às autoridades competentes, a instauração de inquérito policial ou, ainda, o oferecimento da denúncia.
É que só se pode falar em início da ação penal com o recebimento da denúncia, pois este é o ato que triangulariza a relação jurídica entre as partes e o Juiz, estando tal momento, ademais, em consonância com a intenção legislativa de retardar ao máximo o termo inicial da prescrição na espécie.
Questão que poderá suscitar debate está relacionada com o alcance da alteração legislativa, pois crimes sob a rubrica “contra a dignidade sexual” só estão listados, por força das alterações introduzidas pela Lei nº 12.015/2009, no Código Penal.
Assim, os delitos sexuais, praticados contra crianças e adolescentes, previstos em legislação especial (por exemplo, artigo 240, do ECA), não podem ser atingidos pela regra jurídica inserta no inciso V, do artigo 111, do Código Penal, já que vedada a analogia in malam partem.
Malgrado tenha se objetivado neutralizar um dos fatores de impunidade nos crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, não se pode simplesmente desprezar que a medida, na prática, dificilmente ensejará resultados efetivos.
Tal arremate censurador refere-se à produção da prova, resultado de uma atividade humana para a formação da convicção do juiz acerca da existência ou não de um determinado fato, que no caso pode ter ocorrido há cinco, dez ou até quinze anos distantes do julgamento da causa.
Fácil intuir a tormentosa missão de arrolar testemunhas (até porque, se testemunha houvesse, a persecução penal instaurar-se-ia em contemporaneidade à prática delituosa e, como é cediço, delitos sexuais são, em geral, intencionalmente praticados na clandestinidade); o comprometimento do depoimento do ofendido pelo decurso do tempo; pela circunstância de o abuso ter sido perpetrado em época em que a vítima não possuía integral capacidade de entendimento; e a dificuldade na ultimação da prova material do crime.
Ademais, a idade de 18 anos, prevista no discutido inciso V, está em descompasso com a prevista nos crimes de estupro de vulnerável e de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (artigos 217-A e 218-A, do Código Penal), nos quais se vê assentada a premissa de que a pessoa, aos 14 anos de idade, tem completo discernimento em relação às praticas sexuais, podendo a tanto consentir validamente.
Em suma, apesar de a Lei nº 12.650/12 apresentar diminuto avanço e ostentar eficácia normativa, forçoso o reconhecimento de que sua aplicação não contemplará a esperada concretude social.