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Legitimidade ativa para propositura de ações de controle de constitucionalidade

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Agenda 02/08/2012 às 15:35

A Constituição de 1988 ampliou rol de legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade. Contudo, o STF fez restrições aos legitimados previstos na Constituição, sem que houvesse previsão para tanto.

INTRODUÇÃO

As Constituições escritas são características do Estado Moderno, podendo ser conceituadas como o conjunto de regras que disciplinam a criação de normas essenciais do Estado, em especial, as concernentes à organização dos entes estatais e ao procedimento legislativo. Nas palavras de José Afonso da Silva[1], a constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.

Sendo assim, qualquer norma dentro do ordenamento jurídico do Estado deve estar de acordo ao preceituado na Constituição. Como assinala Jorge Miranda, citado por Gilmar Ferreira Mendes[2], constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação, isto é, a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido. Não se cuida, porém, de uma relação lógica ou intelectiva, adverte o mestre português, mas de uma relação de caráter normativo e valorativo.

Para garantir a compatibilidade dos atos normativos com a Constituição, os Estados desenvolveram o controle de constitucionalidade, que pode ser definido, em síntese, como o conjunto de mecanismos jurisdicionais e/ou políticos empregados para garantir a supremacia da Constituição.

Fala-se em controle de constitucionalidade político, também denominado de modelo de controle francês, quando o controle de constitucionalidade é efetivado por órgão político e não jurisdicional, como no caso da atividade de controle de constitucionalidade realizada pelas Casas Legislativas, bem como no veto oposto pelo Executivo a projeto de lei, com fundamento em inconstitucionalidade da proposição legislativa (art. 66, § 1º, CF).

Por sua vez, o sistema de controle jurisdicional dos atos normativos é efetuado por órgão integrante do poder judiciário ou por Corte Constitucional, por meio de um único órgão jurisdicional ou de uma Corte Constitucional (no caso brasileiro, pelo Supremo Tribunal Federal), ou por qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um caso concreto. No primeiro caso, o controle é denominado concentrado (ou austríaco) e no segundo, difuso (ou americano). Deve-se ter em mente, porém, que nem sempre esses sistemas são excludentes, havendo sistemas em que há combinações de elementos de ambos, dando origem aos chamados sistemas mistos, como, por exemplo, o brasileiro e o português.

Nas diversas conformações, os sistemas de controle de constitucionalidade estão presentes em inúmeros países, porquanto a existência de controle está intrinsecamente ligada à idéia de Constituição como fundamento interpretativo e legitimador do ordenamento.[3]

O objeto de estudo do presente trabalho é o controle de constitucionalidade jurisdicional concentrado, especificamente o que se refere à legitimidade ativa para propor ações de controle de constitucionalidade.

Inicialmente será feito um breve histórico do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade e posteriormente o estudo da legitimidade ativa das diversas ações previstas como mecanismos de controle.


1 BREVE HISTÓRICO:

O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro jurisdicional teve início já com a Constituição de 1891, sob a influência do constitucionalismo norte-americano, que previa o controle difuso, o qual foi mantido nas constituições sucessivas até a atual.

Nas constituições posteriores foram sendo acrescentadas inovações que fizeram com que o sistema se afastasse do puro critério difuso, adotando características do método concentrado.

A Constituição de 1934, sem excluir a previsão do critério difuso, passou a prever a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 7º, I, a e b). Além disso, trouxe a regra de que somente por maioria absoluta de votos dos seus membros os tribunais poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público (art. 179). Ademais, o Senado Federal passou a ter competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional em decisão definitiva.

Na vigência da Constituição de 1946, por meio da Emenda Constitucional nº 16, de 6.12.65, foi criada uma nova modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, de caráter genérico ao atribuir ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, apresentada pelo Procurador-Geral da República (art. 2º, k). Além dessa novidade, foi previsto que a lei poderia estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato municipal, contrários à constituição estadual (art. 19). Apesar dessa última inovação não ter prosperado como previsto, a Constituição de 1969 instituiu a ação direta interventiva para a defesa de princípios da constituição estadual, promovida pelo Chefe do Ministério Público do Estado e de competência do Tribunal de Justiça (art. 15, § 3º, d).

Com a Constituição de 1988 foram introduzidas duas inovações importantes: a primeira foi a inconstitucionalidade por omissão e a segunda foi o ampliação dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou por omissão. O que antes se restringia ao Procurador-Geral da República, passou a caber também ao Presidente da República, às Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembléias Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ao governador de Estado e do Distrito Federal, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Ainda na vigência da Constituição de 1988, com a Emenda Constitucional nº 3, de 17.3.93, foi criada a ação declaratória de constitucionalidade.

Destarte, com a significativa ampliação da legitimação para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103 CF), permitindo que importantes questões sobre a constitucionalidade sejam apreciadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, foi reduzido o significado do controle de constitucionalidade difuso.

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2 LEGITIMIDADE ATIVA NAS AÇÕES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI

Conforme dispõe o art. 103 da Constituição Federal de 1988, possuem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Governador do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Como já apontado, a Constituição de 1988 ampliou sobremaneira o rol de legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, fortalecendo esse tipo de controle de constitucionalidade abstrato de normas.

Cabe ressaltar que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, os legitimados acima expostos estão divididos em universais, com legitimidade ampla e em especiais com legitimidade vinculada à pertinência temática, a qual consiste na relação de causalidade entre a norma questionada na ação direta de inconstitucionalidade e os interesses juridicamente defendidos.

Neste sentido vale a pena verificar a decisão do STF:

EMENTA: Agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade. Confederação dos Servidores Públicos do Brasil e Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Ausência de pertinência temática. 1. Não há pertinência temática entre o objeto social da Confederação Nacional dos Servidores Públicos do Brasil, que se volta à defesa dos interesses dos servidores públicos civis, e os dispositivos impugnados, que versam sobre o regime de arrecadação denominado de "Simples Nacional". 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (ADI-AgR 3906/DF. Relator(a): Min. Menezes Direito. Julgamento: 07/08/2008) (negritou-se)

Assim sendo, devem apresentar pertinência temática: o Governador de Estado ou do Distrito Federal, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional e as Mesas da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Note-se que os demais são considerados legitimados universais.

Nesse ponto, verifica-se que o STF restringiu a legitimidade dos chamados legitimados especiais, condicionando-a à pertinência temática, sem que a Constituição Federal tenha feito qualquer menção a essa restrição.

Ainda em relação à legitimação para a propositura da ADI, cumpre observar a discussão acerca da legitimação das confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional, tendo em vista as questões suscitadas na jurisprudência da Suprema Corte brasileira. Observa-se que o STF entende que o constituinte decidiu por uma legitimidade limitada, não se permitindo que se convertesse o direito de propositura dessas organizações de classe em autêntica ação popular.[4]

O Supremo Tribunal Federal infere que o conceito de entidade de classe de âmbito nacional não se resume em uma definição simplista que possa ser aplicada a todas as associações representativas de interesses de classes, mas sim que é necessário aferir em cada caso concreto a real qualificação de eventual confederação ou entidade de classe de âmbito nacional que esteja propondo uma ADI.

Neste sentido, oportuno se faz o exame da decisão da Ministra Ellen Gracie a seguir:

DESPACHO: "1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Brasileira de Gastronomia, Hospitalidade e Turismo - ABRESI em face da Lei 12.519, de 02.01.2007, do Estado de São Paulo, que "proíbe a instalação, utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de máquinas caça-níqueis, de vídeo-bingo, vídeo-pôquer e assemelhadas, em bares, restaurantes e similares" (...) 2. A autora não cumpre o requisito da legitimidade ativa ad causam necessário para o ajuizamento da presente ação direta, uma vez que não se enquadra no conceito de entidade de classe de âmbito nacional delineado no art. 103, IX, da Carta Magna. Em diversos precedentes, este Supremo Tribunal Federal asseverou que para os efeitos do referido art. 103, IX, somente se considera entidade de classe aquela que reúne membros que se dedicam a uma só e mesma atividade profissional ou econômica. Confira-se, nesse sentido, a ADI 941, rel. Min. Sydney Saches, DJ 08.04.1994, a ADI 1.804, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 19.06.98 e a ADI 31, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 28.09.2001, dentre outras. (...) 4. Além disso, a legitimidade ativa ad causam da requerente ainda dependeria da comprovação de seu caráter nacional, que "não decorre de mera declaração formal, consubstanciada em seus estatutos ou atos constitutivos", pressupondo essa particular característica de índole espacial, "além da atuação transregional da instituição, a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação" (ADI 108, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 05.06.1992). 5. Ante todo o exposto, em face da ausência de legitimidade ativa ad causam da associação requerente, nego seguimento a esta ação direta de inconstitucionalidade, ficando prejudicada a apreciação do pedido de medida cautelar (...) (ADI 3850 / SP - Relator(a): Min. PRESIDENTE - Julgamento: 30/01/2007). (negritou-se)

Nota-se que na decisão acima o STF deixou assente que para os efeitos do referido art. 103, IX, somente se considera entidade de classe aquela que reúne membros que se dedicam a uma só e mesma atividade profissional ou econômica.

Além disso, a legitimidade ativa ad causam de uma confederação ou entidade de classe de âmbito nacional depende, ainda, da comprovação de seu caráter nacional, que não se pressupõe de mera declaração formal, consubstanciada em seus estatutos ou atos constitutivos, decorrendo essa particular característica de índole espacial, além da atuação transregional da instituição, a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação.

Do mesmo modo, não são admitidas como habilitadas constitucionalmente para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade organizações que não representam associados de uma mesma categoria, e sim entidades de natureza heterogênea[5].

No entendimento firmado pelo STF não se admite a legitimidade de pessoas jurídicas de direito privado que reúnam, como membros integrantes, associações de natureza civil e organismos de caráter sindical, por se entender que o conceito de instituições de classe devem ser constituídas pelos próprios integrantes de determinada categoria, e não apenas das entidades privadas constituídas para representá-los[6].

No mesmo sentido, não é reconhecida natureza de entidade de classe às organizações que se apresentam como associações de associações, porquanto pessoas jurídicas, ainda que coletivamente, não formam classe alguma. A ADI 79/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello sintetiza o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se a sua ementa:

Ementa AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM" - ENTIDADE DE CLASSE - NÃO CONFIGURAÇÃO - CARÊNCIA DA AÇÃO. - O controle jurisdicional "in abstracto" da constitucionalidade das leis e atos normativos federais ou estaduais, perante o Supremo Tribunal Federal, suscita, dentre as múltiplas questões existentes, a análise do tema concernente a quem pode ativar, mediante ação direta, a jurisdição constitucional concentrada desta Corte. - Entre a legitimidade exclusiva e a legitimidade universal, optou o constituinte pela tese da legitimidade restrita e concorrente, partilhando, entre diversos órgãos, agentes ou instituições, a qualidade para agir em sede jurisdicional concentrada (v. CF/88, ART. 103). Dentre as pessoas ativamente legitimadas "ad causam" para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade estão as entidades de classe de âmbito nacional (CF. art. 103, IX). - O Supremo Tribunal Federal tem salientado, em sucessivos pronunciamentos a propósito do tema, que não se qualificam como entidades de classe aquelas que, congregando pessoas jurídicas, apresentam-se como verdadeiras associações de associações. Em tais hipóteses, tem-se-lhes negado a qualidade reclamada pelo texto constitucional, pois pessoas jurídicas, ainda que coletivamente representativas de categorias profissionais ou econômicas, não formam classe alguma. Precedentes. A jurisprudência desta Corte tem salientado, ainda, que pessoas jurídicas de direito privado, que reúnam, como membros integrantes, associações de natureza civil e organismos de caráter sindical, desqualificam-se - precisamente em função do hibridismo dessa composição - como instituições de classe, cuja noção conceitual reclama a participação, nelas, dos próprios indivíduos integrantes de determinada categoria, e não apenas das entidades privadas constituídas para representá-los. Precedentes. - Entidades internacionais, que possuam uma Seção Brasileira domiciliada em território nacional, incumbida de representá-las no Brasil, não se qualificam, para os efeitos do art. 103 da Constituição, como instituições de classe. A composição heterogênea de associação que reúna, em função de explícita previsão estatutária, pessoas vinculadas a categorias radicalmente distintas, atua como elemento descaracterizador da sua representatividade. Não se configuram, em conseqüência, como entidades de classe aquelas instituições que são integradas por membros vinculados a estratos sociais, profissionais ou econômicos diversificados, cujos objetivos, individualmente considerados, revelam-se contrastantes. Falta a essas entidades, na realidade, a presença de um elemento unificador que, fundado na essencial homogeneidade, comunhão e identidade de valores, constitui o fator necessário de conexão, apto a identificar os associados que as compõem como membros efetivamente pertencentes a uma determinada classe. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem consignado, no que concerne ao requisito da espacialidade, que o caráter nacional da entidade de classe não decorre de mera declaração formal, consubstanciada em seus estatutos ou atos constitutivos. Essa particular característica de índole espacial pressupõe, além da atuação transregional da instituição, a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação. Trata-se de critério objetivo, fundado na aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, que supõe, ordinariamente atividades econômicas ou profissionais amplamente disseminadas no território nacional. Precedente: ADIN-386

Ressalte-se que essa orientação sofreu alteração no julgamento ADI-AgRg 3.153/DF, de relatoria também do Ministro Celso de Mello (o qual foi voto vencido), quando o Supremo reconheceu a qualidade de entidade de classe a uma federação composta por associações estaduais por vislumbrar caracterizada a defesa de interesse de categoria social. Atente-se para a ementa do referido julgado:

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: "entidade de classe de âmbito nacional": compreensão da "associação de associações" de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É entidade de classe de âmbito nacional - como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art 103, IX) - aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das "associações de associações de classe", de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade. (sublinhou-se)

Nota-se que não há um critério constitucional (nem mesmo legal) para definir os conceitos de entidade de classe de âmbito nacional e confederação sindical. Assim, o STF utilizou-se do parâmetro estabelecido pela lei dos partidos políticos, que fixa a necessidade de existência de membros em pelo menos nove estados da federação.

Trata-se de utilização de critério analógico para fixação do conceito de entidade de classe de âmbito nacional e confederação sindical. Importa indagar sobre a exatidão da utilização desse critério fixado pelo STF no exercício de sua atividade jurisdicional. Pode-se indagar, inclusive, se não seria uma restrição indevida da legitimação para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

Legitimidade do Governador de Estado e Mesa da Assembléia Legislativa

Conforme já mencionado, o STF tem entendido que para que o Governador de Estado e a Mesa de uma Assembléia Legislativa possam propor uma ADI, devem demonstrar pertinência temática da pretensão formulada com os interesses que representam.

Afigura-se, como já anotado, uma restrição da legitimação não prevista constitucionalmente. Cumpre assinalar que, por se tratar de um processo objetivo, não existe razão para essa limitação imposta pelo STF.

Além da pertinência temática, importa assinalar, ainda, que com relação ao Governador de Estado, o Supremo tem entendido que essa autoridade possui capacidade postulatória própria, decorrente de seu cargo, independentemente de advogado ou Procurador-Geral do Estado. Por entender que o direito de propositura é do Governador de Estado, uma ADI proposta pelo Procurador-Geral do Estado, sem a participação do Governador, não seria conhecida por ilegitimidade ativa[7].

Legitimidade ativa dos partidos políticos

A Constituição Federal de 1988 atribuiu legitimação ativa para propositura de ADI aos partidos políticos que possuam representação no Congresso Nacional. Note-se que essa representação pode ser de apenas um parlamentar, o que pode representar a defesa da minoria no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro.

Saliente-se, nesse ponto, que a aferição da legitimação é realizada no momento da propositura da ação, sendo que a perda de representação congressual não acarreta prejuízo para a ação, porquanto tratar-se de ação de natureza objetiva. Esse é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento das ADIs nº 2.159 e 2.618, de relatoria do Ministro Carlos Velloso.

3.2 Ação declaratória de constitucionalidade - ADC

O artigo 103, § 4º da Constituição Federal de 1988 estabelecia que poderiam propor a ação declaratória de constitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa as Câmara dos Deputados ou o Procurador-Geral da República.

Com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 houve extensão da legitimidade para a propositura da ADC a todos os legitimados da ação direta de inconstitucionalidade.

2.3 Argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF

A legitimidade ativa para a propositura da ADPF é a mesma da ADI e da ADC, conforme determina a Lei nº 9.882/1999.

Cumpre ressaltar nesse ponto que a versão aprovada pelo Congresso Nacional admitia a legitimidade ativa a qualquer cidadão. Entretanto, tal dispositivo foi vetado pelo chefe do Poder Executivo.

Entende-se que tal veto foi contrário aos princípios do Estado Democrático de Direito, tendo em vista que a defesa de preceito fundamental confunde-se com a defesa de direitos e garantias individuais. Verifica-se que a Corte Constitucional preocupa-se com a grande demanda perante o STF que a legitimidade ativa conferida ao cidadão poderia acarretar e tal fato realmente seria prejudicial aos trabalhos daquela Corte, entretanto tal restrição à defesa dos direitos e garantias individuais não se afigura a solução mais adequada.

Existem doutrinadores que propõem soluções para contornar o veto presidencial ao inciso I, do artigo 2º da lei nº 9.882/199. André Ramos Tavares[8] aponta a existência de duas modalidades de ADPF: autônoma (proposta perante o STF) e incidental (no curso de uma demanda originária). Dessa maneira, a despeito do veto presidencial, permaneceria a possibilidade de qualquer interessado, desde que no curso de uma ação, apresentar perante a Corte Suprema a questão constitucional relativa a um preceito fundamental, discutida em seu processo).

Vejam-se decisões proferidas pelo STF em sede de ADPF a esse respeito:

(...) A articulação da agravante não merece prosperar. Conforme anteriormente consignado, dispõe o artigo 2º da Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 199, poderem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade e entre estes, consoante o artigo 103 da Constituição Federal, não estão incluídos os cidadãos.

Vale notar que o precedente referido pela agravante guarda sintonia com a reclamação e não com a argüição de descumprimento de preceito fundamental. (ADI 226/RS, relator Min. Marco Aurélio)

(...) A Lei nº 9.882, de 03/12/1999, dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal.

A argüição há de ter ‘por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público’(art. 1º).(...)

2.Podem propô-la somente os ‘legitimados para ação direta de inconstitucionalidade’(art. 2º, inc. I).

Não é o caso do autor, pois não detém essa legitimidade em face do disposto no art. 103 e seus incisos da Constituição Federal.

3.o § 1º do art. 2º da Lei nº 9.882/99 acrescenta?’na hipótese do inciso II’- que, aliás, foi vetado-, ‘faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento de seu ingresso em juízo.’(Agravo em ADPF N. 11-4/ São Paulo, relator Min. Sydney Sanches)

Observa-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal tem feito uma interpretação literal do art. 2º da Lei nº 9.882/199, o qual, como já se disse, prevê para a ADPF os mesmos legitimados ativos da ADI e da ADC.

Vale ressaltar que no § 1º do mesmo art. 2º da referida lei, existe a previsão da possibilidade de qualquer interessado fazer uma representação perante o Procurador-Geral da República para que proponha a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Sublinhe-se, ainda, que o Supremo Tribunal entende que também para a ADPF vale a distinção entre legitimados especiais (os previstos nos incisos IV, V e IX da CF, quais sejam, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional) e universais (os demais previstos no artigo 103 da CF), tal qual aplicado à ADI e à ADC. Dessa maneira, os legitimados especiais devem demonstrar que, além de previstos no art. 2º, inciso I, da Lei nº 9.882/199, o direito defendido na ADPF tem pertinência temática com os direitos que defendem institucionalmente[9].

Destarte, para a ADPF valem as mesmas críticas anteriormente feitas sobre a restrição da legitimidade para a propositura da ADI e da ADC, agregando-se o fato de que tal restrição da legitimidade no âmbito da ADPF mostra-se como uma lesão ainda maior ao caráter democrático do sistema constitucional brasileiro, tendo em vista que a ampla legitimidade garantida constitucionalmente para a propositura de ações de controle de constitucionalidade, especificamente para a ADPF, visa a assegurar uma melhor capacidade de fiscalização dos atos do Poder Público no sentido da garantia do cumprimento dos preceitos fundamentais.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAKIYAMA, Tânia Takezawa. Legitimidade ativa para propositura de ações de controle de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22326. Acesso em: 5 nov. 2024.

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