Resumo: A lesão como novo defeito do negócio jurídico, trazida a lume pelo Código Civil de 2002, gera a anulabilidade da transação, desde que uma pessoa, sob premente necessidade ou por inexperiência, obrigue-se a prestação manifestamente desproporcional ao valor da contraprestação. Trata-se de mais um dos institutos do novel diploma civil calcado no princípio da socialidade, evitando o desequilíbrio contratual representado pela manifesta desproporção entre a prestação recebida por um dos negociantes em detrimento da prestação do outro, visando a proteção da própria dignidade da pessoa humana como sustentação do moderno direito civil constitucional.
Palavras-chave: Negócio jurídico. Defeito da vontade. Lesão. Nulidade relativa.
Sumário: 1. Introdução; 2. Análise dos elementos da lesão; 2.1. Os elementos subjetivos; 2.1.1. A premente necessidade; 2.1.2. A inexperiência contratual; 2.2. O elemento objetivo - manifesta desproporção entre as contraprestações; 3. A questão do dolo de aproveitamento por parte do negociante beneficiado; 4. Conclusão; Referências.
1. Introdução
Dispõe o Código Civil brasileiro de 2002:
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º. Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2º. Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
De acordo com a Professora Maria Helena Diniz, “o instituto da lesão visa proteger o contratante, que se encontra em posição de inferioridade, ante o prejuízo por ele sofrido na conclusão de contrato comutativo, devido à considerável desproporção existente, no momento da efetivação do contrato, entre as prestações das duas partes”[1].
O fator predominante para a caracterização da lesão é “justamente a onerosidade excessiva, o negócio da china pretendido por um dos negociantes, em detrimento de um desequilíbrio contratual, contra a parte mais fraca da avença”, na lição de Flávio Tartuce[2].
Do programa normativo estatuído no artigo 157 do Código Civil, a grande maioria da doutrina civilista extrai três elementos para a caracterização do negócio lesivo, segundo o destaque de Arnaldo Rizzardo: “I - a desproporção entre as prestações; II - a necessidade e a inexperiência; III - a exploração por parte do lesionante”[3].
Assim, podemos vislumbrar três requisitos para que a lesão se verifique como vício na formação do consentimento; dois de ordem subjetiva – a premente necessidade e a inexperiência do negociante prejudicado; e um de natureza objetiva – a manifesta desproporção entre as contraprestações devidas.
Em momento oportuno, será examinada a questão do dolo de aproveitamento por parte do negociante beneficiado, adiantando-se, todavia, que há considerável divergência entre doutrina e jurisprudência quanto à necessidade de sua presença para a verificação da lesão.
2. Análise dos elementos da lesão
2.1. Os elementos subjetivos
2.1.1. A premente necessidade
O primeiro elemento a ser perquirido acerca da existência da lesão é um daqueles apontados como de ordem subjetiva, representado pela premente necessidade do negociante prejudicado, que vicia decisivamente a vontade da parte contratante, podendo culminar com a anulação do negócio.
Trata-se de um elemento de natureza subjetiva pelo fato de estar ligado à formação volitiva de cada sujeito negociante, devendo ser apreciado de acordo com o caso concreto e no momento da formação do negócio jurídico.
A premente necessidade condiciona – de forma determinante e imediata – o ingresso da parte em certo negócio jurídico, por estar sujeita a uma situação que lhe impede de escapar da contratação em virtude de circunstâncias pessoais desfavoráveis.
Consoante afirmação de Sérgio Iglesias Nunes de Souza, “na lesão costumeiramente tem sido dito que se trata da necessidade econômica de contratar”[4], não sendo relevante o poderio econômico ostentado pela parte.
Veja-se o esclarecedor exemplo fornecido por Caio Mario da Silva Pereira:
A necessidade, de que a lei fala, não é a miséria, a insuficiência habitual de meios para promover à subsistência própria ou dos seus. Não é a alternativa entre a fome e o negócio. Deve ser a necessidade contratual. Ainda que o lesado disponha de fortuna, a necessidade se configura na impossibilidade de evitar o contrato. Um indivíduo pode ser milionário. Mas, se num momento dado ele precisa de dinheiro de contado, urgente e insubstituível, e para isto dispõe de um imóvel a baixo preço, a necessidade que o leva a aliená-lo compõe a figura da lesão. (...) A necessidade contratual não decorre da capacidade econômica ou financeira do lesado, mas da circunstância de não poder ele deixar de efetuar o negócio.[5]
Em conclusão, o elemento da necessidade do negociante prejudicado não se examina em cotejo com a capacidade de sua fortuna, mas sim levando em consideração sua premência em contratar no exato momento em que celebrou a avença.
2.1.2. A inexperiência contratual
Extraída da conceituação legal do fenômeno da lesão, a inexperiência contratual, segundo Antonio Jeová Santos é “a falta de perícia, ausência de prática, a falta de conhecimento no momento de contratar, da celebração do ato, desconhecendo o contratante o conteúdo do ato que está pactuando"[6], completando que:
A inexperiência surge de uma situação de desigualdade que existe entre as partes. Um é forte e profundo conhecedor do que está contratando; é o expert, o profissional; o outro é frágil, profano, que não tem aquele conhecimento técnico qualificado para contratar algo que, por suas particularidades, torna-o incapaz de compreender a extensão do ato.[7]
Nesta acepção, a inexperiência contratual está atrelada à imperícia para realização do negócio jurídico lesivo, esbarrando na simplicidade de um dos contratantes para com o objeto transacionado.
Frisamos que referida inexperiência não é estática e imutável, devendo sempre ser analisada por ocasião de cada nova negociação, e em virtude do objeto da prestação que o envolve.
Logo, a inexperiência, a exemplo da premente necessidade, deve ser analisada em dado momento, naquelas exatas condições de formação do negócio jurídico, já que é absolutamente plausível que o sujeito, com o passar do tempo, deixe de conjugar dos fatores de premente necessidade ou inexperiência que lhe perseguiam, estando apto, no futuro, a ingressar em negócios que serão válidos e dos quais se afastará a anulabilidade pela presença da lesão.
Ocorre que, especificamente quanto aos contratos eletrônicos, referida acepção restrita de inexperiência se mostra insuficiente, eis que sempre estaria presente em virtude de ser extremamente recente a informatização de nossa sociedade; vale dizer, os recentes e quase cotidianos avanços tecnológicos impõem a todos certo grau de inexperiência informática. Do mesmo modo, a ausência de contato pessoal por ocasião da negociação sinaliza que, quanto aos contratos eletrônicos, a análise da inexperiência para fins de configuração da lesão deve observar outros critérios, que não os ordinariamente utilizados.
Caio Mário da Silva Pereira[8], dando maior amplitude à conceituação de inexperiência, leciona que "também inexperiência não quer dizer incultura, pois que um homem erudito, letrado, inteligente, muitas vezes se acha, em contraposição com o co-contratante arguto, na situação de não perceber bem o alcance do contrato que faz, por escapar aquilo à sua atividade comum". E também refere acerca da inexperiência geral e da contratual, sendo que a primeira decorre "do grau modesto de desenvolvimento" e a segunda "se aferirá em relação à natureza da transação" e no tocante "à pessoa da outra parte"[9].
É esta inexperiência contratual, mais abrangente do que a inexperiência geral, a aplicável aos contratos eletrônicos. Porém, tratando-se estes de desenvolvimento de vínculo contratual com partes que fisicamente estão ausentes, a aferição da inexperiência ainda necessita de outros parâmetros. E referidos parâmetros, para a abordagem da inexperiência nos contratos eletrônicos, foram elencados por Sérgio Iglesias Nunes de Souza[10], a saber:
a) a habitualidade de realização de negócios contratuais eletrônicos realizados pela parte e/ou com semelhante identidade de natureza obrigacional àquela em que se argumenta a lesão; b) A idade da parte contratante e o sexo em relação à outra; c) As circunstâncias em que celebrou o contrato sob o aspecto de saúde física e mental, embora não implique situações de estado de incapacidade civil; d) aspectos sociais, de cultura geral e intelectual, formação profissional e inter-relação entre sua formação e o contrato eletrônico celebrado.
Por fim, insta esclarecer que os elementos subjetivos são alternativos à configuração da lesão. Em outras palavras, para que seja considerado viciado, o consentimento não precisa ser emanado de parte que esteja necessitada e seja inexperiente, bastando que uma das duas situações, aliada à desproporcionalidade das prestações, se verifique.
Do mesmo modo
[...] a hipótese abstrata da lei atribuindo a possibilidade alternativa é ampla e geral e não enseja um critério mais restritivo. Se a parte pode alegar um só dos requisitos para configurar a lesão, não quer dizer que não possa atribuir ambos os requisitos intrínsecos incidentes na hipótese para a sua configuração nos contratos eletrônicos. Se ela pode o mais, pode o menos.[11]
2.2. O elemento objetivo - manifesta desproporção entre as contraprestações
Identificados e aprofundados os elementos subjetivos da lesão, cumpre-nos agora analisar o elemento objetivo, qual seja: a manifesta desproporção entre as prestações pactuadas. E é de sua própria denominação que advém sua conotação objetiva, pois está atrelado à esfera material – a desproporção entre as obrigações assumidas por cada parte nos negócios jurídicos.
Marcos Bernardes de Mello afirma que o Código Civil “não estabeleceu critérios objetivos para que seja avaliada a onerosidade da lesão, a grandeza do prejuízo que o lesado sofreu, contentando-se em mencionar que haja uma manifesta desproporção entre a prestação a que se obrigou o lesado e a contraprestação do outro figurante”[12].
Num primeiro momento, para que se verifique o elemento objetivo, basta a averiguação de que uma das partes contratantes esteja sujeita a uma prestação manifestamente desproporcional ao valor da contraprestação. De um lado, um dos contratantes incorpora ao seu patrimônio vantagem excessiva; do outro, a parte adversa aceita ingressar em negócio que lhe provocará grave prejuízo, apenas diante de sua premente necessidade ou inexperiência, que vicia sobremaneira sua vontade, e, bem por isso, dá causa à anulação da relação jurídica ou à complementação do preço, o que implicará na conservação do contrato.
Ocorre que a desproporção entre as prestações nos negócios deve ser examinada com parcimônia, sobretudo em se tratando de práticas empresariais, haja vista a finalidade de lucro que as guia. Assim, a análise da desproporção das prestações contratuais, neste âmbito empresarial, deve ser analisada com cautela. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior[13] comenta que:
Não se pode exigir uma absoluta igualdade na equação contratual, porque no comércio jurídico é natural procurar-se o lucro que só é atingível se um dos contratantes exigir uma certa vantagem sobre o outro. O intolerável é a exorbitância do lucro, por meio de imposições que representem a exploração desonesta de uma parte sobre outra.
Assim, a desproporção deve ser – consoante previsão legal – manifesta, sob pena de ser entendida como o justo lucro advindo da negociação, sendo certo que não é este que a lei visa coibir, não viciando o negócio. Em verdade o elemento objetivo da lesão não reside na desigualdade das prestações, mas sim na manifesta, aguda, demasiada desproporção entre elas, que, presente, torna anulável o negócio jurídico.
A seu turno, a celebração de contrato lesionário, sob outro prisma, é também fonte de inaceitável enriquecimento sem causa, em vista da desproporção que apenas beneficia uma das partes da relação, situação vedada em nosso sistema jurídico, conforme a determinação do art. 884 do Código Civil. Também por este fundamento, o negócio deve ser anulado ou complementado o prejuízo, evitando, inclusive, que tal desequilíbrio possa ser fonte de repulsivo enriquecimento sem causa.
No que tange à época para apreciação da desigualdade, proposição deveras importante para análise da lesão nos contratos de trato sucessivo, Maria Helena Diniz[14] ressalta que "[...] deverá ser apreciada segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico (CC, art. 157, § 1º) pela técnica pericial e avaliada pelo juiz".
Com relação à possibilidade legal de convalidação do negócio jurídico lesionário em posição de alternatividade à sua anulação, insta transcrever os posicionamentos exarados pelo Conselho da Justiça Federal, ao aprovar os Enunciados n° 149 e 291, respectivamente, nas III e IV Jornadas de Direito Civil:
Enunciado nº 149: Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não a sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art. 157, §2°, do Código Civil de 2002.
Enunciado n° 291: Nas hipóteses de lesão previstas no art. 157 do Código Civil, pode o lesionado optar por não pleitear a anulação do negócio jurídico, deduzindo, desde logo, pretensão com vista à revisão judicial do negócio por meio da redução do proveito do lesionador ou do complemento do preço.
Desse modo, percebe-se que, diante de um contrato celebrado sob o vício da lesão, deve-se buscar sua convalidação, seja pela complementação do preço ou redução proporcional do proveito, com fulcro nas orientações supracitadas, nas disposições legais atinentes à própria lesão (§ 2º do artigo 157 do Civil), e, sobretudo, em respeito ao princípio da conservação do negócio jurídico[15].
A esse teor, para Carlos Roberto Gonçalves:
Mesmo que o autor postule somente a anulação do contrato, será facultado ao outro contratante ilidir a pretensão de ruptura do negócio, mediante o referido suplemento suficiente para afastar a manifesta desproporção entre as prestações e recompor o patrimônio daquele, salvando a avença. Competirá ao juiz decidir se o suplemento foi ou não suficiente para evitar a perpetuação do locupletamento.[16]
Assim, com fundamento no princípio da conservação supracitado, embora eivado de vício – sabidamente sanável – podem as partes concordar com a complementação do preço ou com a redução do proveito, a fim de afastar a desproporção nas prestações, que evidencia o elemento objetivo da lesão.
Por fim, Sérgio Iglesias Nunes de Souza[17] leciona que devemos realizar a leitura da “[...] desproporcionalidade das prestações de modo não isolado aos demais requisitos intrínsecos da lesão, porém, objetivamente, porque esses elementos atuam de modo dinâmico para a configuração dessa desproporcionalidade”, arrematando que:
A situação pessoal e interna do indivíduo está relacionada ao dinamismo dos requisitos subjetivos, isto é, a inexperiência ou a necessidade. Do ponto de vista objetivo, é o descompasso entre o valor real e o valor ajustado pelos contratantes. Contudo, dependerá da tensão da apuração de quando e como poderá ser considerado o valor real em desacordo com o valor ajustado pelas partes, sob o prisma da interrelação das partes contratantes e a realidade econômico-social, isto é, entre o preço avençado e o vero valor do bem material ou imaterial.[18]
3. A questão do dolo de aproveitamento por parte do negociante beneficiado
Cumpre-nos agora verificar a existência ou não do suposto elemento normativo para a configuração da lesão.
Requestado por parcela da doutrina civilista[19] – a despeito da carência de previsão legal – o dolo de aproveitamento pode ser conceituado como a ciência, por parte do contratante que se pretende ver beneficiado pelo negócio jurídico lesivo, de quaisquer dos elementos subjetivos ou objetivo que integram a lesão e estudados nos tópicos supra.
Em outras palavras, é o conhecimento da premente necessidade ou inexperiência contratual, aliadas à manifesta desproporção da prestação, conscientemente quista pelo contratante beneficiado, com o propósito precípuo de ter para si a vantagem desproporcional no negócio comutativo.
Entretanto, seja pela falta de previsão legal, seja por redundar em estímulo a práticas comerciais desleais, a doutrina reputa mais acertada a inexigibilidade do dolo de aproveitamento para a configuração da lesão.
Nesse sentido, conforme salienta Maria Helena Diniz[20],
O Código Civil, por referir-se à lesão especial ou lesão-vício, dispensa, por sua vez, como vimos, a verificação e a prova do dolo da parte que tirou proveito com a lesão, ordenando a anulabilidade ou a possibilidade de complementação contratual, bastando, para tanto, que haja prejuízo (desproporção das prestações - requisito objetivo), prova da ocorrência do ato em caso de premência de necessidade, leviandade ou por inexperiência (requisito subjetivo). Daí ser a lesão objetiva, pois, juridicamente, pouco importará o fato de o outro contratante ter, ou não, conhecimento das condições de necessidade ou inexperiência da vítima. Não será preciso comprovação que houve dolo de aproveitamento (intuito de obter vantagem excessiva da situação do lesado) por parte do que tirou proveito.
Também destacando apenas dois os elementos necessários para a configuração da lesão, Antonio Jeová Santos[21] leciona que "a lesão é considerada em dois aspectos, concomitantemente: objetivo e subjetivo. Do ponto de vista objetivo, a lesão se configura a partir da desproporcionalidade entre as prestações envolvidas no negócio; da perspectiva subjetiva, faz-se necessário o estado deficitário de um dos contratantes, sua inexperiência, para que seja caracterizada a lesão".
Não bastasse a impossibilidade de averiguação da premente necessidade ou inexperiência contratual, afirma-se que o próprio ordenamento jurídico veda que se devasse a vida alheia, como corolário da proteção aos direitos da personalidade, notadamente à privacidade, intimidade e vida pessoal, e, sobretudo, nas relações jurídicas eletrônicas virtuais[22]. Conforme pontifica Sérgio Iglesias Nunes de Souza[23], “exigir do contratante uma postura de verdadeiro inquérito da vida alheia ou pesquisa de suas necessidades (econômica, p. ex.) ou inexperiência, ou o simples conhecimento acidental dessas circunstâncias, traduzem uma inviabilidade de ordem prática e jurídica”.
Por derradeiro, dada a possibilidade legal de convalidação do negócio jurídico lesionário, a teor do disposto no § 2º do artigo 157 do Código Civil, alega-se que teríamos um estímulo à deslealdade contratual, pois a parte que agiu dolosamente poderia ser beneficiada pela conservação do negócio jurídico, em flagrante discordância com o próprio princípio da boa-fé objetiva.
Nesse ponto, transcrevemos a salutar lição do autor supracitado, Sérgio Iglesias:
Se o dolo de aproveitamento fosse fundamento intrínseco para a configuração da lesão, o referido parágrafo seria um verdadeiro prêmio ao agente lesante, já que, não só em decorrência do princípio da conservação dos contratos, o negócio seria mantido, mas conceder-se-ia uma possibilidade àquele que agiu em abuso do exercício de um direito, obtendo uma possibilidade legal de furtar-se às sanções normativas mediante a simples retratação, estimulando a maior incidência de contratos lesivos eletrônicos ou tradicionais.[24]
Não se pode deixar de mencionar, entretanto, que, em recentíssimo v. acórdão, de 1º de dezembro de 2011, de relatoria da Eminente Ministra Nancy Andrighi, por votação unânime, no Recurso Especial nº 1.265.890, o C. Superior Tribunal de Justiça afirmou peremptoriamente a necessidade do dolo do contratante beneficiado para que se dê a possibilidade de anulação do negócio jurídico em virtude da lesão, in verbis:
A assertiva supracitada, no entanto, dá margem à averiguação da eventual existência de lesão, que, de acordo com o art. 157 do CC/02, sucede quando “uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Em sua origem, a ilicitude do negócio usurário era medida apenas com base em proporções matemáticas (requisito objetivo), mas a evolução do instituto fez com que se passasse a levar em consideração, além do desequilíbrio financeiro das prestações, também o abuso do estado de necessidade (requisito subjetivo). Ainda que esse abuso, consubstanciado no dolo de aproveitamento – vantagem que uma parte tira do estado psicológico de inferioridade da outra – seja presumido diante da diferença exagerada entre as prestações, essa presunção é relativa e cai por terra ante a evidência de que se agiu de boa-fé e sem abuso ou exploração da fragilidade alheia. Portanto, torna-se indispensável a avaliação das circunstâncias existentes no momento em que o ato foi praticado e em que medida influenciaram o ânimo do contratante. Em outras palavras, do ponto de vista psicológico, a conduta da parte contratante deve seguir um padrão socialmente aceito como apto à criação de relações jurídicas, sob pena de a sua manifestação não revestir o caráter efetivo de uma declaração de vontade, afetando o negócio jurídico no plano de sua validade. Na hipótese dos autos, o TJ/SC entende, pelo menos em relação aos danos morais, que o valor pago à recorrida ficou abaixo do que se obteria numa ação indenizatória. Portanto, essa desproporção entre o valor recebido e a renúncia ao direito de pleitear indenização complementar poderia, em princípio, indicar a existência de lesão. Contudo, há de se considerar que, com o acordo, a recorrida recebeu o dinheiro imediatamente, evitando anos de discussão judicial e, mais do que isso, a incerteza quanto ao êxito da ação. Além disso, não se pode cogitar a inexperiência da recorrida, visto que estava sendo representada por advogado, que teve participação ativa na transação, assistindo na negociação de valores e assinando o próprio acordo. Em suma, considerando as peculiaridades e os interesses envolvidos na negociação, bem como que qualquer acordo pressupõe renúncias recíprocas, o comportamento de ambas as partes se afigura absolutamente razoável, dentro de um padrão de conduta socialmente aceitável. Conclui-se, pois, pela ausência do requisito subjetivo essencial à caracterização da lesão. Acrescente-se, por oportuno, que a análise retro afasta não apenas o dolo de aproveitamento da recorrida, inerente à lesão, mas qualquer comportamento doloso lato sensu, enquanto causa geral de anulabilidade dos atos jurídicos. De fato, não se verifica o emprego, pela recorrente, de qualquer expediente ardiloso tendente a viciar a vontade da recorrida. (sublinhado)