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Constituição de milícia privada. Artigo 288-a do Código Penal: uma lei fadada ao fracasso?

Comentários à Lei nº 12.720/2012

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Agenda 16/10/2012 às 11:13

5.    Os núcleos do tipo do artigo 288-A do Código Penal: Constituir, organizar, integrar, manter ou custear

De acordo com Rogério Sanches Cunha:

 constituir (significa compor a organização, o grupo criminoso); organizar (é encontrar a melhor maneira de agir); integrar (é fazer parte); manter ou custear (significa sustentar, pagar o custo, não apenas financeiramente, mas com o fornecimento de materiais, instrumentos bélicos etc). Não importa o núcleo praticado, estamos diante de comportamentos cometidos por associados (fundadores ou não) do grupo criminoso.

O crime do artigo 288-A do Código Penal em sua modalidade “constituir”, o agente só responderá pelo referido delito depois de algum tempo juridicamente relevante. “Se participou da constituição, mas a organização não se prolongou minimamente, o fato é atípico eis que a tentativa não é punida. Responde nesse caso, se participou da constituição, a organização se manteve, mas depois o agente deixa tal organização. Isso porque o abandono posterior da organização não configura desistência voluntária, porquanto o crime já estava consumado”[39]

Com relação ao núcleo do tipo “manter”, é cediço que se exija uma conduta que efetivamente auxilie na organização criminosa. Assim, “se colaborou uma única vez, não estaria “mantendo”, exigindo-se uma reiteração de condutas”[40].

Ressalta-se que só é possível punir tal conduta daqueles que mantém ou custeiam a título de dolo.  De tal modo, o artigo 288-A do Código Penal não deveria incidir sobre aqueles que contribuem financeiramente para as milícias privadas em razão do medo provocado pela milícia local naquela região, pois muitas vezes aqueles que colaboram financeiramente com essas milícias são vítimas destas, pois tais milícias privadas geram um temor, praticamente obrigando a sociedade local a realizar alguma espécie de pagamento de cunho pecuniário.

Assim, a incidência do artigo 288-A do Código Penal nos núcleos do tipo manter e bancar deve ter incidência àqueles agentes que verdadeiramente contribuem financeiramente para a manutenção da milícia sem qualquer tipo de pressão de ordem psicológica.

As milícias estão organizadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas, Bahia, Espírito Santo, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Alagoas e Pará, conforme aponta o Jornal “O Globo”. Sua ação é especialmente verificada na zona urbana, mas também operam no meio rural, sendo contratadas por fazendeiros e grileiros, como ocorre nas regiões do Pará e do Mato Grosso do Sul. Nas áreas urbanas, ordinariamente proporcionam às comunidades suposta assistência em face de bandidos e traficantes, dos quais se livram sumariamente, utilizando homens, tempo, métodos e armas do poder público. Na sequência, tornam-se eles mesmos um perigo para a sociedade, passando a ameaçar todos os que não aceitam suas "regras" para receber "serviços" como fornecimento de gás, acesso à internet, etc – e aqui está o verdadeiro problema do artigo 288-A do Código Penal no que tange aos núcleos do tipo: manter e custear.

Entendemos que no caso dessas populações  humildes dominadas pelas milícias privadas que contribuem financeiramente para essas milícias não devem responder pelo artigo 288-A, haja vista que é reluzente o estado de necessidade nestes casos, que é causa excludente da ilicitude (artigo 24 do Código Penal). Tais populações carentes contribuem para as milícias privadas em razão do medo de assistirem suas vidas ceifadas pelos milicianos, pois não tendo outra alternativa de moradia, optam por preservar o bem mais valioso (a própria vida) em detrimento do outro bem juridicamente tutelado (paz pública).

 “O fundamento geral do estado de necessidade justificante é a necessidade de salvar o interesse maior, sacrificando o menor, em uma situação não provocada de conflito extremo”[41].


6.    Reflexos do artigo 288-A nas causas de aumento de pena implementadas pela lei 12.720/2012

A condição da “atividade típica de grupo de extermínio” deverá ser agora quesitada aos jurados no Tribunal do Júri na forma do artigo 483, inciso V do Código de Processo Penal, pois se trata de causa de aumento da pena. Antes da lei 12.720/12 essa condição não era quesitada, mas podia servir ao juiz como parâmetro para a fixação da pena-base. Valem ainda para a espécie os apontamentos feitos por GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

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Causas de aumento de pena: são circunstâncias legais, ligadas ao tipo penal, que provocam o aumento da pena, por cotas determinadas pelo legislador, porém aplicadas pelo juiz no momento da individualização da pena. Devem constar da denúncia ou queixa, permitindo a defesa do réu. Necessitam, ainda, ser acolhidas pela pronúncia. Após, precisam de sustentação em plenário pelo órgão acusatório” (Código de Processo Penal Comentado. 10ª ed. 2011. São Paulo: RT. p. 875) – grifos nossos.

O novo § 6º do artigo 121 (trazido pela lei 12.720/2012) diz que a pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou grupo de extermínio.

A intenção do § 6º do artigo 121 do Código Penal foi trazer que a milícia privada que cometeu homicídios dolosos não poderá justificar que atuou com a finalidade de prestar segurança para se ver livre da referida causa de aumento da pena. Assim, ainda que as milícias tenham atuado como justiceiros ou protetores informais da sociedade local, atuando onde o Estado está ausente ou se confunde com as ações criminosas, haverá incidência da nova causa de aumento de pena.

Cumpre observar que o § 6º do artigo 121 do Código Penal trouxe uma norma proibitiva de incidência da causa de diminuição da pena prevista no §1º do artigo 121, primeira parte do Código Penal (“Se o agente comete o crime por motivo de relevante valor social ou moral”) aos que aleguem terem matado sob o pretexto de prestação de serviço de segurança. Exemplo: grupo de matadores que resolveu eliminar uma quadrilha que vendia drogas e viciava vários alunos de um determinado colégio. Neste caso não poderá haver incidência da causa de diminuição da pena prevista no artigo 121, § 1º, primeira parte do Código Penal, mas haverá a incidência da causa de aumento de pena prevista no novo § 6º do artigo 121 do Código Penal.

Deve-se observar também que a inserção do § 6º do artigo 121 do Código Penal obstará o reconhecimento da qualificadora do § 2º, inciso I, in fine do artigo 121 do Código Penal (motivo torpe) no crime de homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, haja vista que agora tal conduta é prevista como causa de aumento de pena, evitando-se assim a ocorrência de bis in idem, vedado nessa hipótese, de forma implícita pelo artigo 8º. 4 do Pacto de São José da Costa Rica.

Outra novidade foi a inserção do § 7º ao artigo 129 (crime de lesão corporal) do Código Penal, que trouxe a seguinte redação: “Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4º e 6º do artigo 121 deste Código”. Na realidade a inovação desta nova causa de aumento da lesão corporal está localizada na remissão que fez ao § 6º do artigo 121 do Código Penal, ou seja, haverá incidência da causa de aumento na lesão corporal dolosa realizada por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou grupo de extermínio. Valem aqui, as mesmas observações já realizadas acerca do § 6º do artigo 121 do Código Penal, com as devidas adequações.


7.    Possibilidade de julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição das milícias privadas? – aplicação da lei 12.694/2012?

“A crescente incidência de ameaças e ocorrência de atentados á integridade física de juízes conduziram o legislador a editar a lei 12.694, de 24.07.2012 (com vacatio legis de 90 dias), estabelecendo mecanismos de proteção à magistratura”[42].

O cerne da norma protetiva encontra-se na “possibilidade de instauração de um colegiado de juízes em primeiro grau de jurisdição para a prática de atos processuais e tomada de decisões nos processos ou procedimentos que tenha por objeto crimes praticados por organização criminosa”[43].

Como já dito no decorrer deste trabalho, até o advento da lei 12.694, de 24.07.2012, não existia qualquer conceito de organização criminosa.

A lei 12.694/2012, em seu artigo 2º, conceituou organizações criminosas para fins de possibilidade de adoção dos mecanismos de proteção previstos na referida lei (lei 12.694/2012).

Aqui não é oportuno discutir se a lei trouxe o conceito de organização criminosa até mesmo para fins penais, ou só pra finas da aplicação da lei 12.694/2012, devendo ser tal discussão objeto de outro trabalho. Apenas a título de apontamento, Eugênio Pacelli de Oliveira entende o que se segue: Esclareça-se, por primeiro, que não se trata de um novo tipo penal (o de organizações criminosas). Não o é O artigo 2º da citada lei fez foi identificar certa modalidade de autoria de delitos, instituindo, por isso mesmo, regras procedimentais mais rígidas [...][44]”.

O artigo 2º, da apontada lei, considera organização criminosa:

 A associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.  

Denotem que pela leitura do dispositivo se a milícia privada possuir as características apontadas no artigo 2º da lei 12.694/2012 será possível aplicar os mecanismos nela previstos, em especial o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição, desde que  nesta hipótese o juiz singular indique os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.  

Ponto controvertido na doutrina diz respeito ao momento em que é possível a “instauração do colegiado, isto é, se apenas depois de instaurado o processo criminal ou se também é viável sua convocação no curso de procedimentos de investigação para deliberação sobre determinadas questões que podem surgir nessa fase, como, por exemplo, a decretação de prisão preventiva dos integrantes do “grupo” criminoso”[45]. Temos duas correntes a respeito:

1ª corrente – Norberto Avena: “Aderimos ao entendimento que o colegiado pode ser formado tanto no curso do processo quanto na fase investigativa. Não se ignora que a lei 12.694/2012, refere-se à instauração de colegiado para a prática de atos processuais (artigo 1º, caput), sugerindo, com isto, a necessidade de processo criminal já instaurado. Em outro momento, refere-se a lei a participação no órgão do juiz do processo (artigo 1º, § 2º). Não obstante estas previsões, deve-se levar em conta que a própria lei 12.694 autoriza a formação do colegiado em processos ou procedimentos (artigo 1º, caput). Como se vê, o uso da conjunção alternativa “ou” evidencia a possibilidade de estar em andamento um processo ou um procedimento, podendo este ser um inquérito policial ou investigação conduzida pelo Ministério Público, por exemplo”[46].

2ª corrente: Eugênio Pacelli de Oliveira: “A formação do Colegiado somente será possível na fase de processo e de execução penal, vedada a instituição na fase preliminar, de investigação, segundo se vê do quanto disposto no artigo 1º, caput, que faz referência expressa ao processo e procedimento, indicando a formação do colegiado para a prática de qualquer ato processual, e não de investigação[47].

Aderimos, data maxima venia, ao pensamento de Norberto Avena. Aliás, tendo em vista que é de suma importância a atuação de juízes colegiados em primeiro grau na apuração de constituição de milícia privada e os crimes por ela praticados desde a fase investigativa, pois se  deve angariar esforços e adotar medidas eficazes para preservar a segurança e a vida desses magistrados desde a fase investigativa (e não somente no decorrer do processo), haja vista, conforme já apontou a Ministra Eliana Calmon (corregedora nacional de justiça do CNJ), que as milícias estão por trás da maioria dos casos de violência contra magistrados brasileiros[48].


8. Título inadequado dado à lei 12.720/2012

“O título ‘Extermínio de Seres humanos’ da lei 12.720/2012 soa impactante, em especial em razão da palavra “extermínio”, que tem por significado central “eliminar” seres humanos”.

Dentro do contexto da lei, impende salientar que a palavra “extermínio” pode gerar um enquadramento errôneo no juízo de adequação dos fatos à nova lei, tendo em vista que para a caracterização das causas de aumento elencadas nos § 6º do artigo 121 e § 7º do artigo 129, ambos do Código Penal, e do crime de “Constituição de Milícia Privada” (artigo 288-A do Código Penal) não é necessário que o agente pretenda a eliminação ou tentativa de eliminação total de seres humanos ou de grupo nacional, étnico, racial ou religioso, no todo ou em parte. 

Assim, o crime em estudo não se confunde como o crime de genocídio (lei 2.889 de 1º de outubro de 1956), que tem por principal fundamento a intenção do agente, que é eliminar, ainda que parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci: “Não se trata de genocídio, pois não há um fim de eliminar todo um grupo social ou religioso, mas apenas determinada (s) pessoa (s)”.

Como bem assevera Guilherme de Souza Nucci: “há títulos criados para tipos penais que padecem da falta de criatividade, gerando até mesmo estranheza”[49] (como ocorreu no caso).

O título da lei deveria ser mais adequado, pois não visa somente punir “extermínio” de seres humanos (leia-se: homicídio), mas sim vários tipos de crimes praticados no contexto de uma milícia privada (no seu sentido lato), como se extrai da leitura do próprio artigo 288-A do Código Penal e do § 7º do artigo 129 do Código Penal.

Sobre o autor
Marcelo Rodrigues da Silva

Advogado. LL.M ("Master of Laws") em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em direito público com ênfase em direito constitucional, administrativo e tributário pela Escola Paulista da Magistratura (EPM). Especialista em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Especialista em direito público pela Escola Damásio de Jesus. Extensão Universitária em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito. Extensão Universitária em Recursos no Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor conteudista do Atualidades do Direito dos editores Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini. Possuiu vários artigos em revistas jurídicas, tais como Lex, Magister, Visão Jurídica, muitas das quais com matéria de capa. Colaborador permanente, a convite, da Revista COAD/ADV. Ex-Representante do Instituto Brasileiro de Direito e Política da Segurança Pública (IDESP.Brasil). Ex-estagiário concursado do Ministério Público de São Paulo. Fiscal do Exame Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Rodrigues. Constituição de milícia privada. Artigo 288-a do Código Penal: uma lei fadada ao fracasso?: Comentários à Lei nº 12.720/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3394, 16 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22822. Acesso em: 5 nov. 2024.

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