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Identificação criminal: banco de dados de DNA (Lei nº 12.654/2012)

Agenda 15/11/2012 às 15:21

Estuda-se a implementação da identificação criminal com coleta de material de perfil genético do indiciado e a criação de banco de dados, conforme a Lei nº 12.654/2012, apontando as dificuldades na maioria dos Estados.

Resumo: Discute a possibilidade de implementação da Identificação Criminal com coleta de material de perfil genético do indiciado e a criação do Banco de Dados respectivo, conforme diretrizes impostas pela Lei nº 12.654/2012, bem como aponta as principais dificuldades que se colocam para a maioria das Unidades da Federação.

Palavras-chave: identificação criminal – DNA – perfil genético - banco de dados – crimes hediondos – condenados – identificação civil – organizações criminosas – papiloscopia – papilas decadatilares - biometria – unidades prisionais – Instituto de Identificação – sigilo – controle judicial – investimento – iniqüidade – custeio.


A Constituição Federal que vigorou antes de 1988 permitia que todo indiciado em inquérito policial fosse identificado criminalmente, o que constituía praxe obrigatória nas Delegacias de Polícia,[1] inclusive para os autores de meras contravenções penais, que deveriam se permitir fotografar e deixar em formulário próprio, mediante entintamento das falanges, as marcas de suas papilas decadatilares.

O Constituinte de 1988, entrementes, entendendo se tratar de prática abusiva, que acarretava constrangimento desnecessário ao acusado, que nem sempre iria acabar condenado, inseriu a restrição contida no artigo 5º, inciso LVIII, da CR,[2] para que o civilmente identificado não se submeta à identificação criminal, a não ser em casos previstos em lei.

A primeira interpretação de “civilmente identificado” foi a da pessoa que tivesse deixado seus dados de registro civil, sua fotografia, sua assinatura e suas impressões digitais em banco de dados públicos, no processo de expedição de sua Carteira de Identidade, no pressuposto de que, possuindo essas informações, não haveria necessidade que o Estado as recolhesse na oportunidade do indiciamento criminal.

Isso aconteceu até que dois instrumentos normativos fossem editados, sucessivamente, a título de regular a identificação criminal, determinando em quais casos seria cabível e quais documentos seriam entendidos como identificação civil, relacionando-se, de maneira diversa, à potencialidade ofensiva do delito imputado e à confiabilidade do documento apresentado. (Lei nº 10.054/2000 e Lei nº 12.037/2009).

Para a Lei nº 12.037/2009, são documentos de identificação civil os elencados no seu artigo 2º, como exposto: Carteira de Identidade; Carteira de Trabalho; Carteira Profissional; Passaporte; Carteira de Identificação Funcional; outro documento público que permita identificação do indiciado; documentos de identificação militar.

A regra geral é, então, a de que possuindo qualquer das modalidades de identificação acima o indiciado/acusado/condenado não deve ser submetido ao processo de identificação criminal.

A mesma lei excetua e permite a identificação criminal dos civilmente identificados quando (artigo 3º):

1. O documento apresentar rasuras ou indícios de falsificação;

2.  O documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

3.  O indiciado possuir documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

4.  Constar nos registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes identificações;

5. O estado de conservação, o lapso temporal ou a distância da localidade de expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Entre os casos acima, no inciso IV do mesmo artigo 3º,[3] figura a hipótese, que se deixou para análise em apartado, da identificação criminal “essencial às investigações policiais”, que só pode ser decidida, quanto a essa natureza, por Autoridade Judiciária, “ex officio” ou a requerimento da Autoridade Policial ou de Representante do Ministério Público, o que, na realidade, acaba por engessar essa alternativa ao ponto quase de inviabilizar a sua prática, em face da agilidade requerida por algumas espécies de investigação e a contraposição da reconhecida morosidade dos processamentos judiciais.

Caso especial, em instrumento normativo diferente, é o previsto na  Lei nº 9.034/95, inspirada na legislação italiana e americana, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas e, no seu artigo 5º, determina que “a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil.” (realçamos). Impõe-se, aqui, a obrigatoriedade da identificação, externada na expressão “será realizada”, sem qualquer condicionante.

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A Lei nº 12.654, de 28 de maio de 2012, alterou disposições da Lei nº 12.037/2009, incluindo em seu artigo 5º, parágrafo único[4], autorização para que, na hipótese do inciso IV do artigo 3º, a identificação criminal possa incluir a coleta de material biológico para obtenção do perfil genético. Atente-se que a novel regra não determina a coleta de material como obligatio, mas como facultas agendi, quando se vale da expressão “poderá incluir” ao invés de “deverá incluir”.                                  De se notar que essa “faculdade” está restrita ao domínio do Juiz, posto que o material de DNA – ácido desoxirribonucléico – somente poderá ser recolhido (cabelo, saliva etc) mediante autorização judicial, em despacho motivado e fundamentado e, também, não se aplica de forma genérica às pessoas civilmente identificadas, constituindo-se situação inquestionavelmente excepcional.                                                                                                          Outra possibilidade para identificação criminal, com coleta de material genético, imposta pela Lei nº 12.654/2012, é a do condenado[5] por crime hediondo (L.8072/90 e L. 7210/84), ou qualquer outro praticado de forma dolosa, com grave violência contra a pessoa, que nessa circunstância poderá estar incluído o homicídio simples, na forma consumada ou tentada, que tem a vis corporalis como sua essência, apesar de não definido como hediondo, mas não se aplica aos delitos equiparados legalmente aos hediondos (art. 2º, L.8072/90),[6] primeiro porque não se encontram no rol taxativo do artigo 1º, da Lei 8.072/90 e, segundo, porque o tráfico de drogas, por exemplo, não se utiliza, em sumária avaliação do seu modus operandi, de grave violência física contra a pessoa.

A identificação do sentenciado, que a lei referida denomina apenas de “condenado”, a despeito de entendimentos doutrinários em contrário, não deverá excluir os condenados de forma provisória, não definitiva, sem trânsito em julgado da decisão condenatória, porque o legislador não fez essa restrição, deixando de colocar no texto legal a adjetivação “em definitivo”, subsequente ao substantivo condenado, quando poderia e deveria tê-lo feito, se esse fosse, realmente, o spiritus legis. Terminantemente não se aplica aqui, como alhures alegado, o princípio da presunção da inocência, para considerar a pessoa culpada somente após o trânsito em julgado de sua condenação, porque a lei já autoriza a identificação criminal dos meramente indiciados em inquérito, de autuados em flagrante delito, de pessoas “envolvidas” com a ação praticada por organizações criminosas, que a despeito da excepcionalidade determinada pela ausência de documento civil ou documentação inidônea, com a máxima obviedade, não possuem situação penal que possa ser considerada definitiva.A nova situação jurídica decorrente da Lei nº 12.654/2012, define de forma clara que:

a) A coleta de DNA dos indiciados continua sendo excepcional condição para os civilmente identificados (art. 1º), considerando-se como excludentes dessa possibilidade um rol dos mais diversos documentos, além da Carteira de Identidade;

b) A identificação criminal com coleta de material biológico só é obrigatória para os condenados por crimes de máxima lesividade, sendo opcional em todas as demais hipóteses, inclusive para os integrantes de organizações criminosas;

c) A necessidade classificada como essencial para as investigações será decidida exclusivamente pela Autoridade Judiciária e não pela Autoridade Policial (art. 3º, IV);

d) O Banco de Dados de DNA será gerenciado por Unidade da Perícia Criminal,[7] - leia-se Instituto de Criminalística - quando na maioria esmagadora dos Estados a administração de informações sobre identificação civil ou criminal das pessoas é de incumbência dos Institutos de Identificação (art. 5º A);

e) A constatação das evidências de perfis genéticos deverá ser consignada em laudo firmado por Perito Oficial,[8] excluindo-se por lógica primária, que o confronto de dados seja promovido pelos Papiloscopistas, Datiloscopistas, Identificadores ou de servidores com essa qualificação, de instrução de nível superior. No contexto anterior ao novo comando legal, estes eram os únicos incumbidos de atestar e certificar seus achados nas pesquisas para individualização das pessoas, por meio de seus dados biométricos ou marcas papilares, nos Institutos de Identificação da maioria das Unidades da Federação ou nos Núcleos de Identificação da Polícia Federal (art. 5º § 3º);

f) O Banco de Dados terá caráter sigiloso[9] e as Autoridades Policiais, Estaduais ou Federais, só terão acesso às suas informações, com inquérito instaurado, mediante autorização judicial, não sendo de sua livre utilização e de inteira acessibilidade, como os demais dados de identificação, submetendo o seu uso, mais uma vez, aos difíceis fluxos burocráticos do judiciário, decretando, assim, a sua baixíssima ou quase nenhuma utilidade para o Sistema de Justiça Criminal (art. 9º A, §2º, da L. 7.210/84).

A Polícia Civil e o Ministério Público, a dona da investigação e o fiscal dessa atividade, foram abolidos sumariamente do poder dominial sobre o arquivo de informações que lhes poderia e deveria servir como manancial inesgotável de evidências materiais, científicas, para instrumentalização de suas atribuições constitucionais.

O universo de pessoas condenadas criminalmente em Minas Gerais é dos maiores do país, ficando a cargo da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi),[10] que é responsável por gerir 27.965 presos, em 128 unidades prisionais de Minas Gerais, entre complexos penitenciários, penitenciárias, presídios, casas de albergados, hospitais e centros de apoio. Além disso, mantém 2.497 vagas em Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac). Dá pra se ter idéia da extensão do trabalho e do custo econômico para se promover a identificação de toda essa massa carcerária, em que não se incluem os presos provisórios, em número que supera os 15.000, em Cadeias Públicas, sob gerenciamento da Polícia Civil.

Em face de diversos aspectos polêmicos e complexos que a Lei nº 12.654/2012 apresenta para seu atendimento pela Polícia Civil, que deverá criar, instalar e manter, às suas expensas, o Banco de Dados de DNA, de exclusivo domínio do Judiciário, bem como que a mesma lei depende de decreto,[11] que deverá ser expedido pelo Executivo Federal, para disciplinar seu funcionamento e demais medidas de  implementação, deixando o assunto envolto em inquestionável nebulosidade, somos por concluir pela conveniência de que investimentos de maior porte somente sejam alocados após completa definição do tema através do instrumento normativo que se aguarda.

O Banco de Dados de DNA, como definido em lei, anacronicamente se distancia da lógica do compartilhamento das informações entre as Instituições que dele necessitam e por ele se interessam, além de distribuir o ônus de sua manutenção e o bônus de seu uso, de maneira completamente iníqua entre o Executivo e o Judiciário, devendo por isso ainda ser alvo de muitas e merecidas críticas.


Notas

[1]Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: ... VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes (CPP).

[2]  “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.”

[3] Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: ...

IV- a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

[4] “Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do artigo 3º, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para obtenção de perfil genético.”

[5] Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA – ácido desoxirribonucléico, por técnica adequada e indolor.

[6] Os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, tortura e terrorismo, mesmo não se incluindo na relação de crimes hediondos da Lei nº 8.072/90, são a eles equiparados, pois também são delitos cuja lesividade é acentuadamente expressiva.

[7] Art. 5º-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.

[8] § 3º As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.

[9] §2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.

[10] (www.seds.mg.gov.br , consulta em 02 Nov 2012);

[11] Art. 7º-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.

Sobre o autor
João Lopes

Delegado de Polícia (aposentado). Mestre em Administração Pública/FJP. Especialista em Criminologia, Direito Penal e Processual Penal. Professor do Centro Universitário Izabela Hendrix. Assessor Jurídico da Polícia Civil/MG.<br>Vice Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva-MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, João. Identificação criminal: banco de dados de DNA (Lei nº 12.654/2012). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3424, 15 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23022. Acesso em: 22 nov. 2024.

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