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O reexame necessário e a nova lei do mandado de segurança

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Agenda 20/11/2012 às 14:52

O reexame necessário tem perdido importância no processo civil, em face da estruturação das procuradorias em todos os âmbitos da federação. Só faz sentido a sua manutenção em casos excepcionais, para salvaguardar o interesse público, como está no anteprojeto do novo CPC.

Resumo: O presente artigo visa tratar do reexame necessário, realizando uma análise geral do tema, para a explicitação de sua função no âmbito do processo civil. A seguir, passa-se a análise da remessa necessária especificamente no âmbito do mandado de segurança, em face da nova lei e a possibilidade da aplicação das hipóteses de exceção à aplicação do reexame necessário inseridas no CPC.

Sumário: 1. Considerações introdutórias – 2. Função da remessa necessária – 3. Exceções a aplicabilidade da remessa necessária – Lei 10.352/2001 – 3.1. Hipótese de inaplicabilidade da remessa necessária nos casos de condenação não superior a sessenta salários mínimos – 3.2. Hipótese de inaplicabilidade quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula de tribunal superior – 4. Considerações acerca da remessa necessária no mandado de segurança. – 5. Conclusão - Referências


1. Considerações introdutórias

A remessa necessária foi introduzida originalmente no direito português no ano de 1355 pelo Rei D. Afonso IV, no direito processual penal. Àquela época o descumprimento da apelação ex-officio podia gerar inclusive, a perda do ofício pelo próprio juiz.

No Brasil, foi introduzida em 04.10.1831, onde o juiz deveria recorrer de ofício da sentença que fosse proferida contra a Fazenda Nacional, caso sua alçada fosse excedida. O reexame necessário foi mantido em diversos estados à época em que era deles a competência para legislar acerca do processo.

Foi mantida no CPC de 1939, em seu art. 822[1]. Manteve-se no CPC de 1973, havendo a mudança de denominação, passando a ser considerada uma condição de eficácia da sentença e não mais um recurso, pois não tinha natureza jurídica de tal remédio.[2]

Quando da promulgação do atual CPC, estavam previstas as hipóteses nas sentenças que anulassem o casamento, nas proferidas contra a União, Estado e Município, além da que julgasse improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

Com a Lei 10.352/2001, houve grandes alterações no tema, com a criação de algumas hipóteses onde não haveria a aplicação do reexame necessário, que serão examinadas em tópico específico.

Conquanto já tenha sido considerada como um recurso no CPC de 1939, atualmente é considerada pela maioria da doutrina como uma condição de eficácia da sentença. Esta tendência já foi observada quando da promulgação do atual CPC, com a mudança de apresentação do tema.

Em outros termos, havendo previsão para aplicação de reexame necessário e não sendo, no caso, observada tal determinação, a sentença não transita em julgado.

Em relação à forma de sua aplicação, deverá ser feita pelo próprio juiz, nos casos previstos no § 1º do art. 475, mesmo se não houver apelação. Inclusive, olvidando o magistrado de aplicá-la, poderá a parte apresentar-lhe simples petição ou comunicar o fato ao presidente do tribunal, que avocará os autos[3].

Esse caráter de condição de eficácia da sentença é reforçado pelo teor da súmula nº 423 do STF, cujo conteúdo é “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege”

Algumas razões de ordem lógica fazem com que a remessa necessária não possa ser classificada como recurso: (a) não atende aos princípios da taxatividade, dialeticidade e tempestividade; (b) não atende á definição de recurso, entendendo-se este como um “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna”.[4]

Assim, por faltar-lhe tanto o atendimento ao princípio da taxatividade, como da voluntariedade, é que se pode classificar o reexame obrigatório como um sucedâneo recursal[5], pois, nos termos de Araken de Assis, a inclusão de determinado instituto na categoria retro mencionada é feita de maneira excludente.[6] Assim, os remédios que servem à impugnação da decisão, mas que não se encaixam no requisito dos recursos,  devem ser inseridos na classificação de sucedâneos recursais.

O melhor encaixe desse instituto parece ser o de condição de eficácia da sentença, uma vez que, sendo caso de aplicação da remessa obrigatória e não o fazendo o magistrado, a sentença não irá transitar em julgado.[7]-[8]

Inclusive, sendo o caso e não havendo a aplicação da remessa necessária, sequer será possível a utilização da ação rescisória pela impossibilidade do trânsito em julgado da decisão, além do mais, não atende também o princípio da voluntariedade, uma vez que, sendo aplicada pelo magistrado, este não teria legitimidade e nem interesse para recorrer.

Conquanto não tenha natureza recursal, à remessa obrigatória é aplicável o princípio da proibição da reformatio in pejus, por força da súmula nº 45 do STJ, embora este entendimento tenha forte resistência por parte da doutrina.[9]

O entendimento do STJ parece ter como base a noção de que a remessa necessária é aplicada de modo a favorecer a Fazenda Pública, portanto, não haveria sentido em permitir a piora da situação em tais casos.[10]

Impende ressaltar que, mesmo não admitindo a reformatio in pejus, há a exceção, nos casos de matéria cognoscível ex officio, por força do efeito translativo, que, ao nosso ver, deve ser aplicável ao instituto ora em análise.

Assim, muito embora o efeito devolutivo seja aplicável à remessa necessária, não há como se refutar a aplicação também do efeito translativo, que permite ao magistrado de segundo grau reformar in pejus caso estejam presentes na causa, questões de ordem pública.[11]


2. Função da remessa necessária

A remessa necessária tem o objetivo de proteção ao erário, de modo a fornecer uma melhor tutela aos interesses da Fazenda Pública. Ou seja, a sua função é, na verdade de defender o patrimônio público para evitar que sejam proferidas decisões arbitrárias e que causem prejuízo ao erário.

Assim, será ela aplicada quando a sentença gerar ônus financeiro à Fazenda Pública, devendo haver uma re-análise pelo segundo grau de jurisdição. Vale lembrar que será sempre total, no sentido de toda a matéria desfavorável ao poder público ser devolvida ao tribunal.[12]

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A remessa necessária é justificada pelo princípio da igualdade em sua vertente material, ou seja, que os desiguais devem ser tratados na exata medida de suas desigualdades.[13]-[14]

No entanto, nos parece ser extremamente importante justificar essa pretensa desigualdade entre os particulares e a Fazenda Pública, pois a mera afirmação do princípio da igualdade não é suficiente para justificar a existência do reexame necessário.

Tal se afigura porque a própria constituição, em diversos momentos, tutela de maneira diversa o patrimônio público, por exemplo, os art. 23, inciso I e o art. 37, XXI. Pelo fato de a Carta Magna tutelar de maneira diversa a Fazenda Pública, assim também deve fazer o CPC, seguindo a orientação constitucional.

Quando atua, a Fazenda Pública o faz em proteção ao interesse público, o qual se superpõe ao individual, sendo necessária a existência de prerrogativas em tal atuação, justamente pela importância do interesse protegido nesses casos.[15]

Sendo necessário relembrar que, enquanto os interesses dos particulares são, em regra, disponíveis, os interesses da Fazenda Pública sempre serão indisponíveis. Neste ponto, impende trazer a lume importante conclusão de Jorge Tosta:

O particular, ao se conformar com uma sentença desfavorável, dela deixando de recorrer, está apenas exercendo um direito inerente à sua natureza de disponibilidade. O Procurador da Fazenda, contudo, ao não recorrer de uma sentença desfavorável, potencializa o risco ao patrimônio público, que a todos pertence e por isso mesmo não pode ser tratado como um bem disponível.[16]

Assim, não nos aparenta haver qualquer ofensa ao princípio da igualdade na existência do reexame necessário, pois visa ele proteger o erário, uma vez que a lei obriga ao reexame por órgão hierarquicamente superior, mesmo que não recorra o procurador.[17]

O que ocorre com o reexame obrigatório é a aplicação do princípio da igualdade em seu sentido material e a Fazenda Pública não pode ser tratada como um litigante comum, em face dos interesses protegidos por ela.

A iniciativa é proporcional, tanto é que a Lei 10.352/2001 operou uma mitigação na aplicação desse instituto, retirando as hipóteses em que não haveria interesse público de recorrer, pois, nesses casos, a aplicação do reexame necessário serviria apenas para protelar desnecessariamente a prestação jurisdicional. Consideramos que vieram em boa hora as reformas, justamente em face da introdução do direito à duração razoável do processo e pela busca de maior efetividade à prestação jurisdicional.

Por fim, ficam as conclusões de Barbosa Moreira ao analisar o instituto ora em comento:

Um ponto, ao nosso ver, resta firme: a inconveniência de eliminar o art. 475 em qualquer reforma futura do estatuto processual. Restrições podem ser admissíveis, e eventualmente digna de aplauso, desde que justificadas no plano da razoabilidade. A supressão pura e simples, em que pese a críticos muito qualificados, constituiria grave erro[18].


3. Exceções a aplicabilidade da remessa necessária – Lei 10.352/2001

A remessa necessária, quando da promulgação do Código Buzaid, tinha uma aplicabilidade bem mais ampliada do que a existente na atualidade, pois era, nos termos da redação anterior do art. 475 do CPC, aplicável às sentenças que anulassem o casamento, ás proferidas contra a União, os Estados e Municípios e as que julgassem improcedentes a execução fundada em dívida ativa[19].

A Lei supracitada veio a gerar grandes mudanças no instituto do reexame necessário, pois, além de corrigir equívocos, como a inclusão do Distrito Federal dentre os entes beneficiados pelo instituto, retirou a hipótese do inciso I, referente  às sentenças que anulassem casamento.

Sobre esta reforma, impende coadunar-se com as observações de Francisco Glauber Pessoa Alves, ao afirmar que não teria mais sentido tal hipótese pelo advento da Lei 6.515/77, posterior à promulgação do CPC/73 que criou a possibilidade do divórcio no ordenamento jurídico pátrio.[20]

Na verdade, a grande mudança perpetuada pela Lei 10.352/2001 foi a criação de algumas hipóteses em que era excluída a aplicabilidade da remessa necessária á decisão correspondente.

Foram incluídos, com esta lei, os §§ 2º e 3º, referentes às exceções a aplicabilidade do reexame necessário, consubstanciado nos casos em que o valor da condenação seja, de no máximo, 60 salários mínimos, ou quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula de Tribunal Superior.

Há que se salientar ainda a existência de não aplicação da remessa necessária quando forem providos embargos à execução de dívida ativa de valor máximo de 60 salários mínimos. No entanto, tal questão não será analisada no presente artigo, pois não se aplica ao âmbito do mandado de segurança.

Ampliou-se ainda, as entidades beneficiadas pelo instituto, harmonizando-se agora, com os ditames da Lei 9.469/97, pois, agora, as sentenças proferidas contra autarquias e fundações de direito público estão também sujeitas ao reexame obrigatório. As empresas de economia mista e as empresas públicas, por óbvio, continuam a não gozar de tais prerrogativas, por se sujeitarem ao regime jurídico das empresas privadas.

Impende ressaltar que a tendência é a mitigação cada vez maior da aplicação da remessa necessária não pela sua inconstitucionalidade, mas pela sua inutilidade. O poder público tem, cada vez mais estruturado a advocacia pública tornando-a apta a defender o erário de forma satisfativa.

3.1.Hipótese de inaplicabilidade da remessa necessária nos casos de condenação não superior a sessenta salários mínimos.

A hipótese de não aplicação da remessa necessária nos casos de condenação não superior a sessenta salários mínimos é justificada pelas “despesas com a remessa necessária e a necessidade de que os julgadores dêem maior atenção aos feitos de real relevância econômica”.[21]

O referido valor a ser levado em conta, deve ser o valor da condenação, do momento em que for proferida a sentença e não o valor atribuído pela parte à causa, no momento de sua propositura[22]. Tal se justifica tanto pela prática reiterada das partes em diminuir o valor da causa para diminuir o valor das custas pagas quanto pela exegese da norma, ao se referir ao “valor da condenação, ou o direito controvertido”.

Questão importante refere-se à aplicação desta hipótese quando valor da condenação alcançar exatos sessenta salários mínimos. Por força, novamente, da exegese da lei, é de se aplicar esta exceção, pois a lei refere-se a valor não excedente a sessenta salários mínimos e não a valor igual.[23]

Uma última questão referente ao atual tópico é nos casos de sentença ilíquida. O STJ tinha firmado, como posição majoritária de que nos casos de sentença ilíquida “o julgador deve levar em conta o valor da causa atualizado até a data da prolação da sentença condenatória”[24].

No entanto, essa posição foi modificada, pois, nos embargos de divergência 934642/PR, apontou-se que, uma vez que o § 2º do art. 475 do CPC refere-se a valor certo, as sentenças ilíquidas estariam sempre sujeitas ao duplo grau obrigatório[25].

A justificativa presente no voto do relator seria a de que a interpretação do § 2º deve ser feita de modo que a “exegese deve ser levada a efeito em prol do interesse público” e o princípio do “in dubio pro fiscum”.

A posição do STJ, nos parece mais adequada, até porque o próprio artigo refere-se expressamente a “valor certo” em seu art. 475, § 1º. Sentenças que não possuam valor certo não se encaixam na exegese do artigo, devendo ser submetidas ao duplo grau obrigatório.

O mesmo procedimento ocorrerá quando o “direito controvertido” não ultrapassar o valor de sessenta salários mínimos. Ressalta Hélio do Valle que “é essencial que o juiz, quando da sentença, tenha condições de precisar a extensão patrimonial do prejuízo”.[26]

 Assim, não sendo possível precisar, no momento da sentença o valor do direito controvertido, a decisão estará, obrigatoriamente, submetida ao reexame necessário.

3.2.Hipótese de inaplicabilidade quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula de tribunal superior.

Essa hipótese abarca uma noção que tem se fortalecido em nosso ordenamento jurídico, que é o fortalecimento do sistema de precedentes[27], de modo a evitar o exercício inútil da jurisdição.

Essa hipótese assemelha-se com o disposto no art. 557 e § 1º, do CPC, os quais, afirmam, com a seguinte redação:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso

Vale, aqui, um breve comentário, pois o legislador foi mais exigente para a dispensa da remessa necessária do que para haver a denegação do seguimento de um recurso.

Percebeu essa gradação, o professor da UFPE, Leonardo José Carneiro da Cunha:

A negativa de seguimento de um recurso ou do reexame necessário pode operar-se em razão de uma súmula tanto de Tribunal Superior como do próprio tribunal. Por sua vez, para que o relator dê provimento ao recurso ou ao reexame necessário, não é suficiente a existência de jurisprudência dominante; é preciso que haja súmula. Além do mais, não basta que tal súmula seja do próprio tribunal; é preciso que seja de Tribunal Superior.[28]

Ocorre, no presente caso, uma falta de interesse da administração pública em haver aplicabilidade da remessa necessária pela grande hipótese dela não ser provida, gerando apenas maior lentidão no poder judiciário.

É importante observarmos o fato de o § 3º do art. 475 do CPC obedecer a uma tendência do nosso direito processual civil, que seria o de fornecer maior força aos precedentes, gerando assim maior efetividade e celeridade ao processo ao coibir o seguimento do processo mesmo quando seja patente a inutilidade da prestação jurisdicional em tais casos. Tal se daria pelo fato de que, irresistivelmente, a sentença seria mantida e a prestação jurisdicional do tribunal só faria aumentar a morosidade do poder judiciário.[29]

Vale lembrar que, sendo caso de não aplicação da remessa necessária, por estar a decisão de acordo com uma das hipóteses que excepciona a aplicação desse instituto, só poderá o magistrado fazê-lo de forma fundamentada.

Caso o magistrado não observe regra de aplicação da remessa obrigatória, conforme anteriormente afirmado, a parte deverá peticionar ao juízo prolator da sentença ou ao presidente do Tribunal para que haja aplicação do duplo grau obrigatório. No entanto, caso o magistrado afirme expressamente que não é caso de aplicação do instituto, caberá agravo de instrumento por parte da Fazenda Pública para que haja o envio da sentença ao tribunal.


4. Considerações acerca da remessa necessária no mandado de segurança

A remessa necessária encontra-se regulada na nova lei do mandado de segurança pelo art. 14, § 1º, que substituiu o antigo art. 12, da Lei 1.533/51, o qual, praticamente, manteve a antiga redação. A nova lei do mandado de segurança afirma o seguinte: “Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição”.

No mandado de segurança, sempre que houver concessão do writ, deverá haver aplicação do reexame necessário, pois, uma vez impetrado o mandamus, presumir-se-á que a legitimidade passiva pertencerá a ente público e, como tal, sujeito a essa condição de eficácia da sentença.

Já apontou o STJ nesse sentido, conforme se infere do seguinte precedente citado por Nelson Nery e Rosa Maria Nery:

A LMS 12 par. ún., ao determinar a subordinação da eficácia da sentença concessiva da ordem á remessa necessária, não faz qualquer menção à qualidade da autoridade coatora, de sorte que cabe o reexame de qualquer sentença que concede o mandado de segurança (STJ, 6.ª T., REsp 252345-PR, rel. Min. Paulo Galloti, j. 24.4.2001, v.u., DJU 18.2.2002, p. 525).[30]

Se o processo for originário de tribunal, mesmo sendo concedida a ordem, não haverá a aplicação do disposto no art. 14, § 1º, da lei 12.016/09[31], sendo necessária a utilização de recurso não ordinário (Recurso especial ou extraordinário), se forem preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Ocorre que o reexame necessário só é aplicado no primeiro grau. A sua aplicação não é permitida quando o mandamus é originário de tribunal, cabendo, nestes casos, a utilização dos recursos cabíveis.[32]

Quando há a denegação da ordem, no primeiro grau, não haverá aplicação da remessa obrigatória, sendo necessária a utilização do recurso cabível.

Em relação ao rito do reexame necessário, não há diferenças em relação ao rito do processo ordinário, no entanto, em face da redação do artigo, mantida pela nova lei, estabeleceu-se uma polêmica acerca da aplicabilidade das exceções contidas nos §§ 2º e 3º do art. 475 do CPC.

O STJ tem entendido que as regras do CPC só serão aplicadas de maneira subsidiária ao mandado de segurança, ou seja, nos casos de omissão da lei. Assim, como o art. 12, da Lei 1.533/51, com a redação mantida pela nova lei estabelecia a aplicação do reexame necessário sem restrições, haveria a prevalência das normas do mandado de segurança, em face do seu caráter de norma especial em face da geral (CPC) e não haveria a aplicação das exceções dos §§ 2º e 3º do CPC.[33]

Esse entendimento do STJ é a corrente majoritária seguida pela jurisprudência, conforme se aufere dos seguintes precedentes:

Nos termos do art. 12, § ún., da Lei n. 1.553/51, a sentença concessiva de mandado de segurança fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, não se aplicando o art. 475 do CPC. A despeito das alterações introduzidas pela Lei 10.352/01, que modificou o art. 475 do CPC, dando nova disciplina ao reexame necessário, há de ser aplicada a norma especial prevista no art. 12 da LMS” (STJ-2ªT., REsp 655.958, rel. Min. Castro Meira, j. 9.11.04, deram provimento, j.u., DJU 14.2.05, p. 185). No mesmo sentido: STJ-1ª Seção, REsp 788.847, rel. Min. Eliana Calmon, j. 26.4.06, deram provimento, v.u., DJU 5.6.06, p. 239; STJ-5ªT., REsp 313.773, rel. Min. Felix Fischer, j. 6.8.02, não conheceram, v.u., DJU 19.9.02, p. 219; RF 380/373 (acórdão relatado pelo Des. Araken de Assis).[34]

Sendo assim, as hipóteses de dispensa do reexame necessário não seriam aplicadas ao mandado de segurança pela prevalência da norma geral sobre a especial[35].

Com a promulgação da nova lei, foi mantida praticamente idêntica a redação do artigo que se referia à aplicabilidade do duplo grau obrigatório, a tendência é, infelizmente, a manutenção do entendimento prestigiado pelo STJ.

Inclusive, já há doutrinadores tratando sobre o tema após a edição da Lei 12.016 afirmando a necessidade de sempre haver a aplicação da remessa obrigatória, pois sendo a lei mais recente do que a alteração que incluiu os §§ 2º e 3 no art. 475 do CPC, deixaria inequívoca a opção do legislador em aplicar esse instituto sempre que a sentença for concessiva[36].

No entanto, não parece ser essa a melhor interpretação ao § 1º do art. 14 da Lei do Mandado de Segurança, por três motivos:

a) A remessa necessária só existe em função do interesse público e sua existência é determinada pela lei[37]. Assim, a partir do momento em que o legislador editou hipóteses retirando a aplicação do reexame, afirmou ele não haver interesse público nesses casos. Logo, nas hipóteses dos §§ 1º e 2º do art. 475 do CPC, não há interesse em aplicar-se a remessa obrigatória, devendo assim, tais hipóteses serem aplicadas também ao mandado de segurança.

Em suma, o que se quer afirmar é que a remessa necessária tem por base a existência do interesse público e tal interesse é definido pela lei, no caso, o Código de Processo Civil e, ao serem criadas hipóteses de exceções à sua aplicação, deixaria de existir o interesse público para a sua aplicação e assim, justificativas para sua aplicação, independente do procedimento seguido. Sendo assim, a não aplicação do reexame nas hipóteses apontadas pelo CPC no mandado de segurança teria por base a inexistência de interesse da administração em tais casos.

b) O STJ e a doutrina apontam pela inaplicabilidade das regras relativas ao reexame necessário contidas no CPC ao Mandado de Segurança pela justificativa de que este é regulado por lei especial e, por isto, teria prevalência sobre a geral – o CPC.

No entanto, tal posição parte de premissa errônea em nosso ver, uma vez que a norma não é especial por estar inserida num diploma legislativo extravagante ou específico, mas por retratar uma situação peculiar ou por estar inserida num regime jurídico próprio[38]. Ou seja, a lei do MS não retrata nenhuma situação peculiar, não podendo ser interpretada como especial, mas apenas está inserida em legislação extravagante.

Sendo assim, não haveria qualquer óbice à aplicação no mandado de segurança das hipóteses que excepcionam a incidência da remessa obrigatória, por não haver uma necessária contradição entre os dois diplomas normativos[39].

c) Uma interpretação restritiva atenta contra o próprio espírito do Mandado de Segurança, que é o objetivo de possibilitar ao cidadão um procedimento mais célere e com maior efetividade do que o ordinário, “não se pode admitir que a mesma lide que, tutelada pelo procedimento comum, não se submeteria ao reexame obrigatório, o seja caso se eleja o procedimento mandamental”.[40]

Ou seja, por uma interpretação teleológica, fica patente a necessidade de aplicação dos §§ 2º e 3º do art. 475 do CPC.

Enfim, admitida a aplicação das exceções apontadas pelo CPC ao mandado de segurança, resta apontar como elas serão realizadas. Em relação ao caso da não aplicação quando o valor da causa não ultrapasse o valor de 60 salários mínimos, tal hipótese não encontra muita eficácia, uma vez que o mandado de segurança geralmente é caracterizado por não ter geralmente um valor determinado, justamente pelo seu caráter de ação, de maneira costumeira, mandamental.

Assim, fica difícil mensurar o valor da causa e, dessa forma, tornar aplicável tal hipótese, como anteriormente analisado no tópico 3.1. No entanto, a hipótese de não aplicação do reexame quando a sentença estiver baseada em súmula ou jurisprudência dominante, é plenamente aplicável e com grande utilidade, pois é comum a repetição de demandas e admitir tal exceção geraria grande efetividade no procedimento dos mandados de segurança.

Em suma, muito embora fique bastante limitada a aplicabilidade da hipótese do valor da causa, a hipótese da hipótese do inciso II do art. 475 será extremamente importante para que seja atingido um dos grandes objetivos do mandado de segurança, que é justamente a efetivação de um processo efetivamente célere.

Sobre o autor
Ravi Peixoto

Bacharel em Direito pela UFPE. Professor de Direito Processual Civil da Escola Superior de Advocacia Professor Ruy Antunes da OAB-PE. Mestrando em direito pela UFPE. Procurador do Município de João Pessoa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Ravi. O reexame necessário e a nova lei do mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3429, 20 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23060. Acesso em: 5 nov. 2024.

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