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Política de saúde no Brasil busca uma “identidade ideológica”

Agenda 02/12/2012 às 15:16

O SUS fornece assistência, por outro, a saúde suplementar oferece conveniência. É um exagero o intervencionismo estatal traduzido na obrigatoriedade de ressarcimento ao SUS pelos planos de saúde dos serviços prestados aos seus clientes.

A recente aquisição de 60% da Amil, maior plano particular de saúde do Brasil, pela americana UnitedHoealth, em operação financeira de cerca de 10 milhões de reais, vem acompanhada de grande expectativa sobre o futuro da saúde no Brasil.

Enquanto os investidores norte americanos, com o presidente da Amil, apostam na possibilidade de sair dos 5 milhões de clientes para 100 milhões de clientes de planos de saúde suplementar em geral, ou metade da população brasileira, o Presidente do CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, no Editorial do Jornal da entidade de classe, nº297 – outubro de 2012, nos trouxe importantes reflexões sobre o tema, defendendo a resistência ao que chamou de “Americanização” da saúde e resistência à “monopolização do mercado de assistência médica suplementar, um caminho perigoso para médicos e para o país”, afirma.

Sem querer valorar ou estabelecer critérios comparativos entre as antagônicas posições, apenas opinar, como estímulo ao debate, acrescentamos que a política de Saúde no Brasil parece estar em busca de uma identidade ideológica. O mais importante alicerce vem do artigo 196 da Constituição Federal, que assegura a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Os Tribunais vem delimitando o tema através da construção jurisprudencial, ainda bastante oscilante, entre a “teoria da reserva do possível”, com origem no Direito Alemão, já tratada no Brasil através da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 45, na lavra do Ministro Celso de Melo, que trabalha com a limitação econômico-financeira da pessoa jurídica estatal em contrapartida ao cumprimento do texto exato da norma constitucional. De forma pragmática, entendemos nossa sociedade dispare quanto à distribuição de renda e padronização de valores. Nesse sentido é válida a afirmação do presidente da Amil – Edson de Godoy Bueno quando em entrevista à Veja (31/12/2012), sobre a Saúde, afirma “o rico quer conveniência e o pobre quer assistência”. Por isso, entendemos que o Governo acertou quando chamou a si, por via da Constituição Federal, a responsabilidade pela saúde do cidadão e descentralizou a gestão da saúde aos entes federativos com a participação da iniciativa privada. O Sistema Único de Saúde – SUS, previsto no artigo 198 da Carta Política parece corresponder ideologicamente aos anseios sociais. Falta adequar, em participação da receita, o orçamento do Ministério da Saúde para a concretude do modelo.

Nada obsta, entretanto, a convivência pacífica entre o SUS e a saúde suplementar, de tal forma a convergir a necessária e constitucional assistência com os requintes da conveniência na prestação dos serviços médicos.

Nessa equação, a força do Estado concentra-se na assistência, enquanto que a conveniência poderá ser livremente pactuada nos termos da Teoria Geral dos Contratos e, em especial, as regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor.

Não compete ao Estado intervir na aquisição de “conveniências”, além do regramento geral da preservação da boa fé contratual objetiva, das proteções já previstas no CDC e Novo Código Civil.

Por exemplo, referimo-nos ao exagero do intervencionismo estatal traduzido no artigo 32 da Lei 9656 de 03 de junho de 1998 - Lei de Planos de Saúde (LPS) que instituiua obrigatoriedade deressarcimento ao SUS pelos planos de saúde os serviços prestados aos seus clientes. A obrigação imposta pelo Estado e instituída por lei resulta por interferir nas relações privadas de contratação de “conveniências” e não de necessidades básicas – “assistência”, ultrapassando os limites do aceitável em termos de intervencionismo nas relações privadas.

Os serviços prestados pelo SUS ou através dos panos de saúde privados, tem naturezas diversas: por um lado, o SUS fornece assistência, por outro, a saúde suplementar oferececonveniência. Por isso, os conceitos não se mesclam, logo, não são ou não deveriam ser, compensáveis.

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Nessa linha de argumentação, os planos de saúde suplementar não deveriam ser entendidos como “estepe” das obrigações governamentais, ou vice versa, mas sim, como mitigadores das “conveniências”, ou condições não essenciais e valorativas da saúde passíveis de contratação pela parcela da população disposta a pagar pelo requinte.

Nessa linha de argumentação, excede em poder, a legislação que visa transferir aos planos de saúde, obrigações federais.

Por fim, nessa linha de argumentação não nos parece conveniente - política e comercialmente justificável - a pretensão dos grandes investidores internacionais explorar, no Brasil, os valores assistenciais da saúde através da saúde suplementar. Ao contrário do que vem ocorrendo nos Estados Unidos, por aqui, a assistência à saúde foi avocada pelo Governo Federal e vem buscando forma através do SUS. O conceito de atingir a população de baixa renda como propósito de aumentar os ganhos com a saúde suplementar precisa ser melhor avaliado, pois nos parece desfocado do atendimento às comodidades a serem contratadas por particulares.

É chagada a hora dos operadores das políticas de Saúde no Brasil definir o rumo que pretende imprimir: a consolidação do preceito assistencial constitucional, com a preservação das comodidades a serem contratadas por particulares ou a cessão ao capitalismo da cultura norte americana, de forma a transferir aos contratos privados a assistência e as comodidades na prestação desses serviços.

Sobre o autor
Elcio Pablo Ferreira Dias

Advogado, mestre em Direito pela UNISAL-Lorena, atua em Direito Médico e Contratos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Elcio Pablo Ferreira. Política de saúde no Brasil busca uma “identidade ideológica”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3441, 2 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23143. Acesso em: 22 dez. 2024.

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