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Questões polêmicas sobre a penhora de bem imóvel alienado fiduciariamente

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Na penhora, é imperioso diferenciar a execução em que o executado é o credor fiduciário e a que é executado o devedor fiduciante.

Resumo: Objetiva-se abordar a respeito da possibilidade ou não de penhora de bem imóvel alienado fiduciariamente.  Estudo dos institutos da alienação fiduciária em garantia de bem imóvel (apontando natureza jurídica, sujeitos e casos de extinção) e da penhora de direitos. Metodologia: revisão bibliográfica e pesquisa jurisprudencial. Na penhora, é imperioso diferenciar a execução em que o executado é o credor fiduciário e a que é executado o devedor fiduciante. Em qualquer hipótese, devem ser preservados os direitos do fiduciário e do fiduciante. Indicação de medidas judiciais que o proprietário fiduciário e o devedor fiduciante podem adotar para salvaguardar seus direitos.

Palavras-chave: Processo civil. Alienação fiduciária. Penhora de direitos. Embargos de terceiro.


Introdução

No presente estudo, abordar-se-á a respeito da possibilidade ou não de penhora de bem imóvel alienado fiduciariamente, bem como a penhora de direitos sobre o imóvel. Apontar-se-á questões polêmicas envolvendo o tema, incluindo possíveis erros judiciais.

Apresentar-se-á breve estudo dos institutos da alienação fiduciária em garantia de bem imóvel (indicando natureza jurídica, sujeitos e casos de extinção) e da penhora de direitos.

Ademais, tem-se por fito apontar e diferenciar as hipóteses de cabimento da penhora sobre o bem ou sobre os direitos do imóvel dado em garantia fiduciária, distinguindo-se a execução em que executado é o credor fiduciário e aquela em que executado o devedor fiduciante, além de indicação das medidas judiciais que o proprietário fiduciário e o devedor fiduciante podem adotar para salvaguardar seus direitos.


1Considerações sobre negócio fiduciário

Ab initio, importa gizar o conceito de negócio fiduciário, o qual é, segundo Dantzger (2010, p. 31), aquele em que a transmissão da propriedade tem por desiderato outro fim que não a própria transmissão, servindo de negócio “jurídico que não seja efetivamente o de alienação ao adquirente”. Nesse sentido é o escólio de Junqueira (JUNQUEIRA, 1998, p. 13 apud DANTZGER, 2010, p. 32), verbo ad verbum:

No negócio fiduciário, prevalece o fator confiança e a existência de dois elementos essenciais, um de natureza real e outro de natureza obrigacional. O primeiro compreende a transmissão da propriedade e o segundo a obrigação da restituição do bem ao transmitente, após exaurido o objetivo do contrato.

Para Ferreira (2004, p. 405), fiduciário é um adjetivo que significa: “Dependente de confiança, ou que a revela; fiducial”. Na definição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, fidúcia é o “Negócio que implica confiança”.

Em apertada síntese, podemos destacar ter o negócio fiduciário fito diverso daquele da transmissão, existindo confiança entre as partes.


2A alienação fiduciária

A alienação fiduciária é um contrato acessório, pressupondo um contrato principal, normalmente de mútuo (MAIRINK, 2009). Sublinhe-se ser a alienação fiduciária em garantia instituto tipicamente brasileiro (ROQUE, 2010, p. 38). Ademais, é um negócio jurídico condicional, o qual se subordina a uma condição resolutiva. Isso porque “a propriedade fiduciária cessa em favor do alienante, uma vez verificado o implemento da condição resolutiva” (GONÇALVES, 2008, p. 403). Outrossim, é um direito real de garantia sobre bem móvel (artigo 1.361 e seguintes do Código Civil) ou imóvel (Lei Federal nº 9.514/97), instituído para garantir o adimplemento de uma obrigação principal (SOUZA, 2011).

Para Diniz (2006, p. 1090), o instituto em comento pode ser assim conceituado:

Propriedade fiduciária. É a decorrente da alienação fiduciária em garantia, que consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de coisa móvel infungível e de um bem imóvel (Lei n. 9.514/97, arts. 22 a 33), de título de crédito, de coisa móvel fungível (no âmbito do mercado financeiro de capitais – art. 66-B, §3º, da Lei 4.728/65, acrescentado pela Lei n. 10.931/2004) e de bens enfitêuticos (Lei n. 9.514/97, art. 22, parágrafo único) como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplemento da obrigação, ou melhor, com o pagamento da dívida garantida. 

São direitos reais de garantia: o penhor, a hipoteca, a anticrese (GONÇALVES, 2008). Para alguns, também se inclui nesse rol a alienação fiduciária em garantia (SOUZA, 2011).

Dantzger (2010, p. 21) refere: “A alienação fiduciária é uma espécie de negócio em que se utiliza a transmissão da propriedade para fins de garantia”. O mesmo autor aduz que a transmissão se opera de forma temporária (DANTZGER, p. 67).

A alienação fiduciária pode se dar sobre bens imóveis ou móveis (DANTZGER, 2010, p. 48).


3A alienação fiduciária de bem imóvel

3.1Natureza jurídica e principais características

A alienação fiduciária de bem imóvel, desde sua instituição pela Lei 9.514/97, vem fomentando o empréstimo de capitais para a aquisição de imóveis (MAIRINK, 2009).  

Pont (2010, p. 39) assevera ser o instituto em apreço um negócio jurídico uno composto de duas relações jurídicas, uma de cunho obrigacional (expressa no débito) e outra de natureza real (verificada na garantia).

Irrefragavelmente, teve por desiderato “fortalecer os contratos de financiamento imobiliário, através da recuperação rápida do crédito em caso de inadimplência do mutuário”, trazendo segurança e agilidade (PEREIRA, 2009). É, portanto, um contrato típico e bilateral (pela onerosidade) (DANTZGER, 2010, p. 53). Diz o artigo 22 da mencionada lei:

A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Conforme expõe Dantzger (2010, p. 18), a Lei 9.514 de 1997 constituiu em favor do credor uma propriedade resolúvel “sobre o imóvel que lhe é dado pelo devedor, para garantir a dívida que este assumiu perante aquele”.

De forma indubitável, substituiu, na prática extraforense (DANTZGER, 2010), outros institutos de direito real de garantia, notadamente por se constituir em uma garantia mais sólida ao credor. Nessa alheta, Restiffe e Restiffe Neto (2009, p. 21-27) constataram a fragilização dos direitos reais de garantia nas execuções concursais (ordem de preferência dos créditos), nas execuções extrajudiciais individuais sumárias pelo rito do Decreto-Lei nº 70 de 1966 (restrições impostas pelos Tribunais) e nas execuções judiciais individuais (lentidão processual e outros percalços).

O objeto do contrato é um bem imóvel construído ou em construção (LOUREIRO, 2007, p. 883). Forte no parágrafo primeiro do artigo 22 da citada lei, não apenas a propriedade plena pode ser objeto de alienação fiduciária, sendo concebível que os bens enfitêuticos, o direito de uso especial para fins de moradia, o direito real de uso e a propriedade superficiária também sejam abrangidos. Tolentino (2008) observa:

De fato, a alienação fiduciária em garantia atende em cheio aos anseios das entidades financeiras e também dos consumidores, facilitando inegavelmente a concessão de crédito direto ao comprador. Oferece ao financiador garantia efetiva do ressarcimento do seu crédito, sem, no entanto, retirar do financiado seu direito de posse direta sobre a coisa alienada, assegurando-lhe o uso, o gozo e o usufruto da coisa da forma como entender.

Mairink (2009, 12) disserta:

O instituto da alienação fiduciária sobre bens imóveis, como nova garantia real aos financiamentos imobiliários e outros negócios, constitui em favor do credor uma propriedade resolúvel sobre o imóvel que lhe é dado pelo devedor para garantir a dívida que este assumiu perante aquele. Esse novo tipo de garantia tem por finalidade conceder maior segurança ao credor e celeridade na execução de seu crédito, caso este não seja satisfeito pelo devedor no tempo devido. Destaca-se que as garantias até então existentes, mesmo as reais, em especial a hipoteca, no Brasil, nem sempre tornam os negócios imobiliários seguros ou ágeis.

Persiste dúvida quanto à natureza jurídica do instituto da alienação fiduciária de bem imóvel: se direito real de garantia de coisa própria ou de coisa alheia (COSTA, 2006). No instituto, há a transferência ao credor fiduciário da propriedade resolúvel da coisa, bem como a posse indireta desta; por seu turno, o devedor fiduciante se torna possuidor direto e possui direito expectativo de caráter real (DANTZGER, 2010, p. 69).

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Loureiro (2007, p. 879) explica que o devedor fiduciário transfere a propriedade resolúvel e a posse indireta, permanecendo com a posse direta do bem.

O contrato em foco é formal (DANTZGER, 2010), estipulando o artigo 24 da Lei 9.514/97 várias cláusulas obrigatórias. Como aponta Roque (2010, p. 39):

Não deixa de ser propriedade resolúvel, pois sua resolução está prevista em contrato. A diferença é que não há pagamento de imposto de transmissão imobiliária, quer inter vivos, quer causa mortis, enquanto na transmissão de coisas móveis, como o automóvel, é emitida nota fiscal com o pagamento de impostos sobre a venda do bem, como o ICMS e o IPI.

O contrato de alienação fiduciária de bem imóvel é um título registrável no Álbum Imobiliário, forte no artigo 167, inciso I, 35, da LRP (PONT, 2010, p. 44). Para valer contra terceiros, o registro referido deve ser realizado no Ofício competente. Sem este, tem-se direito de crédito; com o registro, direito real (DINIZ, 2006, p. 1090).


3.2Sujeitos

Costa (2006) menciona haver dúvidas se há ou não a efetiva transmissão da propriedade ao fiduciário, o que nos dá a problemática de quem é o efetivo proprietário do bem. Com sapiência, Paroski (2009) aponta quem é o proprietário do bem alienado fiduciariamente:

O bem financiado, portanto, não é de propriedade do devedor fiduciante, mas sim, do credor fiduciário, enquanto pendente de pagamento o financiamento. Quitado este, resolve-se aquela, para todos os efeitos que lhe são próprios. Disso resulta que a posse direta do bem, em caso de inadimplemento da obrigação, pode ser retomada pelo credor fiduciário, que já tem a propriedade resolúvel.

Dessarte, a posse se desdobra em direta (com o fiduciante) e indireta (com o fiduciário) (DINIZ, 2006, p. 1090).

Ademais, a alienação fiduciária não é privativa das entidades que operam no Sistema Financeiro da Habitação, podendo ser contratada, inclusive, por pessoa física. Todavia, o mais comum, no dia a dia, é uma instituição financeira ser a credora fiduciária.

Por conseguinte, são sujeitos da alienação fiduciária em garantia o credor fiduciário e o devedor fiduciante, podendo estes ser pessoas físicas ou jurídicas.

Enquanto não ocorrer pagamento integral da dívida do fiduciante junto ao fiduciário, o bem pertence ao último (ROQUE, 2010, p. 39).

3.3 Extinção

Dantzger (2010, p. 79-80) leciona que a extinção da alienação fiduciária se opera por três módulos: a) pelo cumprimento, mediante o pagamento da dívida; b) pelo inadimplemento da obrigação; c) pela transação, nos termos do artigo 26, §8º, da Lei 9.514/97.

Consoante reza o artigo 25 da Lei 9.514/97, a propriedade fiduciária do imóvel é resolvida pelo pagamento da dívida e seus encargos. Na glosa de Roque (2010, p. 39), o credor fiduciário perde sua propriedade quando recebe seu crédito.

De outra banda, Dantzger (2010, p. 20 e 27) obtempera garantir a alienação fiduciária de bem imóvel à simplificada e rápida recuperação do crédito, através de um procedimento de cobrança extrajudicial. Assim, o “credor deverá promover a venda do imóvel em público leilão, entregando ao devedor o quantum que exceder à dívida, encargos e despesas”.

Ensina Córdova (2010, p. 7): “Caso o fiduciante não quite as parcelas devidamente pactuadas no contrato celebrado, o fiduciário terá o direito de vender o bem a um terceiro.".

Em sua cátedra, salienta o autor, in verbis:

O devedor, fiduciante, transmite ao credor, fiduciário, uma propriedade resolúvel, denominada pela própria lei de propriedade fiduciária, cuja característica é a limitação temporal do domínio do devedor.

Tal limitação decorre do seguinte fato: uma vez paga a dívida na sua integralidade pelo devedor, o bem, anteriormente transmitido ao credor, retorna ao seu patrimônio, automaticamente e por força de lei, com efeitos ex tunc, ou seja, retroativos (DANTZGER, 2010, p. 53).

Como bem escreve Roque (2010, p. 93), com o pagamento, não há falar em garantia de débito já não mais existente. Após o pagamento, deve o fiduciário fornecer o termo de quitação ao fiduciante, no prazo de 30 dias após a liquidação, sob pena de multa, nos termos do artigo 25 da Lei 9.514/97.

Nesse diapasão, Lima (2010, p. 167) refere a existência de direito expectativo do devedor fiduciante no retorno à propriedade, tendo em vista o princípio da boa-fé objetiva. A propriedade do credor fiduciário não é plena e definitiva, sendo transitória e restrita, existindo a condição futura e incerta do pagamento da dívida (DANTZGER, 2010, p. 53).


4A penhora

No que concerne à penhora, com sapiência, Greco (2008, p. 82) a define como o “ato de apreensão de bens, com finalidade executiva e que dá início ao conjunto de medidas tendentes à expropriação de bens do devedor para pagamento do credor”. Do conceito, extrai-se que os bens devem ser, preferencialmente, do devedor. Nesse diapasão, obtempera Moreira (2004, p. 225), ipsis litteris:

Denomina-se penhora o ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exeqüendo. Podem constituir objeto da penhora bens pertencentes ao próprio devedor ou, por exceção, pertencentes a terceiros, quando suportem a responsabilidade executiva.

Em algumas raras hipóteses, o bem de terceiro poderá ser penhorado, quando haja atribuição de responsabilidade executiva ao dono, como é o caso do fiador judicial, do responsável tributário, do sócio e do cônjuge do devedor (MOREIRA, 2004, p. 227).

Sublinha Córdova (2010, p. 6):

Outro requisito sobre o qual também não deverá haver dúvidas é que a penhora somente poderá incidir sobre bens, direitos ou créditos do próprio executado, não podendo um bem que pertença a um terceiro, que não integra a lide, garantir a execução.

Montenegro Filho (2008, p. 683) aduz que a execução por quantia certa contra devedor solvente persegue a apreensão de bens do devedor, havendo a possibilidade de “transformação do bem penhorado em dinheiro, a transferência do bem penhorado para o exeqüente ou o uso do imóvel”.

Chalhub (2010) alude, expressis verbis:

É que por efeito da alienação fiduciária o bem é excluído do patrimônio do devedor fiduciante e incluído no do credor, sob forma de propriedade resolúvel, enquanto pela hipoteca o imóvel, embora onerado pela dívida, permanece no patrimônio do devedor. Tal distinção implica importantes conseqüências.

Em primeiro lugar, na medida em que o bem é retirado da esfera patrimonial do devedor, não mais pode ser objeto de constrição em razão de suas dívidas, mesmo que se trate de dívidas tributárias, já estando consolidada nesse sentido a jurisprudência em relação às dívidas tributárias de responsabilidade do devedor fiduciante.

O mais relevante efeito da segregação patrimonial do bem objeto da propriedade fiduciária é sua exclusão dos efeitos de eventual insolvência do devedor-fiduciante.

Paroski (2009) anota: “A penhora, por evidente, incide sobre bens do devedor, estejam ou não em sua posse, ou seja, mesmo quando se encontram com terceiros”.

Montenegro Filho (2007, p. 408) cita ser comum a penhora recair indevidamente sobre bem não integrante do patrimônio do devedor, trazendo grandes transtornos tanto para o terceiro, como para o próprio processo executivo.


5A penhora sobre a alienação fiduciária de bem imóvel

Efetivamente, como referido alhures, a penhora deve se dar, preferencialmente, sobre bens de propriedade do devedor (MOREIRA, 2004). Conforme apontado, o proprietário do imóvel objeto de alienação fiduciária é o credor fiduciário (DANTZGER, 2010, p. 41).

Em verdade, é imperioso diferenciar a execução em que executado é o credor fiduciário e aquela em que é executado o devedor fiduciante. Senão vejamos.

5.1O executado é o devedor fiduciante

a) Efetivamente, ensina Dantzger (2010) possuir o devedor fiduciante direito expectativo de caráter real, o qual é passível de transmissão, inclusive pela penhora. Loureiro (2007, p. 895) narra:

O fiduciante, por sua vez, também pode transferir seus direitos sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária, desde que com a anuência do credor (o proprietário fiduciário). Tal cessão deve ser objeto de registro, para que, uma vez paga a dívida, o adquirente possa exigir a propriedade plena.

Paroski (2009, grifo nosso) esclarece a respeito da necessidade de preservação dos direitos do credor fiduciário quando da penhora:

Finalmente, estuda-se a possibilidade de alienação judicial do bem pela Justiça do Trabalho, porém, preservando os direitos do credor fiduciário, transferindo-se ao adquirente, pela arrematação ou pela adjudicação, a posse direta do bem e todos os demais direitos e obrigações derivados do contrato de financiamento, pelo método da sub-rogação, ou seja, o arrematante ou adjudicante assume frente ao credor fiduciário a mesma condição que o devedor fiduciante originário.

b) Efetivamente, em se tratando de execução em que é executado o fiduciante, importa diferenciar se houve ou não o adimplemento do contrato.

c) Indubitavelmente, o credor fiduciário perde sua propriedade quando receber seu crédito (ROQUE, 2010, p. 39), havendo a consolidação da propriedade em favor do devedor fiduciante; não havendo, pois, nessa situação, óbices à penhora sobre o bem imóvel. Nessa alheta:

Havendo pagamento de todas as prestações do referido financiamento, a cláusula resolutiva confere ao devedor fiduciante a posse e a propriedade definitiva do bem, que fica isento de quaisquer causas que pudessem retirá-lo do rol de bens penhoráveis, habilitando sua constrição judicial e conseqüente alienação em hasta pública. (PAROSKI, 2009)

d) Em não tendo ainda ocorrido o adimplemento do contrato, o bem ainda pertence ao credor fiduciário, devendo ser observada a penhora de direitos (PAROSKI, 2009) na execução em que é executado o fiduciante. Portanto, não há falar na penhora do bem fiduciário, uma vez que este pertence a pessoa estranha à execução.

A penhora de direitos tem por fundamento o artigo 655, X do CPC (CÓRDOVA, 2010).

Com clareza solar, a penhora e a venda judicial não prejudicarão o credor fiduciário, porquanto haverá arrematação dos direitos do fiduciante, o qual será substituído pelo arrematante, que “assumirá todas as responsabilidades inerentes à figura do arrematante” (DANTZGER, 2010, p. 70). Para o arrematante consolidar a propriedade plena, deverá quitar o contrato junto ao fiduciário. Tolentino (2008) anota:

Ocorre, todavia, que em que pese o bem alienado fiduciariamente não integrar o patrimônio do devedor, não podendo, como dito, ser objeto de penhora, nada obsta que os direitos adquiridos pelo devedor fiduciante sejam constritos e suportem os efeitos gerais da penhora.

Paroski (2009) disserta a respeito da penhora de direitos, secundum verba:

Afigura-se perfeitamente possível a penhora dos direitos sobre o bem gravado com alienação fiduciária, em princípio de titularidade do devedor fiduciante, a exemplo da posse direta, uso e gozo, e a própria expectativa de domínio definitivo, o que já seria suficiente para jogar por terra a equivocada tese da impenhorabilidade desse bem ou dos direitos dele decorrentes em execução trabalhista.

Isso não significa que não deve haver preocupação com o resguardo da preferência do credor fiduciário, mas somente até o limite do crédito fiduciário. O que exceder dessa garantia legal é suscetível de constrição judicial para satisfazer o crédito trabalhista.

Dessa maneira, ter-se-á a penhora do direito de aquisição do domínio, desde que ocorra o integral pagamento da dívida; afigurando-se como uma sub-rogação, a qual pode ser definida como “forma especial de pagamento em que há a transferência da qualidade de credor para aquele que efetua o pagamento de uma obrigação de outrem, ou empresta o necessário para isso” (TOLENTINO, 2008).

Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça em processo em que o executado era o devedor fiduciante:

PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONTRATO. DIREITOS.

POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 655, XI, DO CPC. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. “O bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos.” (REsp 679821/DF, Rel. Min. Felix Fisher, Quinta Turma, unânime, DJ 17/12/2004 p. 594) 2. Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL, 2011a)

Na decisão citada, o STJ elucidou bem a controvérsia: o bem não integra o patrimônio do fiduciante. Conforme já destacado, na alienação fiduciária. “o bem é excluído do patrimônio do devedor fiduciante e incluído no do credor” (CHALHUB, 2010).

Decisão em sentido contrário estará em desacordo com os parâmetros legais, doutrinários e jurisprudenciais, consistindo em erro judicial na operacionalização do direito, conforme será abordado no item 5.3.

Nesse mesmo diapasão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. PENHORAIMÓVEL COMERCIAL. VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DIREITO E AÇÕES. MULTA. EMBARGOS PROCRASTINATÓRIOS. Penhora de imóvel comercial destinado ao exercício profissional da executada. Lei nº 8.009/90 e art. 649, V, CPC. Não incidência. Direitos e ações do devedor fiduciário que possuem valor econômico, e integram seu patrimônio (art. 591, CPC). Possibilidade de penhora de tais direitos. Necessidade de ciência ao credor. Multa por embargos procrastinatórios. Não aplicação. Erro material. Negaram provimento à apelação (BRASIL, 2011b, grifos nossos).

Logo, é factível ao devedor fiduciante ter penhorado o crédito que possui na relação jurídica em apreço.

Não podemos deixar de ressaltar que a penhora de direitos representa uma intromissão na relação contratual entre fiduciário e fiduciante.

e) Na prática forense, alguns juízes realizam leilão e, com o resultado, primeiramente é satisfeito o crédito do fiduciário; após, paga-se o exequente e as custas processuais; em havendo saldo, devolve-se o numerário ao fiduciante. No magistério de Paroski (2009, grifo nosso):

Trata-se da penhora e da expropriação do bem gravado fiduciariamente, cujo resultado financeiro do leilão, primeiro satisfaz o credor fiduciário, entregando-lhe o que é de direito (quantias financiadas e ainda não pagas pelo fiduciante e despesas), transferindo a propriedade do bem para o arrematante e disponibilizando para satisfazer o credor trabalhista a quantia remanescente, que, não fossem a penhora e a expropriação, seria restituída ao devedor fiduciante (executado na execução trabalhista).

Não obstante, tal procedimento está equivocado, uma vez que leva a leilão bem que não integra o patrimônio do executado, ferindo o direito de propriedade do credor fiduciário.

f) Por conseguinte, pode-se afirmar que, em se tratando de execução em que é executado o fiduciante, importa diferenciar se houve ou não o adimplemento do contrato.

O credor fiduciário perde sua propriedade quando receber seu crédito (ROQUE, 2010, p. 39); não havendo, portanto, nessa hipótese, óbices à penhora sobre o bem imóvel.

Em não tendo ainda ocorrido o pagamento integral da dívida do fiduciante junto ao fiduciário (ROQUE, 2010, p. 39), deve ser observada a penhora de direitos, não sendo legítimo falar na penhora do bem fiduciário, uma vez que este pertence a pessoa estranha à execução. 

5.2O executado é o credor fiduciário

O credor fiduciário possui crédito de expressão monetária mensurável, sendo titular de domínio sob uma condição resolutiva. Tal direito pode ser cedido e, inclusive, penhorável (DANTZGER, 2010). Quem adquire o direito do credor fiduciário:

[...] passa a ser titular da propriedade fiduciária, adquirindo todos os direitos e obrigações inerentes a essa posição, principalmente, de um lado, o de receber o crédito e seus acessórios e, de outro, o de restituir, imediatamente, nos termos da lei, a propriedade plena do imóvel ao fiduciante, uma vez quitada a dívida (DATZGER, 2010, p. 77).

Na prática, observa-se tal situação quando um banco incorpora outro, adquirindo seus créditos. Assim, por exemplo, o banco incorporador passa a ser o credor fiduciário em substituição ao incorporado.

O mais comum é a cessão de direitos, embora seja viável a penhora. O arrematante passa a ser o credor fiduciário em substituição ao anterior.

Dantzger (2010, p. 78-79) arremata:

Nesta hipótese, serão objetos da hasta pública tanto o crédito como também a garantia – propriedade fiduciária –, que é seu acessório por excelência, e, no leilão, ao adquirir o crédito, o arrematante será sub-rogado nos direitos e obrigações decorrentes do contrato de alienação fiduciária, tornando-se o proprietário fiduciário em substituição ao credor original, devendo ser averbada a carta de arrematação no Registro Imobiliário, nos termos da lei.

Loureiro (2007, p. 895) ensina: “O fiduciário poderá ceder o crédito objeto da alienação fiduciária, o que implicará a cessão da propriedade fiduciária, mediante o necessário registro no Cartório de Registro de Imóveis”.

Dessa forma, o arrematante se tornará credor na relação jurídica existente entre o fiduciário e o fiduciante. Conquanto juridicamente lícito, provavelmente de pouca aplicação prática.

Irrefragavelmente, decisão em sentido contrário estará em desacordo com os parâmetros legais, doutrinários e jurisprudenciais, consistindo em erro judicial na operacionalização do direito, conforme será explanado no item 5.3.

Destarte, na execução em que é executado o credor fiduciário, é possível a penhora do crédito (a propriedade fiduciária) que este possui na relação jurídica em apreço.

5.3 Medidas para salvaguarda de direitos

Efetivamente, tanto o fiduciário quanto o fiduciante poderão se ver atingidos por decisões judiciais que não observem os ditames legais, jurisprudenciais e doutrinários anteriormente apontados. Infelizmente, muitas decisões judiciais confundem o instituto em apreço com a hipoteca.

Como consabido, existe o direito de acesso à justiça. Nesse ínterim, assevera Santos (2009, p. 74): “De outro lado existe o direito de acesso à justiça, que pressupõe o direito à proteção jurisdicional adequada a todos os direitos (inclusive os urgentes), devendo a mesma ser efetiva e, sobretudo, justa”.

Para salvaguardar seus direitos, o fiduciante e o fiduciário poderão opor embargos de terceiros, remédio previsto no artigo 1.046 do Código de Processo Civil[1] (CPC). Nesse sentido, já decidiram o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e o Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE BENS OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. LEGITIMIDADE DO CREDOR FIDUCIÁRIO OPOR EMBARGOS DE TERCEIRO PARA RESGUARDAR OS BENS SOB SEU DOMÍNIO. INSUBSISTÊNCIA DA PENHORA. É lícito ao credor fiduciário opor embargos de terceiro para salvaguardar bens que estão sob seu domínio, em face de contrato celebrado com o devedor executado antes do ajuizamento da execução. É insubsistente a penhora de bem objeto de alienação fiduciária em garantia, eis que o domínio do bem é transferido ao credor fiduciário (BRASIL, 2006).

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. SEQUESTRO. EMBARGOS DE TERCEIRO. CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

I. Nos termos da jurisprudência do STJ, é possível ao credor a oposição de embargos de terceiro para resguardar o bem alienado fiduciariamente, que foi objeto de restrição judicial (sequestro). Precedentes.

II. Recurso especial conhecido e provido (BRASIL, 2010).

Para NUNES (1999, p. 481), podemos conceituar embargos de terceiros da seguinte maneira:

Denomina-se embargos de terceiro o remédio processual posto à disposição de “quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha” (art. 1.046).

Salienta Araújo (2001): “Vimos que o ato judicial de constrição de bem ou direito, ensejador de embargos de terceiro, pode ocorrer em processo de conhecimento, de execução ou cautelar”.

Ministra Montenegro Filho (2008, p. 927) serem os embargos de terceiro ação judicial, tendo por objetivo, entre outros, a desconstituição de constrição da penhora. Assevera:

Finalidade da ação de embargos de terceiros: A ação em exame persegue a desconstituição da constrição (penhora, arresto, sequestro, etc) incidente sobre bem de propriedade do autor (de igual modo possuidor) ou que se encontra na sua posse (sem que seja proprietário), cuja procedência depende da demonstração da injustiça do ato combatido.

De outra banda, o autor afirma ser praticável simples petição nos autos para que seja interrompida indevida penhora. Argui:

Se o prejudicado consegue demonstrar a sua condição de terceiro, de forma cabal e inquestionável, e que a penhora judicial atingiu bem que integra o seu patrimônio, não se revelando qualquer indício de fraude à execução ou de fraude contra credores, afiançamos o entendimento de que a questão pode ser desatada no âmbito da própria execução, tornando a penhora sem efeito.

Pior solução seria impulsionar a lide executiva, com a condução de um vício dessa natureza, obstando o seu seguimento a partir da oposição dos embargos de terceiro, que forçosamente serão apresentados em momento processual específico, forçando a declaração de nulidade de vários atos até ali práticos, retroagindo-se à penhora judicial [...] (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 408-409).

Em caso de urgência, o prejudicado poderá fazer uso do processo cautelar, o qual pode ser sintetizado na cátedra de Santos (2009, p. 75):

A técnica conhecida como cautelar afigura-se como um método apto a proteger de forma urgente e a permitir que a resolução do conflito seja realizada, com toda a calma necessária, através do processo de conhecimento pleno e exauriente. Trata-se de uma técnica que permite que a tutela jurisdicional final seja efetiva e justa para ambas as partes que litigam no processo.

Desse modo, o fiduciário e o fiduciante, para salvaguardar seus direitos, dispõem dos embargos de terceiros e/ou, eventualmente, para alguns doutrinadores (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 408-409), simples petição nos próprios autos. Em caso de urgência, podem fazer uso de alguma medida cautelar.

Sobre o autor
Daniel Barbosa Lima Faria Correa de Souza

Advogado da CAIXA no Rio Grande do Sul. Pós-Graduado em Direito Notarial e Registral pela Anhanguera-Uniderp. Pós-Graduado em Direito Tributário pela UNP. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela UNP. Bacharel em Direito pela PUC-RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Correa. Questões polêmicas sobre a penhora de bem imóvel alienado fiduciariamente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3484, 14 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23436. Acesso em: 25 nov. 2024.

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