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A proposta de integridade para o direito de Ronald Dworkin.

Como casos podem ser decididos à luz de uma “resposta correta”

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Agenda 25/02/2013 às 16:24

2. A TESE DA ÚNICA “RESPOSTA CORRETA”: O JUIZ HÉRCULES, O ROMANCE EM CADEIA E A COMUNIDADE DE PRINCÍPIOS

A tese da única “reposta correta”[45] é uma importante contribuição da teoria de Dworkin para a compreensão do Direito democrático. O modo pelo qual se deu seu desenvolvimento mostra uma resistência fundamental às teses sustentadas pelas concepções do convencionalismo e do pragmatismo, principalmente no tocante à derrubada da tese da discricionariedade judicial, ancorando a legitimidade dos provimentos estatais na observância da integridade do Direito.[46]

O ataque a essas teorias começa na década de 60, quando Dworkin analisa a tese geral do positivismo: o Direto seria formado apenas por um sistema de regras.[47] Todavia, paralelamente às regras, pode-se perceber que os juristas utilizam um outro standard normativo, os princípios[48] – compreendidos aqui em seu sentido lato, que abrangem tanto os princípios propriamente ditos quanto as chamadas diretrizes políticas (DWORKIN, 2002:36).[49]

Mas como compreender essa separação entre princípios e regras? Dworkin, assumindo as conseqüências do giro lingüístico, afirma que a diferença entre princípios e regras decorre simplesmente de uma ordem lógico-argumentativa e não morfológica, como, por exemplo, defende Alexy (1998). Dessa forma, deve-se entender o transcurso do pensamento dworkiano através dos principais momentos de sua construção.

No texto da década de 60, a questão é posta do seguinte modo:

Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela oferece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso nada contribui para a decisão (DWORKIN, 2002:39).

Outra característica das regras é que, pelo menos em tese, “todas as exceções podem ser arroladas e o quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra” (DWORKIN, 2002:40). As regras também não possuem a dimensão de peso ou importância, de modo que, se duas regras entram em conflito, apenas uma delas fará a subsunção ao caso concreto. A decisão de saber qual delas será aplicada e qual delas será abandonada deve ser feita recorrendo-se às considerações que estão além das próprias regras. Essas considerações versam, por exemplo, sobre os critérios clássicos de solução de antinomias do positivismo (ou de cânones de interpretação): (1) o critério cronológico, em que a norma posterior prevalece sobre a norma anterior; (2) o critério hierárquico, em que a norma de grau superior prevalece sobre a norma de grau inferior; e (3) o critério da especialidade, em que a norma especial prevalece sobre a norma geral. Assim, não se pode dizer que uma regra é mais importante que outra como parte de um mesmo sistema de regras. Logo, uma não suplanta a outra por ter uma importância maior no caso concreto (DWORKIN, 2002:43).

Já os princípios jurídicos, diferentemente das regras, não apresentam as conseqüências jurídicas decorrente de sua aplicação ou de seu descumprimento. Eles não pretendem, nem mesmo, estabelecer as condições que tornam a sua aplicação necessária; ao contrário, eles enunciam uma razão que conduz a um argumento e a uma determinada direção. Com relação aos princípios não há exceções, pois eles não são, nem mesmo em teoria, susceptíveis de enumeração. Os princípios, então, possuem a dimensão de importância relativa ao caso concreto que é parte integrante do seu conceito; assim, quando os princípios estão em conflito, o juiz deve ponderar,[50] levando em conta a força relativa de cada um deles, devendo-se aplicar aquele que for mais adequado ao caso concreto, como se fosse uma razão que se inclinasse para um posicionamento e não para outro (DWORKIN, 2002:43).[51]

Todavia, ao longo de seus estudos, Dworkin aprimorou e sofisticou essa tese.[52] Um crítica à proposta dworkiana de compreensão da relação entre regras e princípios foi oferecida por Raz.[53] Para ele, a dimensão de peso ou importância não seria um privilégio dos princípios, aplicando-se também às regras. Um exemplo ilustra isso: uma pessoa poderia aceitar tanto a regra moral que afirma que ele não deve mentir quanto a que prescreve que deve cumprir suas promessas; mas, em ocasiões específicas, essas duas regras podem entrar em conflito, de modo que se deve escolher entre elas com base no peso, importância ou outro critério.

Porém, esse exemplo apresenta uma falha: Dworkin (2002:115) lembra que seria muito difícil que alguém conseguisse estabelecer a priori quais são as normas morais que irão reger sua vida. Trata-se, na realidade, de uma questão argumentativa e, em função disso, dependente mais da aplicação de uma linha de conduta do que de regras fixas. Ele ainda não nega que possa haver conflito entre regras; contudo esse conflito se processa em um plano distinto – no plano da validade, ao invés de no plano da adequabilidade.[54]

Na realidade, uma das maiores preocupações do autor era, e continua sendo, a distinção entre princípios (propriamente ditos) e as diretrizes políticas (polices): um princípio prescreve um direito e, por isso, contém uma exigência de justiça, equanimidade, devido processo legal, ou qualquer outra dimensão de moralidade; ao passo que uma diretriz política estabelece um objetivo a ser alcançado, que, geralmente consiste na melhoria de algum aspecto econômico, político ou social da comunidade, buscando promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável (DWORKIN, 2002:36; 2002:141-142). 

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Princípios, lembra Galuppo (2002:186), estabelecem direitos individuais e ligam-se a uma exigência universalizável, ao passo que diretrizes políticas fixam metas coletivas, relacionadas sempre com o bem-estar de uma parcela da sociedade, mas nunca com sua totalidade, haja vista a existência de diversas compreensões concorrentes de vida boa em uma sociedade pluralista. O jurista de Oxford atribuirá o status de trunfos aos argumentos de princípios, de modo que, em uma discussão, esses devem se sobrepor a argumentos pautados em diretrizes políticas (2002:298).

Dessa forma, as teses que sustentam a discricionariedade judicial apontam apenas para a ausência de regras, não de normas, quando diante de um caso difícil. Uma análise da história institucional daquela sociedade pode indicar princípios jurídicos capazes de fornecer soluções para o caso sub judice. Por essa razão, a “função criativa” dos tribunais, defendida por Hart (1994:335) para os casos difíceis – ou seja, diante de um caso para o qual não exista uma resposta imediata nem na legislação, nem nos anais do Congresso ou de qualquer outra instituição, é rechaçada por Dworkin, o qual compreende que apenas o legislador é autorizado a criar direito (BILLIER e MARYIOLI, 2005:426). Essa afirmação expressa uma vedação importante à atividade jurisdicional: a possibilidade de que os tribunais, se tomados como representantes do Poder Legislativo, também devessem ser competentes para proceder à adesão de argumentos de política e à adesão de tais programas gerados. Em casos abarcados pela legislação, fica fácil vislumbrar o uso de argumentos de princípio; todavia, nos casos difíceis, muitas vezes o que se percebe é que os juízes acabam lançando mão de razões justificadas à luz de diretrizes políticas.[55]

Dois argumentos são levantados para negar a possibilidade de originalidade de decisões judiciais: (1) o governo é limitado pela responsabilidade de seus ocupantes, que são eleitos pela maioria; e (2) criando um direito novo, o juiz pune a parte sucumbente, uma vez que o aplica de forma retroativa.

As duas objeções tornam-se ainda mais fortes quando essas decisões se mostram fundadas em argumentos de política: (a) as decisões políticas devem ser geradas através de um processo político que leve, na devida conta, os diversos interesses antagônicos; e (b) fica fácil verificar o quão errado significa tomar os bens de alguém em nome de melhorias para um grupo da sociedade.

No caso de uma decisão que observe um princípio, tem-se outro quadro: primeiro, porque esse tipo de argumento nem sempre se fundamenta na busca pela equivalência de diversos interesses em conflito; e por outro lado, o magistrado, nesse caso, não se vê pressionado por uma maioria política, mas sim vinculado à história institucional,[56] que não representa uma restrição vinda de fora, imposta aos juízes, mas um componente da decisão, já que compõe o pano de fundo de qualquer juízo sobre os direitos. Juízes, portanto, devem assumir que suas decisões trazem em si uma carga de responsabilidade política, exigindo dos mesmos uma coerência de princípios.[57]

Dworkin lança mão de sua primeira metáfora – o juiz Hércules[58] – para ilustrar a dinâmica da decisão judicial a partir dos pontos fixados por sua teoria. Hércules é um juiz filósofo dotado de sabedoria e paciência sobre-humanas, capaz de resolver os casos difíceis através de uma análise completa da legislação, dos precedentes[59] e dos princípios aplicados ao caso:[60]

Ao decidir um caso difícil Hércules sabe que os outros juízes decidiram casos que, apesar de não guardarem as mesmas características, tratam de situações afins. Deve, então, considerar as decisões históricas como parte de uma longa história que ele deve interpretar e continuar, de acordo com suas opiniões sobre o melhor andamento a ser dado à história em questão. Hércules adota o direito como integridade, uma vez que está convencido de que ele oferece tanto uma melhor adequação quanto uma melhor justificativa da prática jurídica como um todo (LAGES, 2001:47).

Todavia, Hércules vai descobrir que nem todos os magistrados, anteriores a ele, tiveram o mesmo cuidado ao decidir. Logo, algumas partes dessa história institucional  apresentar-se-ão como equívocos. Isso o forçará a desenvolver uma espécie de cláusula de exceção, que autoriza a desconsideração desses equívocos. Essa teoria dos erros institucionais é dividida em duas partes: uma que mostra quais as conseqüências de se considerar um evento institucional como um erro e outra que limita o número de erros que podem ser excluídos.

Essa primeira parte tem por base duas distinções: (1) de um lado, tem-se a autoridade de qualquer evento institucional – capacidade de produzir as conseqüências que se propõe – e, do outro, a força gravitacional do evento. A classificação de um evento como um erro se dá apenas questionando sua força gravitacional e inutilizando-a – sem, com isso, comprometer sua autoridade específica; e (2) a outra distinção é entre erros enraizados – os quais não perdem sua autoridade específica, não obstante não detenham mais sua força gravitacional – e erros passíveis de correção – cuja autoridade específica é acessória à força gravitacional. Assim, sua classificação garantirá autoridade às leis, mas não a sua força gravitacional (DWORKIN, 2002:189-190).

A segunda parte da teoria de erros compõe-se de uma justificação mais detalhada, na forma de um esquema de princípios, para o conjunto das leis e das decisões, já que sua teoria dos precedentes é construída a partir da equanimidade.[61] Duas máximas podem ser extraídas dessa segunda parte: (1) caso Hércules possa demonstrar que um princípio que, no passado, serviu de justificação para decisões do legislativo e do judiciário hoje não dará origem a novas decisões por ele regidas; então, o argumento de equanimidade se mostra enfraquecido;  e (2) se ele mostrar, através de um argumento de moralidade política, que o princípio é injusto, o argumento de equanimidade que o sustenta é inválido.

A construção da metáfora do juiz Hércules, entretanto, não encerra o trabalho de construção da teoria dworkiana. Mesmo que se possa considerar que a decisão atingida aqui obedeça a um processo reconstrutivo capaz de indicar com segurança uma – e apenas uma – “resposta correta”,[62] duas outras idéias serão fundamentais para a compreensão completa da proposta desse autor: a metáfora do romance em cadeia e a comunidade de princípios.

A compreensão adequada do romance em cadeia parece lançar novas luzes na discussão sobre o solipsismo de Hércules. A compreensão de que a atividade decisória dos juízes não se produz no vácuo, mas sim em constante diálogo com a história, revela as influências da hermenêutica gadameriana.

Todavia, Dworkin é defensor de uma interpretação construtiva e, por isso mesmo, de uma teoria hermenêutica crítica: a decisão de um caso produz um “acréscimo” em uma determinada tradição. Isso é bem ilustrado quando comparamos a dinâmica de aplicação judicial do Direito com um pitoresco exercício literário:[63]

Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade (DWORKIN, 1999:276).

Assim, mesmo o primeiro escritor terá a tarefa de interpretar a obra em elaboração, bem como o gênero que se propõe a escrever. Por isso, cada romancista não tem liberdade criativa, pois há um dever de escolher a interpretação que, para ele, faça da obra em continuação a melhor possível.[64] O que se espera nesse exercício literário é que o romance seja escrito como um texto único, integrado, e não simplesmente como uma série de contos espaçados e independentes, que somente têm em comum os nomes dos personagens. Para tanto, deve partir do material que seu antecessor lhe deu, daquilo que ele próprio acrescentou e – dentro do possível – observando aquilo que seus sucessores vão querer ou ser capazes de acrescentar.

O Direito segue a mesma lógica: tanto na atividade legislativa quanto nos processos judiciais de aplicação, o que se chama de Direito nada mais é do que um produto coletivo de uma determinada sociedade em permanente (re)construção:[65]

Cada juiz, então, é como um romancista na corrente. Ele deve ler tudo o que outros juizes escreveram no passado, não apenas para descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance escrito até então. Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos livros adequados, registro de muitos casos plausivelmente similares, decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros juízes, de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes, em períodos nos quais o processo e as convenções judiciais eram diferentes. Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões, estruturadas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em alguma nova direção (DWORKIN, 2001:283).[66]

Nenhuma seqüência de decisões, contudo, é isenta de apresentar contra-exemplos; por isso mesmo é tão importante o desenvolvimento de uma teoria do erro no julgamento dos casos anteriores, como a desenvolvida por Hércules.[67] Além do mais, Hércules não está sozinho. Seu trabalho se dá continuamente através de um franco diálogo com a história institucional de sua sociedade, que está às suas costas; além disso, por força da exigência de integridade, ele é impulsionado a buscar sempre a melhor decisão – o que faz com que seus olhos se voltem para o futuro, mas de modo que sempre permaneça a preocupação em manter uma coerência de princípio na fundamentação de suas decisões. Ommati faz uma observação:

[...] Dworkin não acredita em um juiz Hércules que, sozinho, decidiria todos os casos [...]. Ora, se o Direito deve ser visto como integridade, e a integridade requer a atenção à história e se essa história jurídica se produziu a partir de decisões passadas, decisões essas que foram produzidas em um processo, logicamente esse processo para ser válido utilizou-se dos argumentos das partes para a produção da decisão. (2004:162).

No sentido dessa interpretação, a comunidade de princípios[68] se mostra como idéia fundamental, já que é ela condição de possibilidade para as metáforas do Juiz Hércules e do romance em cadeia.

Para tanto, leva em conta que todas as relações humanas pressupõem-se como relações sociais, deve-se compreender melhor essa forma de associação, principalmente no seu aspecto político-jurídico.

Um primeiro modelo compreende que a associação decorreu de um acidente de fato da história e da geografia. Nesse caso, as pessoas consideram umas às outras apenas como instrumento para obtenção de seus próprios fins. Um membro de uma instituição política não detém uma responsabilidade para com essa comunidade; sua responsabilidade pode, por exemplo, se limitar aos seus eleitores, principalmente se compreender que ela decorre de uma forma de gratidão, ou de qualquer outro vínculo, por ter sido eleito.

Outro modelo diferente é o da comunidade “de regras”. Aqui os membros da comunidade aceitam o compromisso geral de obedecer a regras estabelecidas por essa comunidade. A obediência a essas regras decorre de um sentimento de obrigação e não de uma mera estratégia; todavia admitem que o conteúdo dessas regras esgote a obrigação para com o resto da comunidade. Eles não reconhecem que essas regras se assentam sob um “compromisso comum decorrente de princípios subjacentes, que são eles próprios, uma fonte de novas obrigações” (DWORKIN, 1999:253); ao contrário, para eles, essas regras representam o fruto de uma negociação entre interesses antagônicos.[69]

O último modelo é o da comunidade de princípios. Esse modelo concorda

[...] com o modelo das regras [no sentido de] que a comunidade política exige uma compreensão compartilhada, mas assume um ponto de vista mais generoso e abrangente da natureza de tal compreensão. Insiste em que as pessoas são membros de uma comunidade política genuína apenas quando aceitam que seus destinos estão fortemente ligados da seguinte maneira: aceitam que são governados por princípios comuns, e não apenas por regras criadas por um acordo político. Para tais pessoas, a política tem uma natureza diferente. É uma arena de debates sobre quais princípios a comunidade deve adotar como sistema, que concepção deve ter de justiça, [equanimidade] e [devido] processo legal e não a imagem diferente, apropriada a outros modelos, na qual cada pessoa tenta fazer valer suas convicções no mais vasto território de poder ou de regras possíveis (DWORKIN, 1999:254).

Logo, os direitos e deveres políticos dessa comunidade não estão ligados apenas às decisões particulares tomadas no passado, mas sim são dependentes de um sistema de princípios que essas decisões pressupõem ou endossam. A integridade é, então, compreendida como um ideal aceito de maneira geral e, por isso mesmo, mostra-se como um compromisso de pessoas, ainda que essas estejam em desacordo sobre a Moral política (DWORKIN, 1999:255). Uma conclusão importante desse modelo é o igual respeito para com os demais, de modo a não aceitar que nenhum grupo seja excluído.[70]

Com Hércules, não poderia ser diferente: ele é um membro dessa comunidade (DWORKIN, 1999:307; HABERMAS, 1998:295). Logo, suas decisões devem refletir seu comprometimento com essa, demonstrando para ela que compartilha dos mesmos princípios – ou seja, explicitando a sua pertença, para usar a linguagem consagrada por Gadamer. Cattoni de Oliveira (2002:91) lembra que o julgador deve se colocar na perspectiva de sua comunidade, considerada como uma associação de co-associados livres e iguais perante o Direito, assumindo uma compreensão crítica do Direito positivo como esforço dessa mesma comunidade, para desenvolver da melhor maneira possível o “sistema de direitos fundamentais”. Com a comunidade de princípios, Dworkin expande o rol de co-autores no empreendimento do romance em cadeia: como Günther (1995:45) observa, todo cidadão é um participante da corrente histórica do Direito, mesmo que virtual; autores e destinatários estão, então, ligados a um esquema coerente de princípios.    

Além disso, Habermas (1998:292) coloca uma importante questão: o juiz compartilha – como todo cidadão – de uma compreensão paradigmática do Direito, que fornece para ele um estoque de interpretações da prática jurídica e orientações normativas, estoque esse compartilhado por todos os membros da comunidade.[71] Tais paradigmas ainda retiram o trabalho hercúleo dos ombros dos membros dessa comunidade, fornecendo certezas em um mesmo pano de fundo compartilhado. [72]

Sobre o autor
Flávio Quinaud Pedron

Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor do Mestrado da Faculdade Guanambi (Bahia). Professor Adjunto no curso de Direito do IBMEC/MG. Professor Adjunto da PUC-Minas (graduação e pós-graduação). Advogado em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRON, Flávio Quinaud. A proposta de integridade para o direito de Ronald Dworkin.: Como casos podem ser decididos à luz de uma “resposta correta”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3526, 25 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23808. Acesso em: 22 dez. 2024.

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