Muito tem se falado a respeito do Projeto de Lei Complementar nº 122, o qual visa alterar a Lei 7.716/89, que "define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor" (Ementa da Lei), além do parágrafo 3º, do artigo 140, do Código Penal.
Atualmente, a questão voltou à tona em razão da famigerada entrevista concedida pelo Rev. Silas Malafaia à jornalista Marília Gabriela, somada à eminente eleição para a Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, dividindo opiniões e reacendendo a discussão em todo o país.
Pois bem, como advogado e, sobretudo, como cidadão, resolvi ler o referido Projeto e tomo a liberdade - já que essa ainda me é garantida pela Constituição da República - para tecer breves comentários, sem a intenção de esgotar o tema.
Devo destacar, por oportuno, que sou totalmente contrário a qualquer espécie de preconceito ou discriminação, independentemente de sua natureza, pois, além dos princípios que carrego, acredito que o pluralismo constitui uma das maiores riquezas de nossa nação, tornando-a única e notável ao redor do mundo.
Voltando-se ao objeto deste ensaio, vislumbra-se que a discussão cinge-se na dita criminalização da homofobia. No entanto, vê-se que, na verdade, o embate ganhou grandes proporções a partir do momento em que o segmento cristão da sociedade insurgiu-se contra a sua aprovação no Congresso Nacional.
Em resposta aos indigitados protestos, a Senadora Marta Suplicy sugeriu a seguinte emenda[1] ao Projeto de Lei Complementar nº 122, qual seja:
“O disposto no caput deste artigo não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente de atos de fé, fundada na liberdade de consciência e de crença de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal.” (NR)
Ora, até aí tudo bem. Com o perdão da palavra, “choveu no molhado” a senadora. Ocorre que, conforme exposto no site criado para apoiar e divulgar o PLC122 (www.plc122.com.br), constata-se que seus mantenedores adicionam o seguinte comentário à proposta da Senadora: “Segundo Marta, isso asseguraria o direito de religiosos pregarem o que acreditam DENTRO de seus templos” (grifo nosso).
Respeitosamente, nada mais equivocado!
Primeiramente, a Constituição da República não assegura a liberdade de crença religiosa tão somente dentro dos templos. Conforme nos ensina o constitucionalista Alexandre de Moraes, “a Constituição Federal, ao consagrar a inviolabilidade de crença religiosa, está também assegurando plena proteção à liberdade de culto e a suas liturgias.” (in Direito Constitucional, 2010, p. 46). Assim, limitar a pregação de religiosos aos seus respectivos templos, seria limitar o núcleo essencial do direito à liberdade de crença religiosa. É dizer, se a doutrina cristã, por exemplo, cinge-se na máxima “Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura” (Evangelho de Marcos, Capítulo 16, versículo 15), limitar a pregação aos seus templos seria, em última análise, limitar a sua doutrina.
Nada obstante, independentemente da insurgência dos cristãos, a qual estaria fundamentada, como visto, na liberdade de crença religiosa (art. 5º, inciso VI, da Constituição da República), olvidam os defensores do Projeto que A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO é também direito fundamental constante do rol das cláusulas pétreas (art. 5º, inciso IV).
Desta feita, se a intenção dos defensores do citado Projeto é “frear o ímpeto cristão”, ou de qualquer outra crença ou manifestação de pensamento que sejam contrárias ao homossexualismo (e, ressalte-se, não contrários aos homossexuais), sua pretensão esbarra em cláusulas pétreas, alteráveis somente através do Poder Constituinte originário, tornando o Projeto de Lei Complementar nº 122, ao menos parcialmente, inconstitucional.
É claro que, a despeito da discussão vertida, o Poder Judiciário se faz presente para, utilizando-se do Princípio da Proporcionalidade e de todo o arcabouço de nosso ordenamento, julgar caso a caso eventuais excessos. Contudo, tentar engessar referidos princípios revela-se sobremaneira temerário e, como dito, inconstitucional.
Portanto, há de se estabelecer o debate democrático, mas sem limitar as liberdades garantidas.
Nota
[1] Embora esta proposta da Senadora Marta Suplicy não tenha sido levada adiante, a discussão torna-se válida em razão das consequências que eventualmente decorrerão da possível aprovação do projeto e sua definitiva transformação em lei.