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Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova

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Agenda 12/06/2013 às 08:46

13.A positivação da Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor

Não obstante o malabarismo de preceitos do CPC que justifiquem a possibilidade de se aplicar, supletivamente, a dinamização probatória, é no Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, que a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova auferiu o status de norma processual.

No CDC, o critério de distribuição do ônus da prova avança além da posição processual das partes(autor ou réu) e da natureza dos fatos alegados(constitutivos ou modificativos, impeditivos ou extintivos) por cada uma, em busca dos anseios do consumidor. Aqui, o que se visa é a proteção do consumidor, porquanto, sob este escopo abre-se a possibilidade do juiz, no julgamento de uma causa decorrente das relações de consumo, atribuir o ô ônus da parte, por exemplo, ao réu, ainda que para provar a inocorrência do fato constitutivo da pretensão.

O artigo 6º, inciso VIII, do CDC preceitua:”São direitos básicos do consumidor: a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;(...);

. Frise-se que o referido preceito do CDC não aboliu a distribuição estática do ônus da prova, mas conferiu ao juiz a mudança de critério do artigo 333 do CPC quando verificar ele a hipossuficiência do consumidor na produção da prova. A hipossuficiência aqui tratada no CDC é técnica e não econômica.

Luiz Antônio Rizzato define a hipossuficiência do consumidor no seguinte sentido: Mas hipossuficência para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ ou intrínseco, de distribuição, de modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc.”[45]

 Ao lado da hipossuficiência técnica do consumidor a lei também contempla como hipótese de inversão do ônus da prova a verossimilhança da alegação do consumidor, conforme as regras ordinárias de experiência. Note-se que as hipóteses aventadas, hipossuficiência e verossimilhança, não são cumulativas, mas alternativas. Basta a ocorrência de uma delas para que o juiz proceda à inversão.

 Enfim, o Código de Defesa do Consumidor é o marco inicial de legalização expressa da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Vale concluir, pois, que a dinamização do ônus da prova desde 1990 se constitui como instituto integrante do nosso ordenamento jurídico.


14.Casos de aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova

Em face do já analisado acima, conclui-se que a possibilidade de excecpionar-se a regra do artigo 333 do CPC de modo a dinamizar o ônus da prova constitui-se a prática da instrumentalização do processo voltada à maior efetividade e justiça na prestação jurisdicional.

Artur Carpes afirma que: A dinamização proporciona ao juiz melhor distribuir os esforços de prova, transferindo o ônus acerca da prova de determinadas circunstâncias de fato que compõem o objeto litigioso, de forma a adequar a atividade probatória das partes à máxima efetividade, proporcionando que nenhum esforço seja perdido e todo o esforço seja recompensado na busca pela verdade.[46]

Neste contexto, exemplifica-se determinados casos concretos julgados no Brasil em que a dinamização se fez ali presente.

a. Dano ambiental

 Na ação civil pública em que se pretendia a indenização por danos ao meio ambiente aforada contra a refinaria de petróleo, ô ônus de provar passou a ser da ré, conforme o julgamento de agravo de instrumento em que se inverteu o ônus da prova. A primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assim decidiu sob o seguinte fundamento: “ a ideia de acessibilidade à Justiça não pode resultar restrita ao acesso aos tribunais, mas deve ser compreendida como modo de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa e plena, ao bem da vida buscada na ação, não por partes ou por metade. E isto é o que ocorre quando não se instrumentaliza o processo e o juiz com os meios de prova e modo ou forma de as realizar dotados de possibilidade de alcançarem os julgadores uma plena e efetiva demonstração do fato que se pretende provar. Portanto é que a possibilidade de inversão do ônus da prova afigura-se como precioso instrumento para assegurar a efetividade da proteção dos interesses difusos e coletivos, mormente em relação à proteção ao meio ambiente, em que as demandas envolvem questões probatórias complexas e que exigem um olhar probatório moderno e verossímil incompatível com a não utilização de instrumentos necessários e convenientes à realização de uma bem aparelhada dicção do direito.[47]

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b.  Erro médico

No Brasil, as demandas que envolvem responsabilidade civil por erro médico vêm sendo decididas com base no Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual a dinamização do ônus da prova já está lá positivada. Atribuiu-se o ônus da prova ao réu para ali desvencilhar-se da ausência de culpa no serviço que foi prestado ao autor, salvo nos casos de serviço público de saúde, porquanto, em tese não se configuraria relação de consumo, havendo ser decidido a causa sob a ótica do direito processual comum, não se descartando, todavia, a possibilidade também de inversão do ônus da prova, com base nos preceitos processuais já aqui examinados.

 A dinamização do ônus da prova se faz aqui necessária, porquanto o paciente não detém os prontuários médicos e tampouco meios de demonstrar ao juiz o procedimento que lhe foi ministrado, isto é, a rigor é mais equânime e sensato o médico demonstrar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia mediante a prova de que se utilizou do procedimento médico padrão e correto do que a vítima apontar para o juiz como ocorreu a culpa do médico.

No julgamento de determinado caso de erro médico ocorrido no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim pronunciou esta Corte quanto à necessidade de dinamização do ônus da prova:

Não se ignora a dificuldade de obtenção da prova, sempre que a ação se funda em erro médico.Um arraigado, e equivocado, conceito de ética médica serve a obstaculizar a elucidação dos fatos, levando, no mais das vezes, à improcedência de demandas que visem à responsabilidade de profissionais dessa área.

Não por outra razão, em doutrina, com alguns reflexos jurisprudenciais, tem-se trazido a essa seara a denominada Teoria da carga dinâmica da prova, que outra coisa não consiste senão em nítida aplicação do princípio da boa-fé no campo probatório. Ou seja, deve provar quem tem melhores condições para tal. É logicamente insustentável, que aquele dotado de melhores condições de demonstrar os fatos, deixe de fazê-lo, agarrando-se em formais distribuições dos ônus de demonstração. O processo moderno não mais compactua com táticas ou espertezas procedimentais e busca, cada vez, mais, a verdade.

 Pois, é na área da responsabilidade médica que o profissional de medicina tem, evidentemente, maiores(se não a única) possibilidade de demonstração dos fatos, que a referida concepção probatória encontra campo largo à sua incidência. Como consequência prática, inverte-se o ônus probatório. O médico é quem deve demonstrar a regularidade de sua atuação.[48]

c. Responsabilidade civil objetiva

Questão interessante se apresenta na análise da responsabilidade civil objetiva prevista nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, no artigo 14,§ 1º da Lei 6.938/81 e no artigo 927 do Código Civil. Aqui, o elemento culpa não se constitui objeto de prova, porquanto se impõe ao fabricante, produtor, construtor, fornecedor, poluidor e empresário de atividade de risco a responsabilidade pela ocorrência do dano, independente de haver ocorrido ou não negligência, imprudência ou imperícia.

O objeto de prova circunscreve-se apenas quanto ao dano e a existência de nexo causalidade, que a principio, está o sob o encargo probatório do autor, pela regra do artigo 333 do CPC, podendo, todavia, se o juiz assim achar necessário, a inversão do ônus da prova ao réu para provar a inexistência do dano ou do nexo de causalidade. Contudo, não há de se confundir a inversão do ônus da prova com relação ao dano e nexo causalidade com a possibilidade do réu fazer a prova de culpa exclusiva da vítima para afastar a sua responsabilidade objetiva. Portanto aqui se distingui a distribuição dinâmica do ônus da prova da distribuição estática do ônus da prova. Na primeira situação, ocorreu a inversão do ônus da prova, ao passo que na segunda situação, o réu fez prova de fato modificativo do fato constitutivo aduzido pelo autor.

d. Responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho

Da mesma forma, também ocorre com a responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho. Não obstante haver certa polêmica entre adoção da responsabilidade objetiva ou subjetiva do empregador quanto aos acidentes causados aos seus empregados, a inversão do ônus da prova mostra-se prática cotidiana na justiça obreira para que a ré faça prova de que cumpriu todas as normas de Segurança e de Medicina do Trabalho de modo a afastar a negligência, imprudência ou imperícia ou faça a prova de que foi o empregado o único culpado pela ocorrência do acidente.

 e. Expurgos econômicos

 A ação proposta em que se veicula o pedido de pagamento dos expurgos econômicos pelo correntista de agência bancária se constitui outro exemplo em que o juiz pode inverter o ônus da prova ao réu, o Banco para que este se desincumba dos extratos bancários dos últimos vinte anos, com o propósito de se afastar a proa diabólica do autor.


 15..A proposta da adoção de teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no Projeto do novo CPC

A proposta do novo código é a de justamente possibilitar a igualdade substancial e a paridade de armas entre as partes litigantes de modo a estabelecer a exata congruência entre a prova e a condição da parte, independente da sua posição processual ou da natureza do fato alegado em juízo.

Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero comentam sobre a proposta do novo código: Trata-se técnica processual que visa a densificar o direito ao processo justo e à tutela adequada no processo civil[49].

Afirmam, ainda, os autores que a dinamização do ônus da prova como regra do CPC é compatível com a Constituição Federal, porquanto inserida no contexto do direito fundamental à prova e da efetividade do processo.[50]


16.Conclusão

Conclui-se a presente explanação com a convicção de que o atual critério de distribuição de prova não resolve de modo eficiente todas as questões que são levadas ao Judiciário.

O critério de distribuição do ônus da prova levando-se em conta a posição da parte no processo e a natureza do fato aduzido em juízo em muitas situações não assegura ao juiz a formação plena do seu convencimento sobre toda a veracidade dos fatos constantes dos autos.

A verdade formal, aquela decorrente de mecanismos processuais não satisfaz o anseio de justiça visado pelos jurisdicionados. Ao invés do juiz se posicionar como mero expectador e adotar a distribuição estática do ônus da prova como regra de julgamento, deve ele buscar a prova de quem tem melhores condições de fazê-lo, como nos casos já mencionados de erro médico, dano ambiental, responsabilidade civil decorrentes das relações de consumo, responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho e ouros casos semelhantes.

 Em suma, sou favorável a aprovação da proposta embutida no projeto, obviamente não como regra principal,mas sim como regra supletiva quando o juiz concluir que a distribuição estática mostra-se inexiquível de possibilitar plena cognição do juízo de fato.


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Sobre o autor
Fernando Luiz Vicentini

Mestrando em Processo Civil pela PUC –SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICENTINI, Fernando Luiz. Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3633, 12 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24683. Acesso em: 19 nov. 2024.

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