Resumo: A Emenda Constitucional nº 72 alterou a redação do artigo 7º da Constituição da República de 1988 e assegurou aos empregados domésticos o limite da duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais. Face a peculiaridade da relação jurídica envolvendo empregados e empregadores domésticos o modo como fiscalizar a jornada de trabalho desses trabalhadores tem provocado discussões no mundo jurídico, com entendimentos divergentes sobre a necessidade do registro de ponto, face a inexistência de previsão legal. Alicerçado em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, este trabalho tem como principal objetivo demonstrar a importância do registro de ponto para controle da jornada de trabalho do empregado doméstico não obstante a inexistência de uma determinação legal específica.
Palavras-chave: Empregado doméstico.Registro de ponto.Importância.
INTRODUÇÃO
A limitação da duração do trabalho normal do empregado doméstico foi assegurada pela Emenda Constitucional nº 72.
Contudo, o controle efetivo da jornada de trabalho dessa categoria não possui uma previsão legal específica o que tem provocado divergências de entendimentos sobre a sua necessidade.
Diante disso, torna-se necessária uma análise pormenorizada dessa questão, que será feita, neste trabalho,através de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, visando demonstrar a necessidade da assinalação do registro de ponto pelo empregado doméstico.
O PORQUÊ DO REGISTRO DE PONTO PARA OS EMPREGADOS DOMÉSTICOS
Recentemente foi promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal a Emenda Constitucional nº 72(1) que alterou a redação do parágrafo único do artigo 7º da Constituição da República estabelecendo a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
Um dos direitos assegurados à categoria dos trabalhados domésticos foi a
duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho(2)
Não obstante a importância da extensão do direito à limitação da duração do trabalho aos empregados domésticos uma questão relevantesurgiu no mundo jurídico: como controlá-la e, posteriormente, em eventual ajuizamento de ação trabalhista, como prová-la.
Para esta questão despontada a alternativa que entoa com enormealvura é a obrigatoriedade da anotação pelo empregado doméstico do registro de ponto.
Contudo, vem ganhando forte destaque o entendimento no sentido de que o registro de ponto não é obrigatório para o empregado doméstico,exceto quando existir na residência mais de dez empregados, conforme exigência do artigo 74,§2º da CLT.
Nesse sentido pede-se venia para transcrever um trecho da entrevista concedida pelo Excelentíssimo desembargador Fernando Rios Neto, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que participou da Comissão Especial da Igualdade de Direitos que tratou da PEC no Congresso Nacional:
Como controlar as horas extras e o horário de entrada, intervalo e saída do empregado doméstico?
A emenda constitucional que vem a lume determina somente o regime de duração de trabalho em igualdade com os demais empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Desse modo, aplica-se a prescrição contida no § 2º do art. 74 da Consolidação, que somente exige o controle manual, mecânico ou eletrônico de horários nos estabelecimentos que tenham mais de 10 (dez) empregados. Sendo assim, considero inexigível do empregador doméstico (a menos que tenha mais de dez empregados na residência) que mantenha o controle rígido de horário de trabalho do empregado doméstico. Quanto ao quadro de horário, trata-se de documento específico das empresas, para verificação e fiscalização, o que também não se mostra adequado às residências, mas nada custa que seja estabelecido por escrito, com a ciência do empregado (assinatura), a delimitação dos horários que devem ser cumpridos na semana, inclusive com compensação semanal (se for o caso) e com a pré-assinalação do intervalo.(3)
Bem como, pede-se venia para transcrever trecho da cartilha “Trabalhador Doméstico” elaborada pelo Ministério do Trabalho:
14- Como será feito o controle da jornada de trabalho? É necessáriofolha de ponto?
Resposta: A jornada deverá ser estabelecida entre trabalhadore empregador, não sendo obrigatório o controle dejornada do trabalhador doméstico, da mesma forma quea jornada de trabalhadores em empresas comuns que sósão obrigatórios os controles de ponto de forma manual,mecânica ou eletrônica, a partir de 10 trabalhadores.(4)
Todavia, data venia, esse posicionamento merece uma análise mais profunda, em consonância com todo o ordenamento jurídico pátrio.
Com efeito, o parágrafo 1º da lei 5859 dispõe que empregado doméstico é aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas(5).
Destaca-se: empregado doméstico é aquele que presta serviços à pessoa ou família, no âmbito residencial destes. Logo, o local da prestação de serviços é a residência da família.
Se for acolhido o entendimento sobre a desnecessidade do registro de ponto para a relação de emprego do doméstico, como exposto acima, como deverá ser efetuada a fiscalização do cumprimento da jornada de trabalho desse trabalhador? Assim como, no futuro, em uma ação trabalhista, como provar eventuais horas extras e compensações de jornada?
Dispõe o artigo 829 da Consolidação das Leis do Trabalho que
A testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu depoimento valerá como simples informação.(6)
Complementa o artigo 405,§2º, I, do Código de Processo Civil que
Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas
(…)
§ 2º São impedidos:
I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;(7)
Logo, face a peculiaridade que envolve a relação jurídica entre os contratantes e os impedimentos legais acima transcritos, observa-se que a prova testemunhal, muito utilizada para solucionar litígios entre empregados e empregadores - na Justiça do Trabalho - será muito difícil de ser produzida e aproveitada pelos envolvidos.
Então, como mensurar os trabalhos extraordinários e as compensações de jornada? Efetivamente, como controlar a jornada de trabalho do empregado doméstico?
O Colendo Tribunal Superior do Trabalho, decidindo reiteradamente demandas envolvendo o ônus da prova na jornada de trabalho, assentou ser ônus do empregador, que conta com mais de 10 empregados, o registro da jornada de trabalho, o que se extraido verbete súmular 338, item I, fulcrado no artigo 74,§2º da CLT
Súmula 338 - JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez)empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa deveracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003)(8)
Art. 74 - O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.
(…)
§ 2º - Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso.(9)
Amparado nesse entendimento do Colendo Tribunal Superior do Trabalho é que se sustenta o posicionamento acima transcrito no qual o registro de ponto é instrumento necessário somente para os empregados domésticos que trabalham em residência com mais de dez empregados domésticos.
Porém, data venia, os defensores desse entendimento deixam de observar que o artigo 74, §2º da CLT, alicerce da súmula 338/TST, não aplica aos empregados domésticos, por disposição expressa do artigo 7º, alínea “a” da CLT:
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam:
a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas;(10)
Diante disso, observa-se que inexiste uma previsão legal sobre a obrigatoriedade (necessidade) do controle de ponto da jornada de trabalho do empregado doméstico, todavia, isso não quer dizer que o empregador não deve exigir dele o registro do seu horário de trabalho, pois, o empregador é quem detém os poderes de direção e fiscalização da relação empregatícia, logo, compete a este o controle efetivo da jornada de trabalho que deve ser feita pelo registro de ponto.
Salienta-se que, o registro de ponto adquire relevância diante da dificuldade de controlar a jornada por outros meios e eventual discussão em juízo sobre a duração do trabalho do empregado doméstico caberá ao empregador a comprovação do horário efetivo de trabalho.
Segundo Armando Porras Lopes deve probar (…) el que esté en aptitud de hacerlo, independientemente de que sea el actor o el demandado. (11)
Assim, fica evidente a importância do registro do ponto do empregado doméstico, não obstante a inexistência de previsão legal sobre a sua obrigatoriedade, servindo este registro como uma garantia para o empregado que a duração do trabalho normal máxima será respeitada, bem como uma segurança para o empregador que em eventual discussão judicial sobre o trabalho extraordinário, estará este resguardado pelos registros de ponto.
PROVA – ÔNUS – APTIDÃO. Não se deve cristalizar as regras atinentes ao ônus probatório, mas, antes, atender ao princípio da aptidão da prova, de modo que cabe a prova à parte que melhores condições tem para produzi-la. A visão estática da distribuição do ônus da prova, turvou-se já, sendo que, de maneira muito límpida, nos dias que correm, há dar proeminência ao modo de ver que redunda na idéia da distribuição dinâmica do “ônus probandi”. Deve atendê-la quem está em melhores condições e/ou possibilidades de produzir a prova, o que há de ser estabelecido atento ao caso concreto e não de maneira vaga e abstrata (também superficial?) antecipadamente fixada, e que, não raras vezes acaba por ignorar a realidade, a palpitação e as incontáveis variações que a complexidade da vida hodierna provoca, refletindo, como é palmar, de maneira negativa no processo e na distribuição da Justiça, com o que, por óbvio, não se pode concordar.(TRT 15ª Região – RO 1486.2006.046.15.00.2 (36530/07) – 5ª C. Rel, Juiz Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani – DOE 10/08/2007 – p. 74)(12)
Nesse contexto, por todo o considerado, ousa-se discordar dos entendimentos contrários que pregoam a inexigibilidade do controle rígido de horário de trabalho do empregado doméstico, independente no número de empregados doméstico que trabalham na residência, restando clara a importância do registro de ponto no trabalho do empregado doméstico.
CONCLUSÃO
O ganho social que a Emenda Constitucional nº 72 trouxe para a categoria dos empregados domésticos é inegável.
No presente trabalho procurou demonstrar a importância de se assegurar um desses ganhos trazidos pelo Poder Constituinte Derivado ao defender a necessidade da assinalação dos registros de ponto por todos os empregados domésticos, independente do número de trabalhadores na residência do empregador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) BRASIL. Emenda Constitucional nº 72, de 2 de abril de 2013. Altera a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. Disponivel na internet:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc72.htm. Acesso em 14 de maio de 2013.
(2) _____. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponivel na internet:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm. Acesso em 14 de maio de 2013.
(3) Entrevista completa disponível na internet:http://as1.trt3.jus.br/noticias/no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=8534&p_cod_area_noticia=ACS&p_txt_pesquisa=dom%E9stico. Acesso: 14 de maio de 2013.
(4) _____. Ministério do Trabalho. Cartilha Trabalhador Doméstico. Disponível na internet: http://portal.mte.gov.br/trab_domestico/trabalho-domestico.htm. Acesso: 14 de maio de 2013.
(5) ______. Lei nº5859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm. Acesso: 15 de maio de 2013.
(6) ______. Decreto-Lei nº 5452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm. Acesso: 15 de maio de 2013.
(7) ______. Lei nº 5869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm. Acesso: 15 de maio de 2013.
(8) ______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível na internet: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-338. Acesso: 15 de maio de 2013.
(9) ______. Decreto-Lei nº 5452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm. Acesso: 15 de maio de 2013.
(10)______. Decreto-Lei nº 5452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm. Acesso: 15 de maio de 2013.
(11) PORRAS LOPES, Armando. Derecho procesal del trabajo apud PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho. 2ª ed. São Paulo. LTr. 2010. p.122
(12)______. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. 5ª C. Recurso Ordinário01486.2006.046.15.00.2. Rel. Juiz Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani. DOE 10.08.2007. Disponível na internet: http://portal.trt15.jus.br/. Acesso em 16 de maio de 2013.