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A posição da Santa Sé no direito internacional

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Agenda 20/09/2013 às 08:08

A posição da Santa Sé no cenário das relações exteriores é, muitas vezes, vista com desconfiança e como fator comprometedor, devido ao seu conservadorismo, à nova dinâmica contemporânea das relações interestatais.

Não penseis que vim revogar a Lei ou os profetas? Não vim revogar, vim para cumprir. (Mateus, v.17, 18; NT; Bíblia)

Resumo:Meio a um cenário globalizante, em que a liberdade de valores e a tolerância de diferenças tornam-se premissas maiores das relações interestatais, a Santa Sé mostra-se, a princípio, como uma entidade controversa e alheia à nova dinâmica internacional. Muito devido a seu reconhecido conservadorismo para tratar de assuntos sócio-políticos, o engajamento da Santa Sé nas mais diversas searas do Direito e das Relações Internacionais foi paulatinamente visto com mais desconfiança. Entretanto, o que se vê atualmente é a manutenção e, em determinados casos, uma verdadeira ascensão de sua influência geopolítica, seja na celebração de concordatas com vários países constitucionalmente laicizados ou no embasamento principiológico dos principais desenvolvimentos capitaneados pelo Direito Internacional. Adentrar no contexto desta aparente contradição é o principal objetivo deste estudo.

Palavras-chave:Santa Sé - Relações Internacionais - Posição Geopolítica.

Sumário:I. Introdução.II. Breve contexto das relações entre a Religião e o Direito até a formação da Santa Sé.III. O Estado Neutro do Vaticano.IV. Do Reconhecimento do Estado do Vaticano.V. Do antigo relacionamento entre Itália e a Santa Sé.VI. O tratado de Latrão e suas Repercussões.VII. De entidade contestada a uma das grandes influências do Direito Internacional.VIII. A Doutrina Político-Internacional dos Papas.IX. Participação Papal na mediação de conflitos internacionais.X. Tratados e Concordatas.XI. Conclusão e Disposições Finais.XII. Referências Bibliográficas e Bibliografia.


Introdução:

A presença de um País soberano que, não obstante apresente inexpressíveis dimensões, delineie sua política externa com posições axiológicas firmes e, por vezes, extremadas, tende a causar certo temor e rejeição, meio a uma Comunidade Internacional que se mostra cada vez mais liberal e tolerante. De fato, a realidade que que se posta centra-se no fenômeno da Globalização e no estreitamento das mais diversas relações inter e supranacionais. O sucesso alcançado pela criação dos blocos econômicos, neste contexto, se deve, sobretudo, ao fato de tolerarem, em sua estrutura interna, países com grandes diferenças culturais e até religiosas. Ainda assim, no revés do limiar tendencial que por ora se evidencia, sobrevive um ente público conservador, que, a priori, não acompanha o movimento globalizante em curso. Imerso em valores tradicionais e posições muitas vezes destoantes do que vige na sociedade, a relevância emanada deste Estado para a cena internacional é, de fato, intrigante.

Trata-se do Vaticano, um dos menores países do globo e berço de uma das maiores religiões existentes. Historicamente, resta evidente que a influência exercida nas relações internacionais extrapolou e ainda extrapola suas dimensões. Influência esta que, antigamente e principalmente nos tempos medievais, justificava-se em razão da autoridade exercida pela Igreja Católica. Hodiernamente, contudo, o fundamento legitimador de seu poder e influência não mais pode ser tido como o de outrora. Isto porque, como afirmado supra, os valores cultuados no cenário interestatal não se compatibilizam com a doutrina cristã e, neste sigma, não são aptos a legitimar a sua posição de destaque do Vaticano no plano mundial.

Mais que isto. A despeito da influência da Santa Sé nas relações internacionais, não é difícil se deparar com oposições oriundas das mais variadas frentes em face a seu conservadorismo e valores cultuados. Têm-se, na realidade, Estados e sociedades que gradativamente orientam-se por ideias de índole liberal, enquanto a Santa Sé não acompanha, num primeiro olhar, esta tendência evolutiva. Não por acaso, a posição da Santa Sé no cenário das relações exteriores é, muitas vezes, vista com desconfiança e como fator comprometedor, devido ao seu conservadorismo, à nova dinâmica contemporânea das relações interestatais.

Diante desta situação desfavorável ou, pode-se dizer, de incompatibilidade lógica, impende analisar a posição do Vaticano no Direito Internacional, bem como explicar como se dá sua relação com países laicos a partir da ratificação do Tratado de Latrão, marco histórico do restabelecimento da força política do catolicismo. O fato de a Igreja Católica, representada politicamente pelo Vaticano, ser uma instituição de posições fixas e dogmáticas não impede, como deve se observar, que diversas nações estabeleçam com ela acordos políticos e econômicos, e busquem apoio e legitimidade justamente em suas posições imutáveis. Ao contrário, o Vaticano é considerado uma instituição de grande relevância para as relações entre os Estados e para o Direito Internacional. Ainda que sob uma análise superficial das relações interestatais, pode-se depreender que a Cidade-Estado não só participa da dinâmica de relações exteriores como também produz ou produziu normas e princípios defendidos como pilares estruturais para o estabelecimento de uma boa convivência entre os Estados.

Situação essa observada invariavelmente na cena internacional quando do estabelecimento de tratados internacionais (concordatas) entre a Santa Sé e os Estados  para assegurar direitos dos católicos nacionais ou da própria Igreja Católica naquelas Nações. Ademais, muitas destas concordatas foram assinadas momentos depois de os Estados se laicizarem, como forma de garantir direitos para a Igreja, bem como a permitir sua existência em tais países. Nesse contexto, admite-se, pois, que o fato de os Estados se desvincularem da esfera religiosa não é impeditivo de o Vaticano exercer sua influência na Estrutura de um poder laico.

Michel Onfray corrobora a presente reflexão e traz, em sua obra, tida como referência para o ateísmo contemporâneo, considerações importantes e realistas. Atesta o filósofo, em Tratado de Ateologia, que:

“apesar do triunfo (aparente) dos ideais do iluminismo, que sonhara com um direto laico e que, portanto, distinguisse e separasse, muito claramente, direito e moral, direito e religião, crime e pecado, ainda hoje a episteme do direito permanece judaico-cristã, pois no essencial se mantém fiel aos seus valores fundamentais […]”.[1]

Ao encontro do exposto por Onfray, está a possibilidade de se mencionar não só Deus, como a Igreja Católica no preâmbulo da iminente Constituição Europeia: a maior ambição articulada na História do Direito Internacional visando à integração dos Estados. Essa disparidade aparente, existente entre o fato de a principal associação inter-estatal do mundo, responsável por congregar países de diferentes culturas e por primar pela tolerância e liberdade religiosa, possuir parte de seu texto influenciado por uma Instituição autocrática e dogmática, demonstra que a Igreja ainda possui um papel fundamental no cenário Internacional.

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Nesta esteira de ideias, o presente trabalho constitui uma breve análise reflexiva do status alcançado pelo Vaticano nas relações internacionais neste último século. Secundariamente e seguindo uma linha de pensamento axiológica, o estudo tem o escopo de alumiar como se deu o relacionamento entre a Religião Católica e o Direito a partir da ratificação do Tratado de Latrão.

Nesse intento, compreender a formação do Vaticano e de sua estrutura atual, bem como o entendimento do Tratado em questão e suas repercussões, são elementos imprescindíveis para superar as contradições inseridas no fato de existir um influente Estado neutro e autocrático, em meio a uma comunidade liberal e democrática. São elementos necessários, ainda, para refletir acerca da viabilidade de sua complexa existência perante uma comunidade internacional hostil aos seus dogmas e princípios; situação essa, alcançada, sobretudo, com a consecução do Tratado de Latrão.

Por fim, fundamentando de forma adequada o tema exposto, o famigerado político paulista Franco Montoro asseverava, em uma de suas obras:

"Na própria origem histórica do direito, está a norma indiferenciada, de cunho moral e religioso. [...] não faltam exemplos da influência permanente de fatores morais e religiosos na vida do direito".[2]


Breve contexto das relações entre a Religião e o Direito até a formação da Santa Sé

As formas de agir e de comportar-se socialmente são frutos de um processo de cristalização e uniformização de princípios e comportamentos tidos como éticos, em resposta a práticas cotidianas. Todo esse processo visa à manutenção da coesão social de determinado grupo ou sociedade. De fato, ao longo da história, percebemos que o homem produz e reproduz modelos de conduta que, quando socialmente aceitos em sua época e por seus respectivos grupos hegemônicos, adquirem força moral e/ou legal (dependendo de haver ou não uma exigibilidade coercitiva em torno de determinado comportamento). Dessa forma, a normatização criada pelos Homens variava conforme sua natureza moral (religiosa) ou legal e, por consequência, de acordo com sua exigibilidade coercitiva.

No período antigo, a normatividade humana não diferenciava sua natureza, fosse ela moral, religiosa ou impositiva (direito), fazendo com que a produção do direito se aliasse umbilicalmente à religião. Vê-se, por conseguinte, que direito e religião se mesclavam de forma tão acentuada, que o poder do Estado era exercido de modo unipessoal pela figura do rei, o qual concentrava, não só os poderes militares e civis, mas também os religiosos.

Essa relação ambígua entre Direito e Religião perdurou durante a Idade Média, apesar de houver momentos de ruptura, quando da Reforma Protestante, por exemplo. No entanto, foi com as revoluções burguesas conjugadas ao movimento Iluminista que se idealizou uma separação mais nítida entre a esfera moral (religiosa) e a legal (direito). Essa separação, intensificada durante a Idade Moderna, foi também preconizada na Itália, berço da Igreja Católica, durante sua unificação no século XIX. Nesse momento, a conquista dos territórios papais pelo movimento de unificação gerou um período de grande instabilidade entre Igreja Católica e o novo país formado, que culminou com o rompimento e o não-reconhecimento entre as duas entidades.

Todavia, essa situação de clara decadência do catolicismo toma novo rumo com a ratificação do tratado de Latrão no século XX, celebrado pelo Papa Pio XI e pelo Premiê Benito Mussolini. O acordo firmado entre as partes não só celebra o reconhecimento mútuo, mas reafirma uma nova união entre o Estado laico e a Igreja. Mais que isso, a entidade católica adquire personalidade jurídica no Direito Internacional, congregando, como elementos constitutivos, um território e a plena soberania sobre um Estado Católico: o Vaticano. Depreende-se, desse contexto, que a Igreja Católica adquire uma posição de maior relevância no cenário internacional, de forma a recuperar parte do prestígio que outrora tivera.

Antes de compreender essa nova posição e a influência da Igreja, deve-se, preliminarmente, analisar o que seja a Cidade-Estado do Vaticano, bem como o que representou o Tratado de Latrão e quais foram suas repercussões; próximos tópicos do presente trabalho.


O Estado Neutro do Vaticano:

O Vaticano (oficialmente, Estado da Cidade do Vaticano) é o menor país do mundo, tanto por população, quanto por área. A Cidade do Vaticano é uma Cidade-Estado que existe desde 1929, quando foi ratificado o Tratado de Latrão entre o premier Benito Mussolini e o Papa Pio XI. Este acordo internacional trata o Estado do Vaticano como uma nova criação, um novo sujeito de direito internacional, e não como um vestígio dos Estados Pontifícios, outrora invadidos pelos exércitos de Emanuel II que lutavam pela Unificação Italiana durante o século XIX.

A Cidade-Estado do Vaticano é uma entidade distinta da Santa Sé. Aquela “é um instrumento para a independência da Santa Sé que, por sua vez, tem uma natureza e uma identidade própria sui generis, enquanto representação do governo central da Igreja”.[3] O sujeito de direito internacional é a Santa Sé. As relações e acordos diplomáticos (Concordatas) com outros Estados soberanos, portanto, são com ela estabelecidos e não com o Vaticano, que é um território sobre o qual a Santa Sé tem soberania.

O Estado do Vaticano ocupa uma posição peculiar no cenário internacional. Isso se deve ao fato de ser a legítima sede da Igreja Católica Apostólica Romana (a maior e mais popular religião do Globo), e constituir, simultaneamente, o menor país soberano reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU). O Vaticano localiza-se literalmente no centro de Roma, capital da Itália, “em um território de aproximadamente meio quilômetro quadrado, onde vivem cerca de 900 pessoas, incluindo o Líder da Igreja Católica, o Papa”.[4]

A estruturação do poder estatal também destoa da linha seguida pela maioria dos países soberanos. O Papa, chefe de Estado eleito em um colégio de cardeais (denominado conclave) para um cargo vitalício, detém, no Estado do Vaticano, os poderes legislativo, executivo e judicial. Pode-se, pois, considerar o Vaticano como uma autocracia, vez que todos os poderes estão concentrados na figura do Papa, e tendo em vista a inexistência de qualquer órgão que fiscalize seus atos como governante. Todo esse contexto e essa estruturação perfazem-se mediante elementos religiosos. É justamente a crença em valores e dogmas divinos que legitima o sistema de governo da Santa Sé. O próprio fato de não haver fiscalização, externa ou interna, dos atos do governante do Vaticano (Papa) inspira um raciocínio/crença religiosa: por ser considerado sucessor de São Pedro, não deve prestação de contas a ninguém, considerando-o um emissário de Deus na Terra.

No entanto, apesar de o Vaticano ser reconhecido internacionalmente como Estado autônomo não só pelos principais países, como pelas principais organizações internacionais (dentre as quais vale citar a ONU), essa entidade soberana não apresenta todos os elementos necessários para constituir-se como Estado propriamente dito segundo a doutrina majoritária. De fato, para formar-se um Estado, são necessários, sucintamente, um território, a soberania sobre esse local e um povo com identidade nacional. Entretanto, observa-se, sem grandes dificuldades, que o Vaticano possui um território soberano, mas seus habitantes são constituídos por indivíduos de outras nacionalidades. Dessa forma, concluir-se-ia que a sede da Santa Sé não é um Estado formalmente constituído, mas uma exceção ao que é preconizado por grande parte da doutrina internacionalista.

Vale frisar, porém, que uma Nação pode existir sem estar atrelada ao conceito de Estado. Curdos, palestinos e tibetanos freqüentemente são citados como exemplos de stateless nations, ou seja, "nações sem Estado". Possuem interesses e uma finalidade existencial comum, bem como não se identificam com o Estado onde estão localizados e subjugados à sua soberania.

Retorna-se, portanto à questão: seria possível vislumbrarmos um Estado sem seus Nacionais? Sim, isso é, de fato, possível. Entretanto, trata-se de um caso atípico e único no mundo atual. O Vaticano é um Estado sem ou com pouquíssimos nacionais. É evidente que há habitantes no Vaticano. No entanto, estes não são, em regra, seus nacionais.

O Vaticano é basicamente composto de seus representantes religiosos de diferentes nacionalidades - e em maior número de italianos - e de uma guarda estrangeira (de origem suíça) responsável pela proteção do Chefe de Estado. Por sinal, outra exceção à regra é o fato do Vaticano ser o único Estado do mundo que não exige que um nacional nato seja Chefe de Estado, justamente, pela quase-inexistência de um nacional proveniente do Vaticano. Por isso, admite-se que um papa brasileiro, por exemplo, seja plenamente capaz de exercer legitimamente o comando executivo do Estado do Vaticano e da Santa Sé.

Cumpre dizer, por derradeiro, que o Vaticano, representado pela figura da Santa Sé, dispõe de Personalidade de Direito Internacional por conta de seu legado histórico, marcado por direcionar a conduta de Estados litigantes, exercer uma posição de mediação em conflitos internacionais, e por influenciar, materialmente, as relações entre os Estados e o próprio Direito Internacional.

A título de conclusão, a Cidade-Estado do Vaticano pode ser vista sobre dois enfoques: um jurídico e outro cultural (religioso). Sob o primeiro, subdivide-se o Vaticano em uma visão interna e outra internacionalista. Associada ao perfil jurídico interno, a sede da Igreja Católica é vista como um Estado autônomo, soberano, com um território definido, mas que não possui uma nação própria. Vista de acordo com o perfil jurídico internacional, vislumbra-se o Vaticano como uma extensão da Santa Sé, que desempenha um importante papel na dinâmica do Direito Internacional, sendo, portanto, um sujeito ativo e passivo das normas e tratados internacionais. Ao contrário, consoante o perfil cultural (religioso), o mais disseminado, o Vaticano é a sede da Santa Sé, é o berço da religião mais popular do globo, e é o domicílio do indivíduo mais próximo de Deus: o Papa.


Do Reconhecimento do Estado do Vaticano

A formação do Direito Internacional Público (DIP) e de uma comunidade internacional é contemporânea à aparição dos Estados. Os Estados foram, segundo a doutrina majoritária, os primeiros entes do DIP a surgir e constituíram os únicos sujeitos de Direito Internacional Público até o início do século XX. Por isso, os Estados são chamados de sujeitos clássicos ou originários de Direito Internacional Público.

Estado não se confunde nem com Nação (da qual é a organização jurídico-política), nem com povo. O Estado é uma instituição organizada política, social e juridicamente, que ocupa um território definido, e é dirigido por um governo que possui uma soberania reconhecida tanto interna como externamente. Esse conceito ainda é complementado por Max Weber que afirma, ainda, ter o ente estatal o monopólio e a legitimidade para o exercício exclusivo de força em seu território[5]. Nação, por sua vez, é a reunião de pessoas, geralmente do mesmo grupo étnico, que possuem traços culturais semelhantes, além de uma finalidade social e existencial comum[6].

O Estado da Cidade do Vaticano teve a sua condição de Estado reconhecida pelos tratados de Latrão de 1929. A partir desse momento, a Santa Sé passou a ter território definido e, como instituição máxima da Igreja Católica, não deve ser confundida com o Estado do Vaticano (que não é quem possui uma personalidade jurídica). Entretanto, formam um só ente jurídico, pois o último está submetido ao poder da primeira.

O Vaticano é um Estado sem o elemento pessoal, qual seja, o povo (regido por traços histórico-culturais comuns e uma finalidade social e existencial partilhada), já que possui, em geral, cidadãos não nacionais. Aqueles que possuem a cidadania vaticana não perdem a sua nacionalidade originária. Ainda assim, isto é, embora possua estas e outras peculiaridades (anormalidades), o Vaticano deve, de acordo com a doutrina majoritária, ser reconhecido como Estado Soberano[7].

Como Estado que é, o Vaticano tem capacidade para firmar tratados, a despeito de não fazer formalmente parte da ONU e de nem o ter feito da Liga das Nações. Ainda assim, a Cidade-Estado em comento é devidamente reconhecida por essa organização como Estado Soberano. Em 2006, para se ter uma ideia, a ONU tinha representação de 192 Estados membros - cada um dos países soberanos internacionalmente reconhecidos, exceto o Vaticano, que tem qualidade de observador, e países sem reconhecimento pleno (como Taiwan, que é território reclamado pela China, mas de reconhecimento soberano por outros países).

É interessante, porém, ver que o reconhecimento do Vaticano de que se tem falado até então, é um reconhecimento essencialmente político (infundado sobre a posse de vários territórios sob sua soberania, como ocorre em geral). Realmente, durante a Idade Média, a Igreja Católica detinha soberania sobre diversos territórios reconhecidos internacionalmente. No entanto, esse reconhecimento se perdeu com a obtenção dos Estados Pontifícios pela futura Itália em seu processo de unificação. Esse reconhecimento político foi, portanto, resgatado com o Tratado de Latrão e a concessão da soberania da Santa Sé sobre o Vaticano.

Todavia, a despeito desse reconhecimento político, a Igreja e o Vaticano (tido aqui como lugar selecionado por Deus para sediar o catolicismo) sempre gozaram de um reconhecimento de soberania espiritual. Mesmo quando não detinham uma base física, a Igreja Católica exercia um poder e uma influência internacional sobre vários territórios.

O que de fato ocorreu foi que a essa soberania espiritual, promoveu-se, em conjunto, uma soberania física e política, com a criação do Estado do Vaticano através do Tratado de Latrão.

É importante frisar, no que tange a esse contexto, que o reconhecimento político da soberania da Igreja, devolvido recentemente por meio do referido acordo, não pode ser confundido com o reconhecimento espiritual, o qual a Igreja sempre deteve. Refletindo a discussão no tópico em questão, o próprio Papa Bento XVI defendeu a separação entre Igreja Católica e Estado, focando suas respectivas soberanias e reconhecimentos quando disse: "A distinção entre o que é de César e o que é de Deus pertence à estrutura fundamental do cristianismo".

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAGIL, Rodrigo Rocha Feres. A posição da Santa Sé no direito internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3733, 20 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25344. Acesso em: 19 dez. 2024.

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