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A posição da Santa Sé no direito internacional

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Agenda 20/09/2013 às 08:08

Tratados e Concordatas

As relações internacionais do Vaticano são exercidas pela Santa Sé, que negocia e conclui tratados (em sua concepção mais geral). As convenções estabelecidas pela Santa Sé podem classificadas em duas espécies: Concordatas, que constituem tratados bilaterais regulando, essencialmente, a situação da Igreja Católica no país contratante; e Tratados, regidos de acordo com o direito comum (podendo ser econômicos, políticos, etc.). Cabe, aqui, compreender que as concordatas não são firmadas somente entre Santa Sé e Estados Religiosos. Ao contrário, muitas foram assinadas quando os Estados se laicizaram, como forma de garantir direitos para a Igreja e permitir sua existência em tais países.

Recentemente, Brasil e Santa Sé assinaram uma concordata em 2008. Envolvendo temas que sempre deram margem a polêmicas, como ensino religioso nas escolas públicas de um Estado laico, os 20 artigos da Concordata assinada pelo presidente Lula e pelo papa Bento XVI foram negociados durante um ano. Sob a justificativa de reunir leis de caráter eclesiástico do Estado brasileiro que se encontravam esparsas e dar forma jurídica a um intercâmbio cultural que já existia, a iniciativa partiu do Vaticano.

Além da questão do ensino religioso, três pontos do acordo merecem destaque. O primeiro é a concessão de isenção fiscal para rendas e patrimônio de pessoas jurídicas eclesiásticas. O segundo é a manutenção, com recursos do Estado brasileiro, do patrimônio cultural da Igreja Católica, como prédios, acervos e bibliotecas. O terceiro é isenção para a Igreja Católica de cumprir as obrigações impostas pelas leis trabalhistas brasileiras.

Não é fulcro do presente trabalho analisar a validade e compatibilidade de tal acordo entre Brasil e a Santa Sé, senão compreender que um Estado Laico como o Brasil ainda realiza tratados de cunho religioso com Estados autocráticos, como o Vaticano. Mas a título de complemento, percebe-se, claramente, que independentemente de suas implicações morais, essas três concessões ao Vaticano esbarram em problemas jurídicos e são incompatíveis com o Estado laico que nossas Constituições consagram desde a proclamação da República. A concessão de isenção fiscal para pessoas jurídicas eclesiásticas, por exemplo, pode abrir um perigoso precedente, pois as demais igrejas sentir-se-ão estimuladas a invocar o princípio da isonomia para exigir o mesmo benefício.

Diversamente dos outros tratados internacionais firmados entre os Estados, as matérias concordatárias tocam o domínio temporal e o espiritual. Esta última especificidade explica sem dúvida o uso reservado do termo “concordata”, cujo significado, em latim, é aquilo que ultrapassa o direito para atingir o coração. Pode-se, porém afirmar que “concordata” é, sobretudo, o estabelecimento de um acordo focado em temas de cunho espiritual.

Vale dizer, por derradeiro, ser opinião consensual da doutrina internacionalista que as Concordatas fazem parte do direito internacional, daí que os acordos concluídos entre os Estados e uma Igreja, neste caso a Católica, revestem-se de importância supranacional.


Conclusão e Disposições Finais

A Igreja Católica vive, atualmente, um processo ascendente de recuperação rumo a uma posição e participação mais efetivas no cenário internacional. O poder incontestável e impositivo de outrora, fora enormemente abalado por alguns fatos que fragilizaram sua credibilidade, como o comércio de indulgências, as fortunas acumuladas a partir das doações dos fiéis e outros atos imorais realizados por autoridades eclesiásticas. A Renascença, a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa, então, acabaram por configurar o quadro da Igreja na metade do século XX: estava sem poder e influência política.

Essa situação começou a mudar com a ratificação do Tratado de Latrão, responsável não só por legitimar o território neutro do Vaticano (soberano por suas fronteiras) mas principalmente por devolver o status de influencia da Igreja Católica no direito internacional e nas relações interestatais.

Com a adesão a este Tratado e aspirando a retomar sua antiga posição de destaque no cenário internacional, a Igreja Católica mobilizou-se em torno do Concílio Vaticano II, que almejava uma mudança em alguns paradigmas católicos. A mudança a estes paradigmas, de forma a aproximá-los dos novos valores cultuados por uma sociedade com transformações cada vez mais rápidas, revelava-se como uma estratégia para atrair novos fiéis e resgatar os perdidos. Todavia, foi com o Papa João Paulo II que a Igreja viveu seu melhor momento. Contribuiu significativamente para a queda do comunismo, aproximou-se dos judeus, muçulmanos e protestantes, e pediu desculpas em nome da Igreja pelos erros cometidos no passado. Procurou, ademais, unir a visão bíblica da criação à teoria evolucionista e valorizou a razão na busca da verdade. Enfim, conservador no âmbito moral, ele significou a modernização da Igreja na área filosófica, política e científica.

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Essa vasta gama de ações implementadas pelo Papa João Paulo II forneceu ao atual Papa Bento XVI terreno fértil, a partir do qual a Igreja pode, hoje, lutar por seus princípios de uma maneira, no mínimo, satisfatória. Sob um sentido unificador e apaziguador, o Vaticano baseia sua política. Esse contexto é claramente percebido quando se observa o nome escolhido pela principal autoridade da Igreja Católica contemporânea. Em sua primeira audiência pública, o Papa Bento XVI explicou a escolha citando Bento XV, o papa que buscou a paz ao lutar contra a I Guerra Mundial, e Bento de Norcia, cuja comunidade monástica foi fundamental na difusão do cristinianismo pela Europa. O "corajoso e autêntico profeta da paz" - Bento XV, nas palavras do homônimo XVI - e o "ponto de referência para a unidade da Europa" - Bento de Norcia.

Neste quadro de ideias, ainda que a Igreja se mostre, em alguns pontos, como entidade oposta aos valores cultuados pela dinâmica contemporânea das relações interestatais, observam-se muitos exemplos de como o direito é influenciado, e, muitas vezes, sobreposto por ações de cunho eclesiástico.

A recente aprovação pela Comissão de Educação do Senado Federal do projeto de lei de iniciativa do Senador Jonas Pinheiro (PFL/MT) é um vigoroso exemplo desta realidade. O projeto em tela institui um feriado nacional no dia 11 de maio, dia da canonização de Frei Galvão pelo Vaticano. Essa situação colocou em pauta as discussões acerca da inconstitucionalidade dos feriados religiosos à luz da Constituição Federal de 1988 e de seu caráter essencialmente laico. A República Federativa do Brasil, conforme dispõe a Carta Magna, é um Estado Laico, o que equivale dizer que não haverá culto religioso de caráter oficial. Entretanto, ainda assim, o feriado religioso foi estabelecido no Brasil. Por isso, mesmo nos Estados oficialmente laicos, como o Brasil, evidencia-se uma invariável influência religiosa sobre a constituição de suas leis e princípios, tal como nosso atual preâmbulo constitucional, quando invoca a proteção divina sobre nosso Estado.

Ademais, no que tange a solução pacífica de controvérsias internacionais, a participação da Santa Sé foi, no mínimo, significativa. Apesar de a Igreja ter vivido altos e baixos no concernente à influência política; hoje, no século XXI, leva a efeito um processo de ascendência e evolução. Essa ascensão está estreitamente ligada à extrema valoração da solução pacífica de conflitos internacionais. Tendo-se em vista que a doutrina política do Vaticano defende um processo de unificação da comunidade internacional que possibilite um controle pacífico e eficaz das controvérsias entre os Estados, a nova ordem geopolítica da cena global coloca os princípios cristãos como diretrizes maiores para o relacionamento interestatal.

Desta feita, a Igreja Católica, representada pelo Vaticano, deve ser concebida como um sujeito ativo de Direito Internacional, seja na resolução de conflitos, no embasamento principiológico, no “jogo político” de interesses ou ainda na propositura de normas internacionais. Negar sua importância na cena internacional ou menosprezar sua influência e poder de atuação nas relações interestatais é, pois, renegar não só o passado e a História das relações internacionais, mas o próprio presente e os altos valores principiológicos que o cercam.


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Notas

[1] ONFRAY, Michel. Tratado de Ateologia. V.1. São Paulo: Martins Fontes, 2007, 214 p.

[2] MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. Vol.II. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 1997, 127 p.

[3] Exposição do Núncio Apostólico no Brasil, Dom Alfio Rapisarda, por ocasião do Encontro com os novos Bispos do Brasil nomeados entre outubro de 1998 e setembro de 1999.

[4] CAMPAGNOLO, Umberto. Direito Internacional e Estado Soberano. 1ºed. Ed: Martins Fontes, 2002, 419 p.

[5] WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora UNB, 1991. Volume I, capítulo I e III, p. 3-35; 139-162. Volume II, p. 517-580.

[6] BRESSER-PEREIRA. Nação, Estado e Estado-Nação. São Paulo: EESP/FGV, 2008. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2008/08.21.Na%C3%A7%C3%A3o.Estado.Estado-Na%C3%A7%C3%A3o-Mar%C3%A7o18.pdf>. Acesso em 15 de outubro de 2010.

[7] LEBEC, Eric. História Secreta da Diplomacia Vaticana. Petrópolis: Editora Vozes, 1999, p. 07.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAGIL, Rodrigo Rocha Feres. A posição da Santa Sé no direito internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3733, 20 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25344. Acesso em: 19 dez. 2024.

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