5. Conclusão
Sob o influxo do que se procurou demonstrar linhas acima acerca das garantias institucionais, tem-se que, em termos abstratos, a Constituição Federal protege o mínimo intangível, o núcleo essencial, a identidade constitucional da autonomia municipal.
A garantia institucional de que ora se cuida é o remédio preventivo e repressivo contra a tendência concentradora do poder.
Na esteira da já tratada lição schmittiana, resultam escudados os traços que tipificam a autonomia municipal, negando-se alvitre das autoridades regionais e nacional, de quaisquer dos poderes, no que diz respeito ao círculo de eficácia da entidade municipal.
De conseguinte, resulta interditada aos atos legiferantes, seja qual for sua fonte – federal ou estadual (ordinária ou constituinte decorrente, quanto a esta) –, a violação daquilo que diga com a autonomia das coletividades comunais, ou seja, daquilo que lhe faz a natureza e o conteúdo. Resguarda-se, assim, a tetracotomia constitutiva da autonomia federativa, de que se já falou alhures: as capacidades de auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração, bem como o círculo de competências deferido aos Municípios – entes federativos instrumentais à viabilização do Estado Democrático de Direito.
A essência da autonomia local é protegida inclusive em face do poder constituinte reformador, na medida em que se relaciona com a cláusula pétrea da forma federativa estatal (artigo 60, § 4º, I, da Lei Maior).
A garantia institucional da autonomia municipal defende contra a invasão, legislativa ou executiva, federal ou estadual, da matéria própria às leis orgânicas dos municípios, e suas competências legislativas; contra a intromissão nas atribuições materiais (administrativas) que lhes são constitucionalmente cometidas.
São constitucionalmente proscritas, ainda, as medidas que atentem contra as competências tributárias dos entes municipais, e as medidas tendentes a deixar os municípios à míngua de recursos financeiros, condições materiais de exercício da autonomia – vale dizer, afigura-se inconstitucionalizada a “morte por inanição” do círculo de atribuições municipais.
Ademais, é garantida a interpretação absolutamente restritiva e a taxatividade das hipóteses de intervenção – “a antítese da autonomia”, no dizer de Silva[xxxix] – nos municípios, já preconizada nos termos negativos da cabeça do artigo 35 da Lei Maior (“O Estado não intervirá em seus Municípios (...) exceto quando”).
Finalmente, esta garantia constitui-se em vetor interpretativo do sistema federativo brasileiro – em interação com os princípios fundamentais da cidadania e do pluralismo político, com o princípio da subsidiariedade, etc. –, e principalmente do sistema de repartição de competências federativas, determinado a deferência, quando da sua exegese, para com o que efetivamente pertence à essência da autonomia das coletividades locais.
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Notas
[i] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros: 2011, p. 350.
[ii] BONAVIDES. Ibidem. p. 351.
[iii] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 91.
[iv] DALLARI, Dalmo de Abreu. O estado federal. São Paulo, 1986, p. 73.
[v] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 153/154.
[vi] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 477.
[vii] Baracho é costumeiramente arrolado entre os que negam o caráter federativo da entidade municipal – fá-lo, por exemplo, PIRES, Maria Coeli Simões. Autonomia Municipal no Estado brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 36, n. 142, p.143/1651 abr./jun. de 1999 –, mas o fato é que sua análise, feita em sua Teoria Geral do Federalismo, é feita á luz da Constituição de 1967.
[viii] HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 325.
[ix] BONAVIDES, op. cit. p. 344/345.
[x] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 22. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 59.
[xi] SUNDFELD. Carlos Ari. Regime constitucional dos municípios. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, n. 34, p. 45-57, dez., 1990.
[xii] BONAVIDES, op. ci, loc. cit.
[xiii] “Não nos turve a visão, também, o ter-se valido a Constituição no dispositivo em exame, da expressão – eufemística – ‘lei orgânica’, quiçá empregue por ser locução já consagrada” [CEPAM – Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (Fundação Prefeito Faria Lima). Breves anotações à Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990, p. 131]. Na verdade, trata-se “de autêntica Constituição Municipal: tem forma de Constituição, essência e função constitucionais, apenas que designada Lei Orgânica”. Idem.
[xiv] ROBERT, Cinthia; MAGALHÃES, José Luis Quadros de. Teoria do estado democracia e poder local. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 31/32.
[xv] FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder constituinte dos estados-membros. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1979, p. 61.
[xvi] BONAVIDES, op. cit. p. 346.
[xvii] SUNDFELD, op. ci, loc. cit.
[xviii] ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na constituição de 1988. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 13/14.
[xix] CARRAZZA, op. ci, loc. cit.
[xx] ROBERT; MAGALHÃES, op. ci, loc. cit.
[xxi] No caso brasileiro, por disposição constitucional expressa, cf. art. 17, I, da Lei Maior.
[xxii] LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de La constituicion. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1970, p. 233/234.
[xxiii] SILVA, op. ci, loc. cit.
[xxiv] MERLIN, Meigla Maria Araújo. O Município e o federalismo: participação na construção da democracia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 234.
[xxv] SANTANA, Jair Eduardo. Competências legislativas municipais. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 44.
[xxvi] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 396.
[xxvii] BONAVIDES, op. cit. p. 534 et seq.
[xxviii] COMPARATO, Fábio Konder. Juízes Independentes ou Funcionários Subordinados? Revista da AMB, a. II, n. 4, p. 89, jan/jun, 1998.
[xxix] Apud BONAVIDES, op. cit. p. 353.
[xxx] BONAVIDES. Ibidem. p. 353/356.
[xxxi] Não obstante o município não compor a federação alemã. A propósito, ver MARRARA, Thiago. Do modelo municipal alemão aos problemas municipais brasileiros. Revista Brasileira de Direito Municipal RBDM Belo Horizonte, n. 27, ano 9 Janeiro/Março 2008.
[xxxii] Apud BONAVIDES, op. cit. p. 355.
[xxxiii] BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Natureza Jurídica do Estado Federal. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, 1948, p. 92/94.
[xxxiv] SEABRA FAGUNDES, Miguel. Novas perspectivas do Federalismo Brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 99, p. 01-15, jan./mar., 1970.
[xxxv] BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1980, p. 117.
[xxxvi] Apud BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: 1999, p. 123.
[xxxvii] Apud BARACHO, op. cit. p. 243.
[xxxviii] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. República e Federação no Brasil: Traços constitucionais da organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 170.
[xxxix] SILVA, op. cit. p. 487.