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O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal

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Agenda 24/09/2013 às 14:33

Analisa-se a adequação das restrições que são postas cotidianamente ao livre porte de arma pelo policial federal, como a proibição de ingresso em casa noturnas, eventos e até órgãos públicos.

Resumo:O presente trabalho tem por objetivo estabelecer, sob a luz do ordenamento jurídico vigente, os limites do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal. Desenvolve-se com discurso argumentativo a partir de literatura, do ordenamento jurídico e da experiência prática profissional vivida por policiais federais. Na parte teórica, analisam-se conceitos doutrinários e as principais legislações pertinentes à atuação policial, como a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, bem como as diversas funções atribuídas ao policial federal no campo da segurança pública, como polícia judiciária e administrativa. Nessa esteira, destacam-se o Estatuto do Desarmamento e o Decreto que regulamenta a carteira funcional do policial federal, os quais garantem a este o livre porte de arma em o território nacional. Na parte prática encontra-se a exposição detalhada das principais atividades desempenhadas pelos policiais federais em seu trabalho cotidiano, com ênfase nas dificuldades enfrentadas e nos deveres a eles impostos por lei. Colocado o problema, ou seja, se há alguma restrição ao livre porte de arma, citam-se eventos em que, por vezes, o policial federal é impedido de ingressar em determinado local portando arma de fogo, como casas noturnas. Estuda-se, ainda, o caso de uma portaria expedida pela Justiça Federal de Minas Gerais que restringiu o acesso de pessoas armadas – incluindo policiais – em suas dependências. Diante desse ato administrativo, o sindicato dos policiais federais ajuizou uma ação no Conselho Nacional de Justiça, pugnando pela ilegalidade do ato. A decisão do aludido órgão judicial, favorável à manutenção da portaria, é parte integrante desta dissertação e tem seu conteúdo discutido. O resultado obtido é que direitos estabelecidos por lei não podem ser limitados por espécie normativa que não tenha passado pelo crivo do Poder Legislativo, podendo, assim, o policial federal livremente portar arma de fogo em todo o território nacional, salvo exceções previstas em lei ou quando houver manifesto desvio de finalidade na conduta do agente público.

Sumário:INTRODUÇÃO. 1 – SEGURANÇA PÚBLICA. 1.1 – CONCEITUAÇÃO. 1.2 – ATIVIDADE POLICIAL. 1.3 – SEGURANÇA PÚBLICA. 1.4 – DEVER CONSTANTE E INCONTINENTI DE AÇÃO. 1.5 – NOVO PAPEL DA POLÍCIA NA SEGURANÇA PÚBLICA. 1.6 – SEGURANÇA NACIONAL. 2 – POLÍCIA JUDICIÁRIA. 2.1 – DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA. 2.2 – DO DEVER LEGAL. 3 – POLÍCIA ADMINISTRATIVA. 4 – LEGISLAÇÃO SOBRE PORTE DE ARMA. 5 – DO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA NORMATIVA E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO. 6 – DA AÇÃO NO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. 6.1 – DA DECISÃO. 6.2 – DAS FUNÇÕES DA POLÍCIA FEDERAL. 6.3 – DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. 6.4 – DO PODER DE POLÍCIA. 6.5 – DA ARMA COMO INSTRUMENTO NECESSÁRIO. 6.6 – DA NULIDADE DO ATO. 7 – PORTE EM OUTROS LOCAIS. 7.1 – ESTÁDIOS DE FUTEBOL E SIMILARES. 7.2 – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. 8 – EVENTUAIS RESTRIÇÕES AO DIREITO AO PORTE DE ARMA. 8.1 – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. 8.2 – SALA DE AUDIÊNCIA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. ANEXOS


INTRODUÇÃO

Todo Estado democrático de direito, baseado em uma sociedade civilizada, procura dar paz e segurança à sua população. O Brasil, país protetor de direitos humanos, não foge à regra. Consignada em alguns artigos na Constituição Federal, a segurança pública é, além de dever do Estado brasileiro, direito subjetivo de qualquer cidadão que tenha sua integridade física ameaçada.

Seria difícil imaginar, em um país com tantos contrastes sociais como o nosso, com tanta violência nas ruas, as forças de segurança não portarem arma de fogo. É claro que todos gostariam de viver em um lugar onde ninguém – ninguém mesmo – precisasse se socorrer de pistolas e revólveres. Mas isso é, convenha-se, uma utopia.

A própria Lei Maior estabelece quais os órgãos responsáveis pela segurança pública nacional. Entre eles está o Departamento de Polícia Federal. Em nível infraconstitucional há algumas legislações que regulam a carreira do policial federal e seu porte de arma de fogo. Todas essas normas jurídicas conciliam-se e complementam-se, de modo a dar eficácia ao trabalho do policial federal, garantindo a ele o direito ao livre porte de arma em todo o território nacional.

Entretanto, sempre que se estabelecem direitos, é necessário também fixar seus limites, para que o uso não se transforme em abuso. Qual seria o limite para o policial federal portar sua arma de fogo? Seria sempre que ele entendesse útil? A subjetividade é fator determinante? Haveria restrições? Em caso afirmativo, em que condições?

Uma questão polêmica é saber se o policial está ou não em serviço 24 horas por dia. Mas mesmo estando descaracterizado, sem farda, o policial federal, como membro de órgão de segurança, tem o dever permanente de zelar pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas[1]. Como, então, deverá proceder o policial nas suas horas de folga? Tem ele o dever de agir? Poderá andar armado?

Mesmo em serviço, o policial se depara, não raro, com situações obstativas ao seu direito de portar arma de fogo.

Em determinadas casas noturnas há instrução para que o policial que lá ingresse armado deixe sua arma com a equipe de segurança. Estariam agindo corretamente os proprietários de bares e boates? É possível que eles editem suas normas em seus estabelecimentos comerciais?

Na sede da Justiça Federal de Minas Gerais, restringiu-se o acesso de policiais federais portando arma de fogo[2], permitindo-se-lhes o porte somente em poucos eventos. Igualmente, há também outros lugares, como estádios de futebol, em que o policial federal enfrenta o mesmo problema. Em todos os casos, o argumento para a restrição é sempre “dar segurança ao local”, ocorrendo, portanto, inversão de valores quanto à figura e ao dever do policial federal.

Um aspecto para solucionar essa discussão gira em torno da hierarquização de normas. Direitos estabelecidos constitucionalmente devem se harmonizar, não havendo prevalência entre eles. No entanto, conflitantes normas de diferentes hierarquias, a superior deve prevalecer, restando prejudicada a inferior na parte que lhe for contrária. Toda a análise do problema deve ser feita, então, sob a ótica do princípio da legalidade. Assim, uma norma – portaria - editada pelo diretor do fórum poderia balizar o direito que possui o policial federal de portar sua arma de fogo, direito este lhe atribuído por lei?

Outro aspecto da polêmica diz respeito ao desconhecimento das leis por parte das pessoas.

Dessarte o cerne do presente trabalho é estabelecer o alcance do direito do policial federal ao porte de arma de fogo, fazendo-se a análise a partir de suas atividades policiais, da legislação vigente e das situações restritivas impostas por casas noturnas, pela Justiça Federal de Minas Gerais e por outros locais. Para se conseguir o pretendido, dividir-se-ão os tópicos do desenvolvimento em capítulos.

No primeiro, busca-se compreender o conceito de segurança pública e a respectiva atuação da Polícia Federal, baseada nas atribuições previstas em lei e em seu regulamento. Destacam-se o dever constante de agir do policial e seu novo papel na segurança pública.

No segundo, mostra-se a função constitucional de polícia judiciária exercida pelos policiais federais, de modo a ressaltar novamente o dever legal de agir em situações de flagrante delito.

No terceiro, enfatiza-se a atividade da Polícia Federal como órgão fiscalizador da segurança privada, estabelecendo-se uma relação entre os policiais federais e os vigilantes de estabelecimentos públicos e privados.

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No quarto, estudam-se as normas legais que tratam do porte de arma e a inserção da Polícia Federal nessa legislação.

No quinto, disserta-se sobre hierarquia normativa e o conflito de normas no espaço, confrontando-se o ato administrativo com a lei. A intenção é analisar e estudar a legalidade da portaria expedida pela Justiça Federal que limitou o acesso de policiais armados a alguns eventos.

No sexto, mostra-se a decisão do Conselho Nacional de Justiça tomada em face da ação de impugnação de ato ilegal, ajuizada pelo sindicado dos policiais federais em Minas Gerais. O objetivo é ponderar a fundamentação argüida pelo aludido órgão judicial, favorável à manutenção da portaria, sob o enfoque da importância do porte da arma de fogo pelo policial federal como instrumento de segurança à sociedade.

No sétimo, citam-se alguns locais em que por vezes o policial federal é tolhido em seu direito de portar arma de fogo. Procura-se encontrar razões que não legitimariam o acesso do policial armado.

Por fim, no último capítulo, encontram-se as exceções ao livre porte de arma garantido ao policial federal.

O estabelecimento de um direito e a eventual restrição a ele devem estar bem delineados para afastar qualquer dúvida quanto ao seu exercício. Assim, é importante o tema ora apresentado para que a sociedade compreenda a responsabilidade que o policial federal carrega na defesa da ordem pública, de modo a não haver dúvida se ele tem ou não direito ao pleno porte de arma de fogo, sine ira et studio.


1 – SEGURANÇA PÚBLICA

1.1 – CONCEITUAÇÃO

Todo Estado democrático baseado em uma sociedade minimamente organizada procura fornecer aos seus cidadãos segurança e liberdade para o pleno exercício de seus direitos. O Estado social, ao mesmo tempo em que assegura a cada um direitos individuais fundamentais, também atua de forma a proteger toda a coletividade, conciliando direitos sociais e individuais. A tranqüilidade, a paz, o respeito às leis e a sensação de justiça garantem à população um bem-estar que se pode chamar de ordem. É a ordem pública.

De Plácido e Silva (2004; 988) assim define:

ORDEM PÚBLICA. Entende-se a situação e o estado de legitimidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se confunde com a ordem jurídica, embora seja uma conseqüência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada.

Depreende-se então que ordem pública é uma situação de fato em que não haja agitações ou desordem na sociedade, preservando-se a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Na doutrina de Álvaro Lazzarini (1999), a ordem pública se divide em três vertentes: a) segurança; b) salubridade; c) tranqüilidade.

A segurança pública é uma espécie do gênero ordem pública. Quanto ao seu conceito, novamente recorre-se a De Plácido e Silva (2004; 1268):

SEGURANÇA PÚBLICA. É o afastamento por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão. [...]

A Constituição Federal de 1988, no art. 144, disciplina a matéria, elencando os órgãos competentes para atuação.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares

Antes de aprofundar nesse tema, uma rápida abordagem será feita sobre atividade policial, permitindo-se compreender as diversas funções exercidas pela Polícia Federal. Após será retomada a questão da segurança pública.

1.2 – ATIVIDADE POLICIAL

A Administração Pública possui prerrogativas que a colocam em posição de superioridade em relação aos administrados, em nome da supremacia do interesse público. A isso se dá o nome de regime jurídico-administrativo. Essas prerrogativas são consubstanciadas nos Poderes: Hierárquico, Disciplinar, Regulamentar, Vinculado, Discricionário e de Polícia.

O poder de polícia é conceituado como:

[...] a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. (MEIRELLES, 2009; 133)

Diversos órgãos da Administração Pública, como IBAMA, Vigilância Sanitária, Secretaria da Receita Federal do Brasil, especialistas por área de atividade econômica ou área de saúde, educação ou trabalho, possuem poder de polícia. Eles, por exemplo, exercem fiscalização em estabelecimentos, expedem regulamentos, portarias e emitem autuações. Nesse exercício tais órgãos atuam como polícia administrativa, de forma preventiva, assegurando a estabilidade da ordem pública.

Se, por um lado, há a polícia administrativa, por outro existe a polícia de segurança, voltada propriamente para a segurança pública. Nota-se que está se falando de polícia como atividade, função. Na melhor doutrina, José Afonso da Silva (2006; 778), estabelece a seguinte classificação:

A atividade de polícia realiza-se de vários modos, pelo que a polícia se distingue em administrativa e de segurança, esta compreende a polícia ostensiva e a polícia judiciária. A polícia administrativa tem por objeto as limitações impostas a bens jurídicos individuais (liberdade e propriedade). A polícia de segurança que, em sentido estrito, é a polícia ostensiva tem por objetivo a preservação da ordem pública e, pois, as medidas preventivas que em sua prudência julga necessárias para evitar o dano ou o perigo para as pessoas.

A polícia de segurança divide-se em: a) polícia ostensiva; b) polícia judiciária.

A polícia ostensiva é atividade exercida principalmente pelos órgãos Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal. Já a polícia judiciária, pela Polícia Federal e Polícia Civil.

Na classificação acima, há distinção entre polícia administrativa e polícia de segurança. Contudo esse posicionamento não é unânime na doutrina. Há quem sustente que a polícia de segurança é parte da polícia administrativa, não se confundindo com polícia judiciária[3].

Para ilustrar esses conceitos, é de bom alvitre fazer um breve comentário sobre a Polícia Militar.

A Polícia Militar executa especialmente a função de polícia de segurança. Além de sua atuação na segurança pública (espécie), exerce também o papel de mantenedor de toda a ordem pública (gênero)[4]. Por isso é que se deve reforçar a ideia de manter permanentemente policiais militares nas ruas, o que ajudará a prevenir situações que podem abalar a ordem social.

Embora atue de forma preventiva, a Polícia Militar não executa propriamente uma atividade administrativa, pois, em regra, não possui poder de polícia com força de restringir uma atividade ou bem que não se relacione com a segurança. A função precípua por ela exercida é polícia de segurança, ostensiva. Isso não impede, contudo, que, em determinadas circunstâncias, aja como polícia administrativa quando, por exemplo, cumpre-lhe a fiscalização de trânsito, podendo aplicar penalidades por infração às leis de trânsito.

Com efeito, dentre as suas atribuições, não pode a Polícia Militar fechar um açougue que vende carne deteriorada, papel que caberá a agentes da vigilância sanitária. Deve sim, como órgão responsável pela manutenção da ordem pública, dar apoio, garantia a tais agentes para que estes realizem seu trabalho de maneira incólume.  

Não se confundem, portanto, as características de polícia administrativa e polícia de segurança, embora, já dito, a classificação das atividades policiais seja tema ainda bem polêmico e o objetivo aqui não é esgotar esse assunto.

Deixando de lado a Polícia Militar, concentram-se doravante as atenções na Polícia Federal, peça central deste trabalho.

O Departamento de Polícia Federal é um órgão previsto constitucionalmente no Capítulo “Da Segurança Pública” para cumprir o papel de polícia de segurança, mais expressivamente como polícia judiciária, como se verá adiante. Entretanto, por força legal[5], também tem atuação como polícia administrativa, na qualidade de órgão responsável pela fiscalização de atividades privadas como instituições bancárias e empresas de vigilância. Assim, não é o rótulo do órgão policial que qualifica a atividade por ele desempenhada.

Essas funções executadas pela Polícia Federal – polícias judiciária e administrativa - serão tratadas em tópicos próprios.

1.3 – SEGURANÇA PÚBLICA

A segurança pública pode ser considerada como uma atividade estatal voltada à preservação da ordem pública, garantindo tanto a convivência pacífica e harmoniosa entre as pessoas quanto a incolumidade do patrimônio. É a segurança pública um instrumento do Estado para atingir a finalidade “ordem pública”.

Nesse escopo, a atual Constituição brasileira estabeleceu o tópico “DA SEGURANÇA PÚBLICA” no Capítulo III, dentro do Título V denominado “DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS”, elencando quais os órgãos policiais seriam responsáveis por garantir a segurança pública. È bom registrar que essa construção constitucional remonta a 1988, época em que o Brasil estava saindo de um longo período de ditadura militar, e indica a concepção da segurança pública voltada mais à proteção do Estado, de suas instituições, do que em defesa da coletividade. Essa percepção, contudo, encontra-se relativamente ultrapassada na medida em que se enxerga hodiernamente a população como a principal destinatária da segurança pública.  

Assim, quando surgem comportamentos adversos que possam abalar o equilíbrio estatal, apresenta o Estado duas formas de enfrentamento: a) prevenção; b) repressão. E ambas, no Brasil, estão fincadas na estrutura policial.

O patrulhamento ostensivo nas ruas, a manutenção da ordem pública, o combate à violência e a repressão criminal contribuem com a tese de que segurança pública é sinônimo de polícia. Quando se fala em prevenção, em assunto de segurança pública, costuma-se reduzir o tema a “prevenção policial”, atribuindo-se sempre o dever de segurança aos órgãos policiais.

Baseando-se nesse pensamento – disseminado entre muitos brasileiros –, o policial é sempre exigido pela população, não importando se ele é federal, civil, militar ou rodoviário.

Na prática, como os policiais civis e federais, na rotina de trabalho, não costumam portar os uniformes de suas instituições, as pessoas, sem os identificarem, não exigem deles o comportamento esperado. Mas isso não exime o policial de cumprir seu dever que lhe é atribuído pela Carta Maior, devendo ser responsabilizado com as sanções legais caso não aja ante o cometimento de um crime.

Por isso, a Polícia Federal, como polícia de segurança, tem o dever constitucional de assegurar tranqüilidade e paz à coletividade. E é nesse ponto que torna relevante o assunto porte de arma. Como exercer o papel de agente de segurança pública sem portar arma de fogo?

Como dito, ante uma situação lesiva, do policial federal o cidadão espera uma resposta breve e eficaz na defesa de sua vida, de seu patrimônio ou de terceiros. E a arma será o instrumento de que dispõe o agente público para intimidar ou mesmo reagir a essas situações lesivas. Considerando o poderio bélico cada vez maior usado por meliantes, constantes infratores da lei, como exigir do policial uma reação à altura se não estiver portando arma de fogo?

1.4 – DEVER CONSTANTE E INCONTINENTI DE AÇÃO

Uma questão não raramente discutida é se o policial está permanentemente em serviço. A União investe alto para formar um policial federal, desde a fase do processo seletivo até o curso de formação. Depois de efetivado, o policial continua em constante treinamento, principalmente de tiro e de defesa pessoal. Será que o Estado quer que suas forças de segurança não ajam quando não estão escaladas para o serviço?

Evidentemente que o policial federal também é ser humano e, da mesma forma que qualquer outro, necessita usufruir descanso, lazer e família. Mas o fato de não estar em serviço ou trabalhando não afasta sua responsabilidade de perene vigilância e atuação na manutenção da segurança pública.

Não se confunde a noção de serviço/trabalho com o dever permanente de protetor da sociedade.

Por isso é que os policiais federais têm o direito de portar arma de fogo ainda quando não estão em serviço. Estão sujeitos a um regime especial de trabalho, de dedicação integral[6].

Com acerto disciplinou o Estatuto do Desarmamento – Lei n° 10.826/03:

Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

[...]

II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal (grifos nossos);

[...]

§ 1º  As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (grifos nossos).

Na mesma linha, o art. 33 do Decreto nº 5123/2004, que estabelece:

O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, aos policiais federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares, aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em razão do desempenho de suas funções institucionais. (grifos nossos).

Importa destacar que “em razão” não significa necessariamente “em atividade”.

A título de comparação, aos integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil só se permite portar arma de fogo quando em serviço[7]. Certamente a razão para isso se deve à questão de segurança pessoal. O auditor, quando em trabalho fiscalizatório em empresas, poderá sofrer algum tipo de violência, justificando assim o porte de arma. Contudo, fora do seu trabalho, o motivo não subsiste.

1.5 – NOVO PAPEL DA POLÍCIA NA SEGURANÇA PÚBLICA

Muito se debate atualmente sobre o novo papel da polícia na segurança pública. Acredita-se que as ações concentradas na lei penal, no aparato policial, na atividade de polícia judiciária e na repressão deveriam ceder espaço para outras voltadas ao elemento humano como figura central.

A valorização da pessoa, a integração entre as comunidades carentes e políticas públicas governamentais direcionadas à coletividade reforçam o preceito constitucional segundo o qual a segurança pública é direito e responsabilidade de todos[8]. Ou seja, é também dever dos cidadãos zelar pala convivência pacífica, ao mesmo tempo em que é um direito deles cobrar das autoridades o estabelecimento do bem-estar social.

Esse novo modelo proposto, mais preventivo que repressivo, mais proativo que reativo, aumentaria ainda mais a participação do policial federal na segurança pública.

Graças ao concurso público, forma democrática de provimento nos cargos estatais, integrantes de várias camadas sociais da sociedade brasileira ingressam nos quadros do Departamento de Polícia Federal, formando no órgão um retrato do Brasil.

Assim, em distintos bairros de uma grande cidade, é possível encontrar um morador que seja policial federal. Sua presença naquela área torna-se ponto importante na pacificação social, pois o criminoso poderia sentir-se intimidado sabendo que há um policial federal armado na região. Por isso a relevância de se portar arma de fogo, que é, simultaneamente, um elemento intimidador do crime e protetor da comunidade.

Não se pode, então, deixar de considerar a importância que possui o policial federal em atuação na segurança pública, como instrumento de defesa da cidadania e não apenas do Estado. A segurança pública, atualmente, pode ser vista como garantia em favor dos indivíduos contra o que pode oferecer perigo ao seu progresso e à sua existência. E essa atuação do policial pró-sociedade só será eficaz se ele portar arma de fogo, causando equilíbrio de forças entre criminosos e forças de segurança.

1.6 – SEGURANÇA NACIONAL

Outro aspecto sobre segurança que merece destaque não se relaciona propriamente com violência nem com criminalidade. É a segurança nacional.

A Polícia Federal tem em suas atribuições, entre outras, a função de: a) executar os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras; b) executar medidas assecuratórias da incolumidade física de diplomatas estrangeiros no território nacional e, quando necessário, de representantes dos Poderes da República[9].

São atuações de extrema relevância para o país, pois se trata de questão de soberania nacional, controle imigratório e proteção de chefes de Estados estrangeiros. Novamente coloca-se a importância de o policial federal estar sempre portando arma de fogo.

Considere-se uma situação hipotética. Um policial federal, trabalhando em região de fronteira, está em seu dia de repouso quando vê um estrangeiro tentando ingressar clandestinamente no Brasil. O que fará esse policial? Dirá que não está em serviço e, assim, não tem dever de agir? Ou tentará ele impedir o ingresso do clandestino?

É evidente que a segunda solução é a exigível nessa imaginária situação. Mas como o policial federal logrará êxito se não estiver armado? Será que bastará apresentar sua carteira de identificação ou partir para uma ação corpo a corpo para que o estrangeiro desista de sua empreitada? A resposta é negativa.

Sem um elemento inibidor, como a arma de fogo, certamente o policial não obstará a ação do clandestino. Mais ainda, poderá o agente público vir a sofrer agressão física, se estiver em desvantagem numérica, ou até mesmo pôr sua vida em perigo, caso o estrangeiro esteja armado, o que demonstra ser a arma também um mecanismo de defesa pessoal.

Dessa forma fica patente a necessidade de o policial federal manter sempre consigo uma arma de fogo, na defesa própria e no interesse da coletividade, pois, quando menos se espera, surge o dever de agir, fundado nas atribuições de polícia de segurança e na função de agente de segurança nacional.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Yuri Amarante Rodrigues. O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3737, 24 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25385. Acesso em: 22 dez. 2024.

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