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O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal

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Resumo:


  • O direito ao porte de arma atribuído aos policiais federais é estabelecido pela legislação vigente, incluindo o Estatuto do Desarmamento e o Decreto que regulamenta a carteira funcional, permitindo o livre porte em todo o território nacional.

  • Restrições ao porte de arma por policiais federais podem ocorrer em situações específicas, como em locais onde haja aglomeração de pessoas ou por decisões judiciais em casos concretos que justifiquem a limitação.

  • Atos administrativos, como portarias, não podem restringir direitos estabelecidos por lei, e qualquer limitação ao porte de arma de policiais federais deve estar fundamentada em disposições legais e respeitar o princípio da legalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2 – POLÍCIA JUDICIÁRIA

2.1 – DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA

A Constituição Federal prevê, no art. 144, as atribuições da Polícia Federal:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Da leitura, percebe-se que a função marcante exercida pela Polícia Federal é a de polícia judiciária, relacionada com apuração e repressão de infrações penais. Significa a atividade policial desenvolvida após a ocorrência do delito penal, com vistas a auxiliar a Justiça Criminal na aplicação da lei penal. É nela que se destaca na prática a maioria do efetivo policial.

A função de polícia judiciária incide sobre pessoas e é regida, além da Constituição Federal, pelas normas de Direito Processual Penal.

Assim grande parte da estrutura do Departamento de Polícia Federal é voltada para a persecução penal. Caracterizar o fato criminoso e apontar indícios de sua autoria é o objeto do inquérito policial.

Entretanto, para se atingir o resultado desejado, inúmeras ações são praticadas pelos policiais – principalmente pelos investigadores (Agente de Polícia Federal): cumprir mandados de intimação, realizar condução coercitiva, fazer diligências de campo, apanhar inquéritos na sede da Justiça etc. Pergunta-se: deve-se fazer tudo isso estando armado?

Em um primeiro olhar, a indagação pode parecer inocente e a resposta, óbvia, afirmativa. Mas se todas essas ações acima descritas tiverem de ser realizadas no fórum de um Tribunal, poderá o policial federal ali portar arma ou não?

O questionamento agora se justifica ao se analisar o teor de regulamentos internos que disciplinam o ingresso de pessoas armadas em um local. A Portaria nº 10-124 – DIREF – Justiça Federal/MG, expedida em 15/12/2008, em seu artigo 3º, estatuiu que policiais – incluindo obviamente os federais – só poderão adentrar aquela sede de Justiça, portando arma de fogo, em situações específicas como escolta de preso e proteção à testemunha. E então, como solucionar o caso?

Sem dúvida, dir-se-á de pronto que a solução é a manutenção, por parte dos policiais federais, do seu direito permanente de portar arma de fogo.

Dentro de um Tribunal, além das pessoas que o freqüentam de forma transitória, existem muitas outras que desempenham suas atividades profissionais como escreventes, estagiários, juízes e assessores. Será que nenhuma delas pode ter cometido um crime? Nenhuma delas pode ser investigada? É certo que sim. Tendo em vista que qualquer pessoa pode adentrar em um fórum, desarmados ou não, criminosos também percorrerão os corredores do Judiciário.

Imagine por exemplo uma situação de vazamento de dados de uma operação policial[10]. A primeira medida a ser tomada pelo delegado é instaurar um procedimento administrativo com vistas à apuração do fato e à indicação da autoria. É natural, então, que todas as pessoas que estiveram envolvidas na operação – ou com ela tiveram algum contato – devam ser ouvidas pela autoridade policial. Assim mandados de intimação serão entregues, entre outros, aos funcionários da vara criminal onde corre o processo.

Por que nesse caso não poderá o policial cumprir sua tarefa portando arma de fogo? Do ponto de vista dele, qual a diferença entre entregar uma Intimação dentro do edifício da Justiça ou na padaria ao lado?

Poderão dizer que em um local o risco é menor do que noutro. Porém quem deve avaliar o risco é o próprio policial. Compete a ele aferir se o lugar onde se cumprirá a diligência é menos ou mais perigoso, se deverá ir com mais um ou dois colegas, ou se precisará levar consigo uma arma de alcance maior.

Os riscos da atividade policial são responsabilidade do agente policial e não de terceiros, mesmo que envolvidos no processo.

Outro lado da atividade de polícia judiciária, regida por normas processuais penais, diz respeito a situações flagranciais, conforme exposto a seguir.

2.2 – DO DEVER LEGAL

No Código de Processo Penal, art. 301, encontra-se uma disposição importantíssima para todos os policiais: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

Nesse ponto, ensinam GOMES e OLIVIERA (2002; 172) ao analisar o referido artigo 301.

Trata-se (no caso de policiais) daquilo que a doutrina denominou “flagrante compulsório“. O dever de realizar a detenção, segundo o entendimento majoritário, é permanente, esteja ou não o policial no exercício de suas funções, e por tal enfoque o agente público, mesmo fora do horário de trabalho e do local onde habitualmente exerce seu ofício, deve intervir para evitar o delito ou para deter o seu autor.

Nessa linha de raciocínio, a condição de agente do poder de polícia não se aparta da pessoa ao final da jornada. Os deveres permanecem, e com eles todas as prerrogativas atinentes, entre elas o porte de arma. (grifos nossos)

Enquanto ao cidadão comum é dada autorização, aos policiais é preceituado um dever.

Dessarte, diante de um crime que está sendo cometido, tem o policial federal o dever de agir. Nessa hora não se questiona se está em serviço. Não há para ele escolha, pois é norma cogente à qual se sujeita. Se omisso, responderá, nos termos do art. 13, § 2º, a, do Código Penal, pelo crime na qualidade de garantidor.

E para agir é fundamental que se porte arma de fogo. Caso esteja desarmado, não será razoável exigir do policial nenhuma atitude, pois, apesar de receber um treinamento – superficial - de defesa pessoal no curso de formação que ocorre na Academia Nacional de Polícia, não mais se cobra do policial federal, durante toda a sua carreira, nenhuma prática de arte marcial. Aliás, mesmo se cobrasse, seria temerário ver um policial se digladiando no chão com um criminoso, correndo o risco de ter sua integridade física ameaçada. Nesse caso, não sendo exigível do policial a ação – por estar desarmado -, sua obrigação de agir – imposta em lei – se transformaria em mera faculdade, contrariando o disposto no Código de Processo Penal.     

Voltando ao fórum da Justiça Federal, caso um homicídio ali tenha acabado de ocorrer, em nítida situação de flagrante, poderão os policiais federais ingressar armados ou não?

A resposta é negativa, pela leitura da Portaria nº 10-124, segundo a qual polícia armada apenas em caso de escolta de preso e proteção à testemunha. Está claro, portanto, que o conteúdo da aludida portaria encontra-se em descompasso com o ordenamento jurídico.

Para robustecer o direito dos policiais ao permanente porte de arma, será conveniente mencionar sobre o que se compreende, em matéria criminal, a respeito de um local a princípio inviolável: as embaixadas.

Entende-se que as embaixadas não fazem parte do território do país acreditante. Conforme leciona MIRABETE (2010; 68), “as sedes diplomáticas (embaixadas, sedes de organismos internacionais etc.) já não são consideradas extensão de território estrangeiro, embora sejam invioláveis como garantia aos representantes alienígenas”.

Essa proteção é prevista na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas[11], em vigor no Brasil[12], que determina, em seu artigo 22, que os locais das missões diplomáticas são invioláveis, não podendo ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução. Mesmo assim, a inviolabilidade não é absoluta.

Nesse sentido, NUCCI (2010; 84) assinala:

Há muito não mais se consideram as sedes diplomáticas extensões do território alienígena. Portanto, a área de embaixada é território nacional, embora seja inviolável. A Convenção de Viena, no entanto, estabelece que a inviolabilidade da residência diplomática não deve estender-se além dos limites necessário ao fim a que se destina. Isso significa que utilizar suas dependências para a prática de crimes ou dar abrigo a criminosos comuns faz cessar a inviolabilidade.

Se alguma embaixada em Brasília estiver sendo usada para prática de delitos, deverá a Polícia Federal nela ingressar para cumprir sua função de polícia judiciária. E os policiais adentrarão o recinto portando o armamento necessário para cessar a infração penal.

Percebe-se que se trata de direitos distintos que não se cruzam. Violabilidade de domicílio/lugar relaciona-se ao direito de entrar em um local, apresenta ideia de espaço. Porte de arma se conecta ao direito subjetivo de uma determinada classe profissional.

Se em embaixadas, cessada a inviolabilidade, um policial federal poderá ingressar portando arma de fogo, por qual razão em um prédio público, de livre acesso, terá ele seu direito ao porte de arma restrito somente às hipóteses de escolta de preso e proteção à testemunha? E se houver flagrante delito, um roubo, com criminosos aparelhados e o policial desarmado, como este irá agir?

O Estado brasileiro é marcado pela separação dos poderes públicos na aplicação da lei penal. Há um poder investigador, um denunciador e outro julgador. Qualquer interferência de um sobre o outro prejudica o processo final, cuja característica maior é a imparcialidade. O Poder Judiciário deve cuidar de normas que concernem ao melhor funcionamento de sua estrutura, não podendo imiscuir-se na esfera de atribuição e de direito das outras pessoas integrantes do processo penal.


3 – POLÍCIA ADMINISTRATIVA

O Departamento de Polícia Federal, órgão de segurança pública, destaca a maior parte de seu efetivo na atividade de polícia judiciária. No entanto, compete a ele outras funções, de caráter eminentemente administrativo, como fiscalização de portos, aeroportos, bancos e empresas de segurança privada.

Neste tópico será dispensado tratamento especial a essa função administrativa, perpassando por legislações que regulam a profissão de vigilante e o direito dele ao porte de arma. O objetivo agora é apresentar solução a um fato corriqueiro que sempre causa polêmica: alguns proprietários de casas noturnas querem obrigar os policiais federais que adentram seus estabelecimentos a deixarem suas armas com os vigilantes.

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A atividade privada de vigilante, para efeitos legais, é conceituada pela Lei nº 8863/94, que modificou o texto original da Lei nº 7.102/83: “Art. 15. Vigilante, para os efeitos desta lei, é o empregado contratado para a execução das atividades definidas nos incisos I e II do caput e §§ 2º, 3º e 4º do art. 10”.

O citado art. 10 define as atividades de segurança privada como sendo aquelas desenvolvidas em prestação de serviços com a finalidade, entre outras, de proceder à vigilância patrimonial de estabelecimentos privados comerciais[13].

Um restaurante, bar ou boate, por exemplo, se desejarem, podem contratar vigilantes para ajudarem na segurança do lugar.

Mas não é qualquer pessoa que está habilitada a exercer tal profissão. Há regulamentação em portaria expedida pelo Departamento de Polícia Federal exigindo o preenchimento de certos requisitos[14].

Entre os requisitos, o principal é a aprovação em curso de formação de vigilante, realizado por empresa devidamente autorizada[15].

É nesse curso de formação que o pretenso vigilante tem contato com arma de fogo. Há uma disciplina denominada Armamento e Tiro[16], em que o candidato se habilita a manejar e usar com eficiência armamento empregado na atividade de vigilância, como último recurso de defesa pessoal ou de terceiros.

Em regra, a arma utilizada por um vigilante é um revólver calibre 38 e, somente em situações especiais, poderão ser usados outros armamentos: em caso de transporte de valores e de escolta armada, espingarda calibre 12 e pistola 380; em segurança pessoal, pistola 380[17]. Todas essas armas são classificadas como de uso permitido[18].

Volta-se à questão polêmica deste tópico. É no mínimo incoerente exigir que um policial federal, treinado e preparado com os mais modernos armamentos existentes, deixe sua arma com um vigilante, formado em curso autorizado pela própria Polícia Federal. Seria inversão do princípio QUI POTEST MAIUS, POTEST ET MINUS (no caso, o menos podendo o mais).

Além disso, há um empecilho legal. O vigilante é formado e habilitado para manusear apenas armas específicas de uso permitido. E os policiais federais utilizam em sua atividade pistola 9 mm, considerada de uso restrito[19]. Se o policial deixar essa pistola nas mãos do vigilante, este incorrerá em crime, sujeito a prisão, conforme dispõe o Estatuto do Desarmamento:

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (grifos nossos):

 Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Outras vezes, o proprietário da casa noturna solicita ao policial que guarde sua arma em um cofre dentro de seu estabelecimento comercial. Não parece razoável permitir que um vigilante permaneça armado dentro de uma boate e, ao mesmo tempo, negar esse direito ao policial federal, mais qualificado e mais habilitado do que aquele.

Tampouco se pode olvidar da perene função de polícia de segurança exercida pelos agentes federais, justificando a manutenção da arma.

Não se deve enlear o direito de o policial federal portar arma de fogo com sua conduta dentro da casa noturna. Todo desvio de comportamento tem de ser apurado nas esferas administrativa, cível e criminal[20].

Uma pergunta usualmente feita por vigilantes - e que não faz sentido - é se o policial está ou não em serviço. Primeiro, porque compete à chefia hierárquica – e não ao vigilante – saber se o agente público está trabalhando naquele momento. Segundo, como já explicado, não se confundem as noções de serviço/trabalho com dever constante de protetor da sociedade, o que garante ao policial federal portar arma de fogo permanentemente.

A título de ilustração, cita-se o ocorrido em uma boate no Rio de Janeiro, quando dois policiais federais foram impedidos de entrar armados por um delegado de Polícia Civil que exercia, irregularmente, função de vigilante. Esse episódio gerou a Ação Penal nº 2008.51.01.815339-0, em trâmite na 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária daquele estado[21].

Desconsideram-se aqui as infrações praticadas pela autoridade policial. Ressalta-se apenas um trecho da denúncia apresentada pelo membro do Ministério Público Federal no tocante ao direito dos policiais federais portarem arma de fogo.

Assim agindo, o acusado sobrepôs o interesse particular dos donos da boate – que ali representava, apesar da absoluta incompatibilidade com a qualidade de autoridade policial por ele a todo tempo invocada –, ao direito legalmente garantido aos policiais federais de portar arma em qualquer lugar público, ainda que fora da função (ver art. 34 da Lei nº 10.826/03; art. 33 e seguintes do Decreto nº 5.123/04, que a regulamentou; e art. 27 da Instrução Normativa nº 23/05 do Departamento de Polícia Federal; nos quais não se vislumbra qualquer restrição ao porte de arma por policiais federais em casas noturnas).  (grifos nossos)

Em vez de dificultar o acesso de policiais federais armados, uma atitude contributiva com o serviço público consistiria na anotação, em uma lista própria, do nome e matrícula do policial ingressante no estabelecimento. A cada período de tempo – por exemplo, mês -, esta lista seria enviada à unidade da Polícia Federal da respectiva localidade. Essa medida ajudaria a detectar se há alguém que eventualmente estivesse usurpando a função de policial federal.

Por fim, não se deve esquecer que, não raro, estabelecimentos comerciais utilizam vigilância irregular, pessoas sem qualificação para ser vigilantes, conforme determina a lei. É uma situação mais absurda ainda, pois se o vigilante formado não possui autorização para portar pistola 9 mm, muito menos aquele desautorizado a carregar qualquer tipo de arma de fogo.

Os empresários deveriam ter em mente que o policial é mais um elemento de segurança ao seu comércio.

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Sobre o autor
Yuri Amarante de Rodrigues e Miranda

Agente de polícia federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Yuri Amarante Rodrigues. O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3737, 24 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25385. Acesso em: 21 dez. 2024.

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