Sumário . 1. Introdução – objetivo do trabalho 2. Dignidade da pessoa humana: fundamento do Estado Democrático de Direito – 3. direitos da personalidade: 3.1 Noções gerais; 3.2 Direitos da personalidade do empregado – 4. Assédio Moral: 4.1 Introdução; 4.2 Noções Conceituais; 4.3 Assedio Moral Organizacional; - 5. A tutela dos direitos da personalidade do trabalhador: 5.1 Panorama atual; 5.2 Análise Crítica;– 6. Conclusão – 7. Referência bibliográficas.
Resumo: Aborda-se neste trabalho a efetividade da tutela dos direitos da personalidade do empregado em face do assédio moral organizacional. A proposta deste artigo é discutir a insuficiência das soluções jurídicas disponibilizadas ao trabalhador em face do assédio moral organizacional, tratando da incompatibilidade entre os institutos meramente indenizatórios e a preservação da dignidade humana do empregado, fundamento do Estado Democrático de Direito consagrado no art. 1°, inciso III, da Lex Fundamentalis. O trabalho revela que a manutenção do emprego e a preservação do meio ambiente de trabalho sadio são as prioridades no que concerne à tutela dos direitos do trabalhador. Com apoio na jurisprudência e doutrina, desenvolve-se um estudo que apresenta uma análise crítica acerca do tema, revelando a existência de soluções mais viáveis para o problema.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Direitos da Personalidade. Assédio Moral Organizacional. Tutela. Direitos Sociais.
1. INTRODUÇÃO – OBJETIVO DO TRABALHO
Tendo em vista que a dignidade da pessoa humana é consagrada enquanto fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1°, III/CF/88), elevando, por conseguinte, os direitos da personalidade à condição de direito fundamental, depreende-se que a solução encontrada pela lei e jurisprudência trabalhista para os casos de assédio moral organizacional e, consequentemente, de violação dos direitos personalíssimos do trabalhador, não resguarda efetivamente o postulado da dignidade e do trabalho digno.
Assim, o objetivo primordial desse trabalho é analisar os fundamentos da tutela dos direitos da personalidade do trabalhador de modo a encontrar soluções que garantam, efetivamente, a sua proteção. Desvelou-se os níveis de análise dentro da ótica da dignidade da pessoa humana: princípio da dignidade, direitos da personalidade e valorização social do trabalho.
Ademais, para tanto, discorreu-se sobre a tutela e a violação dos direitos fundamentais do empregado em face do assédio moral organizacional, apresentando-se, nesta oportunidade, uma breve análise conceitual do tema.
A investigação, dessa forma, possui extrema importância, tendo em vista a necessidade de efetivação dos direitos da personalidade, analisando-se criticamente o papel do judiciário e a necessidade de garantir a efetividade da tutela dos direitos individuais e sociais dos trabalhadores.
Este estudo baseou-se no raciocínio (processo mental) hipotético-dedutivo, seguindo-se uma vertente teórico-metodológica jurídico-sociológica na abordagem da pesquisa de base.
Em relação às técnicas de pesquisa, o aperfeiçoamento deste estudo teve, como base, a técnica de revisão de literatura, visando levantar o material já publicado, além da jurisprudência trabalhista sobre o assunto.
Ultrapassados os mais diversos pontos de debate relacionados ao tema proposto, busca-se uma sistematização argumentativa direcionada à proteção da dignidade do indivíduo nas relações trabalhistas, com o enfrentamento prático das consequências do assédio moral organizacional.
2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A dignidade é uma característica inerente ao ser humano, na medida em que se trata de valor que é intrínseco à própria condição humana. Nesse sentido, todo ser humano, simplesmente pelo fato de ser humano, tem dignidade.
Esclarece Ingo Wolfgan Sarlet:
Assim, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, a dignidade pode (e deve) ser reconhecida, respeitada promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente.[1]
Reconhecendo essa qualidade intrínseca ao homem, a Constituição Federal de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana a condição de fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, I e III), conferindo ao ser humano o papel de fundamento e também de fim primordial da ordem jurídica. É, portanto, cláusula geral de tutela e promoção do indivíduo, permeando todas as relações jurídicas no ordenamento pátrio.
Ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana é hoje o valor mais caro ao ordenamento jurídico, valor máximo, que fundamenta todo o sistema, no sentido de garantir a realização existencial da pessoa e proporcionar-lhe uma vida com dignidade.
Nesse contexto, observa-se que o princípio da dignidade da pessoa humana garante não somente direitos de cunho negativo, protegendo o ser o humano contra os atos que atentem contra a sua dignidade, mas também de aspecto positivo, segundo o qual ao ser humano devem ser garantidas condições existenciais mínimas. Nos socorremos aqui, mais uma vez, pela clareza, das palavras de Salert:
Temos por dignidade da pessoa a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor de consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.[2]
Assim, reconhecida a fundamentabilidade desse postulado, os direitos previstos na Constituição Federal precisam ser assegurados à pessoa para que seja efetivado o princípio da dignidade da pessoa humana e, consequentemente, o direito à vida digna.
Como nos explica Sarlet, é preciso que seja garantido um piso mínimo de valores, incluídos aí não só os direitos fundamentais previstos nos artigos 1º, 3º e 5º da Constituição, como também os direitos sociais, mormente os previstos no art. 6º.
Nesse mesmo sentido, Maurício Godinho Delgado:
Insista-se que, para a Constituição democrática brasileira, a dignidade do ser humano fica lesada caso este fique privado de instrumentos de mínima afirmação social. Enquanto ser social, a pessoa humana tem assegurados por este princípio iluminador e normativo não apenas a intangibilidade de valores individuais básicos, como também um mínimo de possibilidade de afirmação no plano comunitário circundante. [3]
Ora, o princípio da Dignidade faz pujante a obrigatoriedade estatal de tornar o indivíduo efetivamente destinatário dos direitos de cunho individual e também social, e, portanto, além de sua dimensão privada, a Dignidade deve projetar-se socialmente, garantindo a afirmação social da pessoa.
Os direitos sociais, nesse passo, visam assegurar o exercício dos direitos fundamentais (personalíssimos) aos indivíduos, na medida em que buscam garantir as condições mínimas para que a pessoa tenha um vida digna, por meio da proteção e das garantias dadas pelo Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, além de fundamentar a proteção aos direitos da personalidade, o princípio da Dignidade da pessoa humana funda também a proteção ao emprego, direito social base para todos os outros direitos sociais, até porque é o emprego o instrumento capaz de garantir o mínimo existencial necessário para resguardar a dignidade da pessoa.
Ademais, é o ambiente de trabalho o local onde a pessoa desenvolve grande parte de sua personalidade. Os trabalhadores, passam a imensa maioria do seu tempo no ambiente laboral, onde constroem conhecimento e se desenvolvem a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. Por isso, o trabalho tem papel socializador, afinal, o trabalhador irá construir sua moralidade a partir da sua interação com as inúmeras e cotidianas experiências que tem com as pessoas, com as situações e com ambiente em que vive.
Nessa perspectiva, o meio ambiente de trabalho é corresponsável pelo desenvolvimento individual e social de seus membros, objetivando sua inserção como cidadãos autônomos e conscientes em uma sociedade plural e democrática.
Portanto, o respeito à dignidade da pessoa humana, aos direitos personalíssimos e ao valor social do trabalho são os objetivos fundamentais do ordenamento jurídico, devendo a atividade jurídica ser voltada à concretização da personalidade do indivíduo de modo a garantir o nível de efetividade dos direitos individuais e sociais da pessoa humana, e mormente, do trabalhador.
É o que veremos nos próximos itens.
3. DIREITOS DA PERSONALIDADE
3.1 NOÇÕES GERAIS
Em razão das ideias desenvolvidas até aqui, verifica-se o surgimento de um novo panorama jurídico, a partir do qual, surge um novo conceito de direitos da personalidade, que decorre da proteção do princípio da dignidade e está ligado à própria condição do ser humano.
Dessa forma, na perspectiva adotada nesse trabalho, o fundamento dos direitos da personalidade é o princípio da dignidade da pessoa humana, e, portanto, a busca pela proteção da essência do ser humano[4], de modo a garantir que a sua existência se desenvolva com dignidade.
Nesse sentido são os ensinamentos do Professor Cristiano Chaves:
Os direitos da personalidade – ultrapassando a setorial distinção emanada da histórica dicotomia direitos público e privado – derivam da própria dignidade reconhecida à pessoa humana para tutelar os seus valores mais significativos do indivíduo, seja perante outras pessoas, seja em relação ao Poder Público. Com as cores constitucionais, os direitos da personalidade passam a expressar o minimum necessário e imprescindível à vida com dignidade.[5]
Resulta, desse modo, que os direitos personalíssimos se incluem entre aqueles que garantem, justamente, o mínimo necessário para que a pessoa se desenvolva dignamente. Logo, além de serem fundados na dignidade da pessoa humana, os direitos da personalidade visam materializar esse princípio.[6]
Assim sendo, os direitos da personalidade são direitos mínimos que buscam efetivar a proteção dos direitos fundamentais do indivíduo e do seu desenvolvimento físico e moral.[7]
Em obra monográfica sobre o tema, Carlos Alberto Bittar define com clareza os direitos da personalidade e, em nome dessa precisão, é o conceito que adotamos nessa obra:
São direitos essenciais da pessoa que constituem componentes indissociáveis de sua personalidade. São, pois, direitos inatos - como a maioria dos escritores atesta -, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em outro plano do direito positivo (no plano constitucional ou em sede de legislação ordinária), dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte: contra arbítrio do poder público ou as incursões de particulares (no primeiro como liberdades públicas; no segundo, como direitos da personalidade). No elenco dos direitos em causa em que não se distinguem os seus componentes, que gozem, pois, da mesma qualificação, estão, como anotamos, atributos físicos, valores intelectuais e valor morais da pessoa tomada em si e em relacionamento com a coletividade. Em síntese, direitos de personalidade são: a) próprios da pessoa (física ou jurídica); ou b) em suas projeções para o mundo exterior.[8]
Os direitos da personalidade são, portanto, direitos subjetivos inatos ao ser humano, representam os atributos inerentes à sua própria condição, formando a essência do individuo e garantindo o mínimo essencial para o desenvolvimento da personalidade.
3.2 DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO
Esclarece-se, inicialmente, que o os direitos da personalidade, no contexto adotado nesse estudo, representa uma verdadeira cláusula geral de proteção à dignidade e à personalidade humana.
Nesse sentido, a cláusula geral permite uma abertura do sistema jurídico, na medida em que funciona como uma cláusula de tutela da pessoa humana, englobando inúmeras possibilidades materiais nas quais se possa realizar a ação humana.
Judith Martins-Costa define, brilhantemente, a cláusula geral:
[...] constitui, portanto, uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluida’ ou ‘vaga’, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, a qual é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do sistema; [9]
Assim, é necessário que se estabeleça uma proteção genérica dos direitos personalíssimos do individuo, que inclua a tutela de todas espécies de direitos e a diversidade da pessoa humana em todos os seus aspectos, no sentido de que, somente desse modo, se estará protegendo efetivamente a dignidade da pessoa humana enquanto postulado fundamental do Estado Democrático de Direito.[10]
Dessa forma, os direitos de personalidade, enquanto cláusula geral, abrangem a proteção da pessoa e todas as suas singularidades, incluídos aí os direitos do individuo enquanto trabalhador. Por conseguinte, o papel do julgador deverá ser reforçado para a criação de normas no sentido de efetivamente tutelar os direitos da personalidade também no âmbito das relações de trabalho.
Tendo em vista a diversidade de possibilidades de ameaça aos direitos da pessoa humana na sociedade contemporânea, e considerando que o ambiente laboral é o local onde a pessoa desenvolve substancialmente a sua vida, é esse também o lugar mais propício para a violação dos direitos da personalidade.
Observa-se que, a ordem jurídica constitucional fundamenta-se, para além da proteção do trabalho, na valorização do mesmo, do modo que se houver trabalho sem respeito aos direitos personalíssimos do trabalhador, haverá violação ao mandamento constitucional de valorização do trabalho e da tutela da dignidade da pessoa do trabalhador.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;[11]
Assim, um trabalho desenvolvido sem a busca pela promoção da dignidade, no qual não sejam respeitados os direitos básicos do empregado, representa uma violação direta à ordem constitucional.
Conclui-se que, diante da conexão atávica entre o direito geral de personalidade e o princípio da dignidade humana, já demonstrada exaustivamente nesse trabalho, não há espaço para o desrespeito do indivíduo enquanto empregado, devendo o poder diretivo respeitar não só os limites do contrato de trabalho, como também os seus direitos personalíssimos, e, consequentemente, o direito ao trabalho digno.
Cabe ao aplicador do direito, consequentemente, identificar as situações de violação de tais direitos e solucionar concretamente o problema. As cláusulas gerais exigem, portanto, concretização, chamando os operadores do direito a interferirem ativamente na apresentação de uma solução para o problema da violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
4. ASSÉDIO MORAL
4.1 INTRODUÇÃO
O assédio moral, apesar de ser um fenômeno antigo, que remonta à própria existência das relações interpessoais e do trabalho, está ligado, no contexto atual, ao momento histórico de proteção à dignidade e dos direitos da personalidade.
Hoje se reconhece a necessidade inafastável de proteção da integridade do indivíduo enquanto trabalhador, sendo que “é exatamente a necessidade de proteção à dignidade do empregado que justifica a punição do assédio moral. Este é o seu fundamento.”[12]
Nessa perspectiva, a busca pela dignidade dentro das relações de trabalho, fundamenta, enquanto pilar básico do ordenamento jurídico, a importância de se estabelecerem meios para punir, prevenir e reparar a violação aos direitos da personalidade do empregado e da honra profissional.
É importante ressaltar, nesse momento, que o assédio moral representa uma violação não só aos direitos e interesses do trabalhador individualmente considerado, como também da coletividade trabalhadora, na medida em que degrada o ambiente de trabalho em que estão envolvidos aqueles indivíduos, e, consequentemente, a saúde dos trabalhadores.
O trabalho é garantia constitucional (art. 6º), e, portanto, deve o ordenamento jurídico prestigiar, em consonância com a manutenção do emprego e a tutela dos direitos fundamentais do trabalhador, os meios de combate ao assédio moral, com ênfase na prevenção e inibição da conduta abusiva.
4.2 NOÇÕES CONCEITUAIS
Grande parte da doutrina pátria e estrangeira baseia-se na definição de assédio moral da psiquiatra, psicanalista, vitimóloga e psicoterapeuta familiar Marie-France Hirigoyen, que utilizou pela primeira vez a denominação “assédio moral”.
Em 2001, a Autora publicou a obra Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral, como aprimoramento da conceituação de assédio moral, propondo a seguinte definição:
[...] qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.[13]
Outra importante definição de assédio moral é trazida por Sônia Mascaro Nascimento:
Assédio moral se caracteriza por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.[14]
Explica, com clareza, o professor Rodolfo Pamplona, que trata-se, portanto, de “uma violação a um interesse juridicamente tutelado, sem conteúdo pecuniário, mas que deve ser preservado como um dos direitos mais importantes da humanidade: o direito à dignidade.”[15]
Para a caracterização do assédio moral, a doutrina propõe a existência de quatros requisitos básicos, quais sejam: conduta abusiva; natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; reiteração da conduta e; finalidade de exclusão.
A partir desses elementos básicos é que o professor Rodolfo Pamplona propõe a sua conceituação do assédio moral como “uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente de trabalho e do convívio social”.[16]
Nesse momento, é importante também tratarmos das modalidades e classificações do assédio moral, para que fique bem situado o recorte desse trabalho: o assédio moral organizacional.
A doutrina propõe a divisão do assédio moral em três modalidades: o assédio moral vertical, o assédio moral horizontal e o assédio moral misto.[17]
A primeira modalidade, na qual o assédio é praticado por pessoas em diferentes níveis de hierarquia, subdivide-se em assédio moral vertical descendente e assédio moral vertical ascendente.
Quando o assédio é praticado pelo superior hierárquico tem-se o assédio moral vertical descendente. Se, por outro lado, a conduta é praticada pelo próprio subordinado em relação ao seu superior, se configura o assédio moral ascendente.[18]
No assédio moral horizontal, por sua vez, a conduta é praticada pelos próprios colegas de trabalho, indivíduos de mesmo nível hierárquico entre si. E, por derradeiro, o assédio moral misto é aquele que se manifesta a partir da combinação das duas outras modalidades, ou seja, a perseguição é feita tanto pelo superior ao subordinado como também entre os próprios colegas do mesmo grau de hierarquia.[19]
Por fim, quanto a sua abrangência, o assédio moral compreende o assédio moral individual e o assédio moral coletivo.
No assédio moral individual, a conduta abusiva se dirige diretamente ao individuo, atentando contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa determinada.
O assédio moral coletivo, na perspectiva adotada no presente trabalho, define-se como toda conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica de uma coletividade, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe um grupo de trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa aos direitos fundamentais dos empregado em todas as suas dimensões.[20]
O assédio moral coletivo classifica-se em três modalidade, quais sejam, o assédio moral coletivo lato senso, o assédio moral organizacional e o sequestro da subjetividade.
Nesse contexto enquadra-se o tema do presente estudo, o assédio moral organizacional, também conhecido com straining, que configura espécie de assédio moral coletivo, como veremos a seguir.
4.3 ASSEDIO MORAL ORGANIZACIONAL
O assédio moral organizacional se define como a modalidade de assédio moral coletivo, no qual a violação dos direitos dos trabalhadores se dá como consequência de métodos operacionais da empresa com o fim de garantir o aumento da produtividade em detrimento dos direitos fundamentais dos empregados.
Márcia Novaes Guedes, em brilhante obra sobre o tema, denomina o assédio moral organizacional de straining, e assim o define:
No trabalho, straining é uma situação de estresse forçado, na qual a vítima é um grupo de trabalhadores de um determinado setor ou repartição, que é obrigado a trabalhar sob grave pressão psicológica e ameaça iminente de sofrer castigos humilhantes. Nessa espécie de psicoterror, parte-se do pressuposto de que os vestígios da memória (da era dos direitos) já foram apagados, e o ambiente de trabalho é um campo aberto, onde tudo é possível.[...] No straining, todo o grupo, indistintamente, é pressionado psicologicamente e apertado para aumentar a taxa de produtividade, atingir metas, bater recordes nas vendas de serviço e de produtos, debaixo de reprovações constrangedoras, como acusação de “falta de interesses pelo trabalho”, “falta de zelo” e “colaboração” para com a empresa, e a ameaça permanente e subjacente, lançada de modo vexatório, de perder o emprego, ou, ainda, sofrer uma punição ainda mais dura e humilhante.[21]
Portanto, a finalidade primordial do assédio moral organizacional é impor ao empregado a lógica organizacional do empregador, de modo que, os trabalhadores se submetam aos parâmetros da empresa, para que os interesses do capital prevaleçam sobre qualquer consideração da dignidade e personalidade humana. A finalidade básica é instrumental.[22]
Assim, o assédio moral organizacional é utilizado como forma da empresa auferir lucro a partir da violação reiterada e sistemática dos direitos fundamentais do trabalhador.
Trata-se de verdadeira política gerencial[23] para o envolvimento e desestabilização psicológica dos trabalhadores a fim de que se sujeitem às regras da administração empresarial, minando a possibilidade de formação de coletivos de trabalho ou fragmentando as construções já existentes, de modo que seja dificultada, e até mesmo impossibilitada, a proteção dos interesses da categoria.
O Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão, em decisão por unanimidade, condenou uma empresa e o seu empresário a pagarem indenização por dano moral coletivo pela prática de assédio moral organizacional (gestão por estresses). Para a fixação da indenização, os desembargadores da 1ª Turma consideraram que, por se tratar de uma prática institucionalizada, com o objetivo de levar os empregados ao limite da produtividade em detrimento dos seus direitos personalíssimos e, consequentemente, da dignidade da pessoa humana, o straining é substancialmente mais grave do que o assédio moral individual.
A título de ilustração, colacionamos aqui a ementa do julgado:
ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. GESTÃO POR ESTRESSE. STRAINING. PRÁTICA CONSISTENTE NO INCENTIVO AOS EMPREGADOS DE ELEVAREM SUA PRODUTIVIDADE, POR MEIO DE MÉTODOS CONDENÁVEIS, COMO AMEAÇAS DE HUMILHAÇÕES E RIDICULARIZAÇÕES. DEVIDA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO PELA INSTÂNCIA A QUO. A gestão por estresse, também conhecida como assédio moral organizacional ou straining consiste em uma "técnica gerencial" por meio da qual os empregados são levados ao limite de sua produtividade em razão de ameaças que vão desde a humilhação e ridicularização em público até a demissão, sendo consideravelmente mais grave que o assédio moral interpessoal (tradicional) por se tratar de uma prática institucionalizada pela empresa, no sentido de incrementar seus lucros às custas da dignidade humana dos trabalhadores. Caracterizada tal situação, é devida indenização pelo dano moral coletivo causado, que deve ser suficiente, sobretudo, para punir a conduta (função punitiva) e para desincentivar os infratores (função pedagógica específica) e a sociedade (função pedagógica genérica) a incorrerem em tal prática, mas também para proporcionar, na medida do possível, a reparação dos bens lesados, como preceitua o art. 13 da Lei 7.347/85. Assim, tendo em vista a amplitude das lesões e suas repercussões, razoável a redução do quantum indenizatório para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Recurso ordinário do Sr. Alessandro Martins não admitido, por deserto. Recurso ordinário da Euromar conhecido e, no mérito, parcialmente provido.[24]
Há, portanto, além da violação direta dos direitos individuais de cada trabalhador, uma violação da dimensão transindividual dos direitos da personalidade dos empregados. A política gerencial da empresa, no assédio moral organizacional, atua para que os empregados sejam, coletivamente, pressionados à adaptarem-se aos parâmetros da empresa, excluindo aqueles com o perfil inadequado.
Nesse momento, chegamos a um ponto crucial no trabalho, no qual fica claro que, a rescisão indireta do trabalho, em face do assédio moral, não é eficaz para tutelar os direitos do trabalhador, na medida em que perpetuam esse tipo de prática ao permitir que alcance sua finalidade (exclusão do individuo que não se submete à perseguição do empregador). É o que veremos nos próximos tópicos.