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Uma análise sobre a efetiva tutela dos direitos da personalidade do empregado em face do assédio moral organizacional

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02/10/2013 às 07:07
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5. A TUTELA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO TRABALHADOR

5.1 PANORAMA ATUAL

Atualmente, a solução disponibilizada pela lei e jurisprudência trabalhista ao empregado vítima de assédio moral organizacional, situação em que há violação à personalidade do trabalhador, é no sentido de conceder tutela ressarcitória e reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Da análise dos manuais de direito do trabalho e da jurisprudência dos tribunais trabalhistas, a resposta é sempre a mesma: concessão de indenização por danos morais e/ou reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho.

A primeira solução apresentada, a concessão de indenização por danos morais, se justifica, segundo Mauro Schiavi, pelos seguintes motivos: efetivação da tutela do princípio da dignidade da pessoa humana; penalização ao autor do dano; reparação do dano sofrido pela vítima e proteção da sociedade como um todo.[25]

Nesse sentido, a indenização por danos morais, se explica, na medida em que visa reparar e inibir a violação aos direitos da personalidade. Contudo, no nosso entendimento, tal medida não é eficiente, já que a diminuição patrimonial que causa ao empregador, em regra, é irrelevante, e a contribuição para o patrimônio da vítima também, sendo incapaz de frear a situação de abuso perpetrada no ambiente de trabalho.

O reconhecimento da rescisão indireta, por sua vez, se justifica nos casos em que a continuidade do contrato de trabalho se torna insustentável. Contudo, como veremos no próximo item, em nossa perspectiva, tal medida deve ser utilizada somente como ultima ratio, já que a  manutenção do emprego e a cessação do assédio devem ser prioridades para garantir a proteção dos direitos fundamentais do trabalhador.

Assim, apesar de reconhecer a prática do assédio moral organizacional enquanto conduta grave, atentatória dos direitos personalíssimos do trabalhador e da dignidade da pessoa humana, a jurisprudência, até então, não se mobilizou no sentido de garantir, efetivamente, a proteção dos direitos fundamentais do trabalhador e a manutenção do emprego.

A título de exemplo, colacionamos julgados de alguns Tribunais Regionais do Trabalho que refletem, explicitamente, o posicionamento adotado pelos tribunais trabalhistas brasileiros:

ASSÉDIO MORAL. RESCISÃO INDIRETA. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. Restando configurada nos autos conduta reprovável perpetrada por preposto da reclamada que, indubitavelmente, afrontou a dignidade psíquica do reclamante, inviabilizando o seu convívio saudável no ambiente de trabalho, faz jus o obreiro à rescisão indireta e à pretensa indenização por assédio moral. [26]

ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. TROFÉUS LANTERNA E TARTARUGA. O pseudo procedimento de incentivo de vendas adotado pela empresa, consistente em atribuir troféus lanterna e tartaruga aos vendedores e coordenadores de vendas com menores desempenhos na semana, trouxe-lhes desequilíbrio emocional incontestável, independentemente de quem efetivamente os recebiam, visto que na semana seguinte qualquer deles poderia ser o próximo agraciado com este abuso patronal, que ocorreu de forma generalizada e reiterada. Ficou evidente que o clima organizacional no ambiente de trabalho era de constante pressão, com abuso do poder diretivo na condução do processo de vendas. Não há outra conclusão a se chegar senão a de que todos que ali trabalhavam estavam expostos às agressões emocionais, com possibilidades de serem o próximo alvo de chacota. Nesse contexto, o tratamento humilhante direcionado ao Autor e existente no seu ambiente de trabalho mostra-se suficiente para caracterizar o fenômeno do assédio moral organizacional, máxime quando presente prova de que a conduta desrespeitosa se perpetrou no tempo, de forma repetitiva e sistemática. Configurado o assédio moral e a culpa patronal, é devida a indenização pretendida pelo Reclamante.[27]

ASSÉDIO MORAL. DANO MORAL. VIOLAÇÃO AOS direitos da personalidade, À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À BOA FÉ CONTRATUAL. Configurado, nos autos, atos empresariais incompatíveis com os princípios da dignidade da pessoa humana e da boa fé contratual, violadores, por conseguinte, dos direitos da personalidade da autora, correta a sentença que identificando assédio moral concluiu por condenar a demandada ao pagamento da indenização correlata.[28]

Sentença que se mantém por seus próprios fundamentos.

Como bem observou o douto magistrado, o simples reconhecimento do assédio moral organizacional justifica a rescisão indireta com base no art. 483, b da CLT.

Dito isso, acertada a decisão do Julgador de origem ao rechaçar a tese de abandono de emprego, sendo devidas, por via de conseqüência, as parcelas deferidas na sentença, inclusive a multa de 40% do FGTS e a liberação das guias de seguro desemprego, por se tratar, o caso dos autos, de despedida injusta, em face do reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho.[29]

Ressalte-se ainda, que o assédio moral organizacional se configura tanto pela provocação de dano a um trabalhador individualmente considerado, como também pela violação de interesses da coletividade trabalhadora, na medida que expõe todos os trabalhadores do setor/empresa a um meio ambiente de trabalho doente.

Nesse sentido, o que se observa da análise de casos concretos de assédio moral organizacional, é o reiterado deferimento de indenização por dano moral em ações individuais, reparando pecuniariamente apenas a violação sofrida especificamente por um individuo determinado, deixando desamparada toda a coletividade de trabalhadores que também enfrenta, diariamente, a mesma política gerencial.

5.2 ANÁLISE CRÍTICA

Como visto, o assédio moral, e mais especificamente, ao assédio moral organizacional, representa uma violação da dimensão transindividual dos direitos da personalidade dos empregados, e, portanto, o papel do juiz não pode se restringir a simplesmente determinar a extensão do dano e, consequentemente, a indenização devida.

Ao contrário, o poder do juiz deve ser estendido, no sentido de compreender a totalidade do fenômeno, suas implicações práticas, a consequência de desemprego gerada pela rescisão indireta e o combate ao sistema de exploração.

Assim, seguindo a lógica até então desenvolvida nesse trabalho, para se estabelecer a verdadeira proteção dos direitos da personalidade, mormente do trabalhador, é fundamental que seja reconhecida a possibilidade de tutela repressiva, como também de tutela preventiva, de modo a assegurar os aspectos negativos e positivos do postulado da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, a proteção da personalidade do indivíduo requer que sejam concedidos provimentos judiciais reparatórios e inibitórios. Nesse momento, reafirmamos a necessidade de analisarmos criticamente o papel do judiciário no âmbito da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito para garantir  a elevação do nível de efetividade dos direitos individuais e sociais dos trabalhadores.

No âmbito constitucional e cível, já são previstas sanções tanto do ponto de vista reparatório, com a aplicação de indenizações por danos morais, como também do ponto de vista preventivo, através da adoção de medidas de caráter inibitório.[30]

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Art. 5º: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;[31]

CÓDIGO CIVIL Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.[32]

O Código de Processo Civil, apresenta algumas medidas que podem ser aplicadas, pelo juiz, no intuito de tutelar especificamente o direito violado, a exemplo da imposição de multa diária e o impedimento da atividade nociva, se necessário, com requisição de força policial. Vejamos:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) (grifos nossos)

§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002) (grifos nossos)

§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)[33]

Portanto, é preciso que o juiz esteja habilitado a garantir a efetiva tutela dos direitos do empregado, fazendo cessar, definitivamente, o assédio moral organizacional no âmbito de uma determinada empresa, de modo a garantir a efetiva tutela dos direitos da personalidade dos empregados e a proteção do meio ambiente de trabalho sadio.

A reparação do dano, ainda que coletivamente, não garante a proteção dos direitos do trabalhador na perspectiva social. Nesse sentido, as palavras do Brilhante Jorge Luiz Souto Maior:

É de suma importância compreender que com relação às empresas que habitam o cotidiano das Varas, valendo-se da prática inescrupulosa de agressões aos direitos dos trabalhadores, para ampliarem seus lucros, a mera aplicação do direito do trabalho, recompondo-se a ordem jurídica individual, com pagamento de juros e correção monetária, por óbvio, não compensa o dano experimento pela sociedade. (...) deve-se proferir condenação que visa a reparação específica pertinente ao dano social perpetrado, fixada ‘ex oficio’ pelo juiz da causa, pois a perspectiva não é a da mera proteção do patrimônio individual[34]

Segundo o Professor Cristiano Chaves:

(...) a tutela da pessoa humana supera, no estágio atual do direito, a perspectiva setorial (direito público e privado) e não se satisfaz com técnicas ressarcitórias e repressivas (consubstanciadas no binômio lesão-sanção), exigindo instrumentos de promoção do ente humana a partir de sua integridade física.”[35]

Portanto, em consonância com a proteção constitucional aos direitos fundamentais do trabalhador, o código civil e de processo civil instituíram a chamada tutela específica (art. 12 e 461, respectivamente), que deverá, analogicamente, conforme previsão do art. 8º da CLT, ser utilizado na Justiça do Trabalho.

Tais medidas, visam oferecer ao trabalhador instrumentos mais eficazes do que a simples reparação do dano, no sentido de tutelar efetivamente a personalidade do trabalhador e resguardar o emprego em face do assédio moral.

Assim, embora seja devida também a indenização, já que a violação de fato já ocorreu, o mais importante é, em verdade, salvaguardar o emprego, garantindo ao trabalhador os meios para a obtenção do mínimo existencial, e portanto, da sua dignidade.

Seguindo a linha aqui esposada, a Magistrada Alda de Barros Araújo, defendeu no XVI CONGRESSO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DO TRABALHO, a possibilidade de aplicação de tutela inibitória nos casos de assédio moral organizacional, em analogia com o artigo 12 do Código Civil:

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Ementa: O (a) trabalhador (a) vítima de assédio moral, assédio sexual ou straining pode ajuizar ação inibitória com a finalidade de fazer cessar o ilícito e manter-se no emprego e, sucessivamente, requerer a rescisão indireta do contrato. Deve ser acolhida a rescisão indireta apenas na situação de incompatibilidade de preservação da relação de trabalho, hipótese em que o empregador será condenado a ressarcir o empregado por danos materiais em razão do desemprego, além da indenização por danos morais cabível.[36]

Ora, às empresas não pode ser dada a liberdade de explorar a força de trabalho do empregado sem o devido retorno social, de respeito a personalidade do trabalhador e ao postulado da dignidade humana.

Conclui-se, portanto, que permitir que o empregador aufira lucro mediante a exploração da força de trabalho do empregado, desrespeitando os direitos da sua personalidade, e eliminando do ambiente de trabalho, através de rescisão indireta, aqueles indivíduos que não se adaptaram a política empresarial, afronta a ordem constitucional, a  valorização do trabalho humano e o princípio da dignidade da pessoa humana.


6. CONCLUSÃO

Estas foram algumas ideias que consideramos convenientes trazer à baila, tendo em vista as atuais discussões doutrinárias sobre a tutela da personalidade do trabalhador e o problema do assédio moral organizacional.

Sem qualquer pretensão de que sejam encaradas como verdade absoluta, defende-se neste artigo a ideia de que as soluções hoje apresentadas para a resolução do problema do staining não são eficazes para tutelar efetivamente os direitos da personalidade do trabalhador e o postulado da dignidade da pessoa humana.

Contudo, a eficácia dos institutos jurídicos e dos seus respectivos dispositivos abordados neste trabalho depende em grande parte de uma mudança de consciência dos juristas na forma de interpretar o fenômeno do assédio moral organizacional.

Sendo o direito da personalidade considerado por nós como cláusula geral, que exige também a proteção efetiva do trabalhador e do postulado do trabalho digno, o jurista tem o dever de intervir nas relações impulsionando uma mudança da consciência social, manejando que a manutenção do trabalho e a proteção do meio ambiente laboral sadio sejam a prioridade do ordenamento.

Nesta perspectiva, a tutela específica, dentre outros instrumentos jurídicos, apresenta-se como um dos principais meios de chancela da personalidade do trabalhador, buscando sempre possibilitar que o indivíduo se realize em sua plenitude.

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Sobre a autora
Juliana de Andrade Fauth

Advogada/ Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/JusPodivm. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto de Excelência Ltda.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAUTH, Juliana Andrade. Uma análise sobre a efetiva tutela dos direitos da personalidade do empregado em face do assédio moral organizacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3745, 2 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25433. Acesso em: 18 abr. 2024.

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