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Lei Maria da Penha, violência, medo e amor:

da denúncia ao perdão

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Trata da evolução da questão do tratamento legal da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, enfocando especialmente a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).

Resumo: A violência doméstica é um mal que assola mulheres no mundo inteiro, desde tempos mais remotos até hoje. Infelizmente tal violência sempre foi, mesmo que inconscientemente, aceita na sociedade. As agressões vão desde a psicológica até a sexual e na maioria dos casos advêm daquele que deveria proteger a mulher, seu marido. Quando elas se veem sem alguém para apoiá-las e acuadas dentro de seu próprio lar, não conseguem ver um futuro para si. Com isso a vergonha, o medo e a falta de perspectiva de um futuro, faz com que muitas mulheres aceitem a violência. Só que muitas conseguem ver “uma luz no fim do túnel” e ao tentar lutar contra essa violência acabam por serem ainda mais hostilizadas por seus companheiros. No presente estudo analisaremos a linha histórica da violência contra a mulher até o grande avanço no Brasil, que foi a aprovação da Lei Maria da Penha. Além dos aspectos psicológicos que envolvem a relação agressor/agredida e como a família é afetada por esse comportamento violento.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha – Violência contra a mulher – Falta de denúncia – Agressor - Motivações

Sumário:1. Introdução – 2. Lei Maria da Penha – 2.1 Quem é Maria da Penha? – 2.2 O que mudou com a Lei Maria da Penha – 2.3 A violência e a mulher na história - 3. Por que algumas mulheres não denunciam? – 3.1 Relações de amor e ódio, maridos violentos e mulheres submissas – 3.2 A família e a construção do psicológico do agressor e da agredida – 4. A sociedade machista e a imposição que a mulher sofre para manter o casamento – 5. Conclusão – 6- Referências


1. INTRODUÇÃO

A mulher historicamente sempre foi vista com elo fraco da sociedade, ganhando direito de igualdade há pouco tempo. Até poucos séculos atrás a mulher não podia votar, escolher seu marido e no Brasil até a Constituição de 1988 ela não podia sequer administrar seus bens, independente da forma como foram adquiridos, seja por herança, doação ou bens adquiridos com o dinheiro que ela ganhava trabalhando. No que tange o trabalho a mulher também não podia trabalhar, sendo restrita única e exclusivamente a cuidar do lar, dos filhos e do marido.

Com a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, o mundo se viu sem mão de obra masculina tendo que recorrer às mulheres para manter os países funcionando e as fábricas produzindo. Após conseguir esse direito as mulheres nunca mais quiseram voltar à servidão do lar. Mas, mesmo tendo liberdade e lugares que aceitavam mulheres como mão de obra, ainda assim a mulher estava sujeita à aprovação de seu marido ou pai para poder trabalhar fora de casa. Comparando novamente a realidade brasileira, antes da Constituição de 1988 a mulher só poderia trabalhar ou abrir uma empresa com expressa autorização do marido.

Com todas as conquistas que a mulher vem conseguindo, uma infelizmente não será fácil de conseguir: a diminuição da violência contra a mulher. Todos os anos milhares de mulheres sofrem, no silêncio de seus lares, agressões diversas que as tornam objetos nas mãos dos maridos. A violência psicológica é aquela na qual a mulher tem sua autoestima e confiança totalmente destruídas por seu parceiro para que esta continue sendo submissa às suas vontades.

Já a violência física, que pode vir por conta da frustração do marido em não conseguir um emprego melhor, não ter sua vontade imediatamente satisfeita ou por ver que a mulher está tentando se tornar independente dele ou por muitos outros motivos dentre os quais o abuso de álcool e drogas é destacável, constitui-se de agressões físicas que podem ocasionar lesões corporais leves, graves, seguidas de morte ou mesmo chegar ao ápice que é o homicídio.

E a violência sexual que é aquela que pode advir do abuso de álcool por parte do marido ou por achar que é direito do marido e dever da esposa, ceder a todas as vontades sexuais do marido a qualquer momento, o que a faz criar um novo tipo de submissão perante o homem.

Para tentar combater todas essas violências contra a mulher é que veio a Lei Maria da Penha, uma lei com um objetivo determinado, mas que por diversas razões acaba não chegando à sua devida finalidade.

Neste estudo faremos uma análise dos antecedentes históricos da violência contra a mulher, mostrando a sua submissão frente ao homem dominador, e como também essa cultura machista ainda se mostra presente na atual sociedade Além disso, mostraremos quais são os motivos que a mulher vítima possui para não denunciar o homem agressor, apresentando também números expressivos de mortes de mulheres no Brasil, assim como se começa uma relação de submissão com os companheiros, o que faz com que a mulher se torne um objeto na mão do homem. O nosso material de pesquisa será composto de livros e artigos científicos sobre a Lei Maria da Penha além de pesquisas psicológicas quanto ao sentimento da mulher agredida.


2. LEI MARIA DA PENHA

Atualmente é comum assistir aos noticiários e ver noticias de mulheres que foram ou são agredidas por seus companheiros. A luta contra esse tipo de violência já se deu de diversas maneiras, entre elas, sendo a de maior força, a criação e promulgação da Lei nº 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Com base nos altos índices de mortes de mulheres, tanto adultas quanto adolescentes e crianças no país, além de fortes pressões dos movimentos feministas no enfrentamento à violência doméstica e familiar, foi criada a Lei Maria da Penha. Somando a esses fatores, o fato de o Brasil ser signatário de Convenções como a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher) e da Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, fez com que o país recebesse recomendações para a criação de um modo mais efetivo de proteção contra a violência doméstica e familiar. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2012).

O processo de formação legislativa da Lei Maria da Penha foi um dos mais democráticos vistos até hoje no Brasil, visto que este processo teve a participação de movimentos feministas de todas as regiões do país, além de um grande apoio internacional. Uma proposta de prevenção à violência doméstica elaborada por um conjunto de ONGs (Advocacy, Agende, Cepia, Cfemea, Claden/IPÊ e Themis) foi apresentada, e depois de várias discussões e reformulações coordenadas pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), o texto legal foi enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, onde foi aprovado por unanimidade nas cinco regiões do país onde houve audiências públicas realizadas nas Assembleias Legislativas e que contaram com a participação de entidades da sociedade civil, parlamentares e a SPM.

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Como podemos observar, a espera de uma lei que realmente fosse ajudar as mulheres vítimas da violência doméstica foi finalmente concretizada, podendo atender tanto mulheres da classe alta quanto mulheres carentes.

2.1. QUEM É MARIA DA PENHA

Muito se fala na chamada Lei Maria da Penha, mas muitos não sabem o porquê esse nome foi dado a ela. Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica, cearense, e que atualmente possui 61 anos de idade, foi vítima, por duas vezes, de tentativa de homicídio praticado por seu marido na época, o professor universitário e economista Marco Antonio Herredia Viveros, e também pai de suas três filhas.

Na primeira tentativa, em 29 de maio de 1983, Marco Antonio deu um tiro nas costas de Maria da Penha com uma espingarda enquanto ela dormia, simulando um assalto. Depois do disparo foi encontrado na cozinha da residência gritando por socorro, alegando que os ladrões haviam fugido pela janela. Maria da Penha ficou internada durante quatro meses e em resultado da violência voltou paraplégica para a sua casa.

Pouco mais de uma semana do fato ocorrido, a segunda tentativa de homicídio foi praticada. O marido a empurrou da cadeira de rodas que usava em virtude da primeira tentativa, e também buscou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho.

Como expõe Maria Berenice Dias (2007, p. 13), as investigações começaram em junho de 1983, mas a denuncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a 8 anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade ele, 1 ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de 10 anos e 6 meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após o fato, em 2002, é que Marco Antonio Herredia Viveros foi preso e cumpriu apenas dois anos de prisão em regime fechado e logo após recebeu o benefício da progressão de regime indo para o regime aberto.

A repercussão dessa história foi tão grande que fez a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos solicitar ao governo brasileiro um parecer sobre o fato. Como este parecer nunca foi entregue à Comissão, o Brasil foi condenado internacionalmente em 2001, tendo como pena o dever de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, além de ter sido responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Fora isso, foi recomendado que o país adotasse várias medidas para simplificar os procedimentos penais para que possa ser reduzido o tempo processual.

E, como já dito anteriormente, foram essas pressões internacionais que fizeram com que o Brasil cumprisse os tratados internacionais dos quais é signatário.

Maria da Penha, após as tentativas de homicídio, começou a atuar em movimentos sociais contra violência e impunidade e hoje é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no Ceará.

2.2. O QUE MUDOU COM A LEI MARIA DA PENHA

Antes da Lei Maria da Penha, a violência doméstica contra a mulher nunca teve uma lei especifica que a regulasse. Mulheres agredidas se viam encurraladas pela falta de apoio jurídico enquanto que o homem continuava com as agressões já que a sua chance de ser punido era praticamente nula.

Com a promulgação de Constituição Federal de 1988, os Juizados Especiais foram criados, e com eles, uma maior celeridade no processo penal brasileiro. Esses Juizados Especiais apenas tinham competência quando se tratava de crime com pena máxima de 2 anos, ou seja, “crimes de menor potencial ofensivo”. Mas, no momento da transcrição do texto legal, o legislador se esqueceu de observar um aspecto muito importante quanto à violência contra a mulher: quando se tratava de lesões corporais dolosas ou culposas, a ação penal era condicionada à representação da vítima, tirando o poder de punir do Estado e colocando o dever de iniciativa com a mulher agredida. Entretanto, como já é sabido por todos, quando está sob forte pressão do companheiro, a mulher não vê outra alternativa a não ser a de continuar calada. Sobre isso, Maria Berenice Dias nos mostra a inferioridade da mulher numa relação de violência:

“Apesar de a igualdade entre os sexos estar ressaltada enfaticamente na Constituição Federal, é secular a discriminação que coloca a mulher em posição de inferioridade e subordinação frente ao homem. A desproporção, quer física, quer de valoração social, entre o gênero masculino e feminino, não pode ser olvidada.” (2007, p. 22).

Com a ineficiência dos Juizados Especiais já que a lei da força física ainda era superior à da lei jurídica, foi criada em 2002, uma medida cautelar, de natureza penal, ao admitir a possibilidade de o juiz decretar o afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica. E em 2004, a Lei 10.886 acrescentou um subtipo à lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de 3 para 6 meses de detenção.

Ocorre que, infelizmente, essas pequenas mudanças não foram suficientes para mudar todo um panorama nacional onde o número de mulheres que sofriam violência doméstica só aumentava. Por se tratar, na época, de um crime de menor potencial ofensivo e por tramitar nos Juizados Especiais, ficava dispensado o flagrante se o autor se comprometesse a comparecer no Juizado Especial Criminal, além de ter benefícios como o da transação penal, concessão de sursis, aplicação de penas restritivas de direitos, e a dependência de representação caso se tratasse de lesão leve.

Com todas essas características, fica claro observar que as leis que puniam a violência doméstica antes da Lei Maria da Penha não tinham muita eficiência. Em 2006, com a promulgação da Lei Maria da Penha, um novo texto legal surge para regularizar e punir os agressores de mulheres no âmbito doméstico e familiar, e com essa nova lei, mudanças surgiram nos tramites processuais penais brasileiros.

A Lei Maria da Penha trouxe dispositivos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Uma das maiores novidades trazidas pela Lei foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, os JVDFMs, com competência cível e criminal, o que deu mais celeridade aos processos que continham direito de família incluso, por exemplo.

A vítima se apresentará nas delegacias e será instaurado inquérito policial, e não mais um depoimento reduzido a termo como eram feitos em todos os casos anteriores à Lei. A mulher também ficou proibida de entregar qualquer intimação ou notificação ao agressor, além de ser notificada de todos os atos processuais praticados, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, e sempre estar acompanhada de um advogado, tanto na fase policial quanto na judicial, e poder ter acesso aos serviços da Defensoria Pública e da Assistência Judiciária Gratuita.

Se antes da promulgação da Lei Maria da Penha eram possíveis penas alternativas como forma de punição pela violência praticada, depois da Lei, ficou proibido o uso de pena pecuniária, multa ou entrega de cestas básicas, e se permitiu a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corra. A pena mínima foi modificada, tendo sido reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência.

Outra importante mudança foi quanto à desistência da vítima em prestar denúncia contra o seu agressor. Antes de 2006, a mulher podia desistir da denúncia na própria delegacia, e depois de 2006, ela só fica permitida a desistir da denúncia perante o juiz. Fica à decisão do juiz fixar um limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas, e pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas.

E o último dispositivo da Lei, que para Maria Berenice Dias (2007, p. 25) é um dos mais importantes, é o que permite o Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação, o que faz o agressor ser reeducado psicologicamente para não voltar a agredir a mulher.

2.3. A VIOLÊNCIA E A MULHER NA HISTÓRIA

A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica e social. Ao longo dos tempos, as mulheres sempre foram inferiorizadas perante o homem. Desde os primórdios, a cultura humana caracteriza o sexo feminino como o sexo frágil, colocando a figura da mulher como um ser dependente da figura masculina.

A submissão da mulher perante o homem é fato ocorrido desde os chamados “tempos das cavernas” com a famosa figura do homem puxando a mulher pelos cabelos. Na Grécia antiga, a diferenciação entre os gêneros era clara, como elucida Tânia Pinafi em seu artigo intitulado “Violência contra a mulher: políticas públicas e medidas protetivas na contemporaneidade”:

“Na Grécia Antiga havia muitas diferenças entre homens e mulheres. As mulheres não tinham direitos jurídicos, não recebiam educação formal, eram proibidas de aparecer em público sozinhas, sendo confinadas em suas próprias casas em um aposento particular (Gineceu), enquanto aos homens, estes e muitos outros direitos eram permitidos.” (PINAFI, 2013).

Em Roma, a mulher não era considerada cidadã e consequentemente não podia exercer nenhum cargo público (FUNARI, apud, PINAFI, 2013). A exclusão social, jurídica e política da mulher a colocava no mesmo patamar das crianças e escravos, dando a ela apenas a função social de procriadora.

Segundo Christina Larroudé de Paula Leite (apud PINAFI, 2007), a Idade Média foi a época mais cruel quanto à discriminação contra a mulher. Mulheres inocentes eram queimadas nas fogueiras da Inquisição sob a acusação de bruxaria, sendo sumariamente julgadas de acordo com o Malleus Maleficarum ou Martelo das Bruxas, que era um livro onde eram descritas todas as formas de diagnosticar se uma mulher era ou não uma bruxa, como por exemplo, uma mulher que não chorasse durante seu julgamento automaticamente era condenada por ser uma bruxa. Outro exemplo de como a mulher era desprotegida são as leis instituídas pela Ordenação Filipinas ou Código Filipino, tendo esse nome por ter sido criado por Filipe II da Espanha, onde o marido traído pela esposa tinha a permissão de matar a sua mulher e o seu rival. Portanto, percebe-se que nessa época a missão da mulher era a de tudo aceitar e renunciar a si mesma, enquanto que o homem era tido como um ser superior.

A cultura da religião judaico-cristã só firmou ainda mais a inferioridade da mulher na sociedade. O Cristianismo colocou a mulher como sendo a culpada pelo pecado original, pela expulsão dos homens do paraíso, devendo por isso serem obedientes, passíveis e submissas aos homens, que eram tidos como seres iluminados e os únicos capazes de dominar os instintos das mulheres. Com o aumento dos adeptos dessa religião ao redor do mundo, esse pensamento da submissão da mulher foi sendo acolhido pela grande maioria, introduzindo na mulher a consciência da culpa perante o pecado, e dando ao homem o poder de domínio perante ela (PINAFI, 2013).

Com o decorrer dos anos, mesmo com as revoluções ocorridas nos países europeus, a mulher continuou sendo privada de seus direitos naturais, tendo apenas as funções domésticas designadas. Foi somente no século XIX, com a consolidação do sistema capitalista que algumas mudanças aconteceram.

“No século XIX há a consolidação do sistema capitalista, que acabou por acarretar profundas mudanças na sociedade como um todo. Seu modo de produção afetou o trabalho feminino levando um grande contingente de mulheres às fábricas. A mulher sai do locus que até então lhe era reservado e permitido — o espaço privado, e vai à esfera pública. Neste processo, contestam a visão de que são inferiores aos homens e se articulam para provar que podem fazer as mesmas coisas que eles, iniciando assim, a trajetória do movimento feminista.” (PINAFI, 2013).

No contexto brasileiro, a partir do ano de 1970, grupos de movimentos feministas foram nascendo no país, com o grande objetivo de eliminar as discriminações sociais, econômicas, políticas e culturais de que a mulher é vítima. A luta desses grupos contra o machismo tinha como revolta a impunidade de muitos assassinatos de mulheres sob o argumento de legítima defesa da honra. Pinafi expõe o exemplo do assassinato de Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street que não se conformou com o rompimento da relação e acabou por descarregar um revólver contra o rosto de Ângela. Sendo levado a julgamento foi absolvido com o argumento de haver matado em “legítima defesa da honra”. A grande repercussão dada à morte de Ângela Diniz na mídia, acarretou numa movimentação de mulheres em torno do lema: “quem ama não mata”.

Com a pressão dos movimentos feministas contra a violência doméstica, foi criado, no estado do Rio de Janeiro em 1981, o SOS Mulher, um espaço de atendimento às mulheres vítimas de violência, além de ser um espaço de reflexão e mudanças das condições de vida destas mulheres, tendo esta iniciativa se expandido para outras capitais como São Paulo e Porto Alegre.

Depois de iniciada a parceria dos grupos feministas com os estados brasileiros, o acordo para a criação da primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) veio em consequência, contribuindo para dar maior visibilidade à problemática da violência contra a mulher, especialmente a doméstica. A medida adotada pelo Brasil foi pioneira e teve países da América Latina como seguidores, adotando também a criação de DDMs.

Em junho de 1994, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, tendo o Brasil como signatário e tendo ajudado com a iniciativa da criação da Lei Maria da Penha.

Observando os antecedentes históricos da violência contra a mulher, percebe-se que ela já se encontra introduzida na cultura da sociedade desde os tempos primitivos. Sobre isso, Maria Thereza Ávila Dantas Coelho e Rosilene Almeida Santiago expõem o conceito da “síndrome do pequeno poder” citando os escritores Mauricio Gonçalves Saliba e Marcelo Gonçalves Saliba:

[...] “A violência contra a mulher, além de histórica, é também produto de um fenômeno cultural da sociedade moderna. A lógica desses processos culturais não se dilui com leis penais punitivas. Além do mais, há que se considerar, na cultura brasileira, a "síndrome do pequeno poder", que surge quando aqueles que não se contentam com sua pequena parcela excedem os limites justos de sua autoridade” [...] (SALIBA,  SALIBA apud SANTIAGO, COELHO, 2013).

Portanto, observa-se que os antecedentes históricos da violência doméstica contra a mulher foram fatores importantes para o fortalecimento da atual superiorização do homem frente à mulher, colocando-a numa total relação de submissão.

Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Larissa Ribeiro da Silva

Bacharelanda do 6o. Período de Direito da Unisal - Lorena-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos; SILVA, LARISSA RIBEIRO DA, Larissa Ribeiro Silva. Lei Maria da Penha, violência, medo e amor:: da denúncia ao perdão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3788, 14 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25829. Acesso em: 25 dez. 2024.

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