O Brasil vive um momento especial na forma de pensar o desenvolvimento dos meios de transportes e na sua infraestrutura logística na escoação da produção nacional aos mercados externos e no recebimento de produtos estrangeiros, de maneira a proporcionar uma oportunidade de um amplo crescimento ao modal marítimo brasileiro.
A necessidade e os problemas apresentados levaram o governo brasileiro adotar uma série de medidas paliativas para amenizar, pelo menos a curto prazo, o anseio por novos investimentos para o melhoramento da logística brasileira. Permitiu-se, com isso, um cenário favorável à iniciativa privada aplicar recursos, principalmente, na área portuária, hidroviária e ferroviária para um desenvolvimento mais acentuado destes modais.
O melhoramento logístico de nosso país acarreta, indubitavelmente, uma necessidade latente de aquisição de recursos técnicos e materiais para viabilizar essa realidade. Não diferente dos demais modais, o transporte marítimo inclui-se nesse contexto por constituir no mais importante canal de transporte de mercadoria para o fluxo do comércio exterior e ser uma importante ferramenta logística dentro de nosso país, mas que, nesse aspecto, ainda é pouco utilizada.
O modal marítimo apresenta-se como uma ferramenta importante para o desenvolvimento logístico de nosso país e com as séries de medidas adotadas pelo Governo Federal constituir-se-á num dos meios de transporte que mais canalizará investimentos significativos para sua utilização pela cadeia produtiva interna para movimentação de suas mercadorias dentro de nosso território.
A previsão de fortes investimentos na área logística acaba afetando diretamente a navegação de cabotagem[1] realizada em nosso país com a constatação da necessidade das empresas de navegações de vir a ampliar e melhorar suas frotas, com o objetivo de atendimento da demanda que está por vir em um futuro próximo.
O fator de crescimento, também, acaba criando a oportunidade de novas empresas de navegação se instalarem para aproveitar essa realidade de mercado, da maneira que essa conjuntura gera a necessidade da aquisição de navios para sua utilização, principalmente, em rotas de cabotagem em nosso país.
A legislação brasileira, no entanto, traz uma série de restrições para a exploração da navegação de cabotagem que acaba restringindo um maior desenvolvimento dessa espécie de modal em nosso país. Aqui, prevalece o entendimento daqueles que defendem a ideia da exploração está atrelada a defesa dos interesses nacionais.
A consequência desse pensamento legitima a limitação da exploração da cabotagem às empresas de brasileiras constituídas na forma de empresas brasileiras de navegação, ou seja, as chamadas EBN`s, pois, tal ideia encontra-se enraizada no Art. 7° da Lei n° 9.432/1997 e na Resolução n° 2.510/2012/Antaq.
As referidas normas limitam a utilização de embarcações estrangeiras na navegação de cabotagem pelas empresas brasileira de navegação, porque restringe a realização de afretamento de navios por tempo e por viagem, exceto nas hipóteses previstas no Art. 9° da Lei n° 9.432/1997. Essas permissões, que depende de autorização da ANTAQ, refletem uma excepcionalidade temporal a regra de utilização de embarcações de bandeira brasileira na exploração da navegação de cabotagem.
O afretamento de embarcação estrangeira, dessa maneira, não se apresenta como meio para o incremento da frota de navios das empresas brasileiras de navegação, porque, a única espécie de afretamento que independe de autorização, é a de casco nu, desde que haja um contrato de construção de navio, a qual a sua duração encerra-se com a entrega da embarcação construída à EBN, ou seja, impondo um limite temporal a utilização de embarcações estrangeiras.
Com efeito, vê-se que a única forma de atender a demanda de crescimento é por meio de aquisição de navios pelas empresas brasileiras de navegação ou de afretamento de embarcações brasileiras, que, neste caso, não depende de autorização, mas raras de existirem no mercado interno. Porém, a interpretação da Lei n° 9.432/1997 e da Resolução n° 2.510/2012/Antaq limita somente às referidas opções.
No entanto, o caminho da aquisição de navios novos pelas empresas brasileiras de navegação é árduo e oneroso, principalmente, se levarmos em consideração a opção de compra no mercado interno brasileiro, diante das encomendas oriundas das atividades do pré – sal recebidas por nossos estaleiros nos últimos anos para atender essa demanda específica, cujo resultado é uma fila de espera de anos, caso o interessado faça questão de ter um navio construído em solo tupiniquim.
É o que se constata no relato secretário-geral do SINAVAL, Sergio Leal ao Jornal Estado de São Paulo, quando reconhece que alguns dos estaleiros estão com o cronograma atrasado, mas diz acreditar que a indústria vai conseguir atender às demandas do setor. O diretor de engenharia naval da Marinha, Almirante Francisco Deiana, reclamou de dificuldades para conseguir abrir licitações, dado o alto número de encomendas para o setor de petróleo.
A Marinha diz ter demanda por embarcações menores, mas com tecnologia avançada, como no caso de navios-patrulha. “A indústria naval está com carteira lotada até 2017, sem capacidade de absorver essas (demandas) de alto valor agregado”, disse. “Não conseguimos espaço para colocar nossas encomendas”.
O mercado externo, apesar de não possuir o mesmo grau de aquecimento, apresenta-se como uma opção com um custo um pouco reduzido, relação ao nosso, e com a possibilidade de recebimento do navio em um espaço de tempo muito menor. Contudo, ainda assim, há uma demora e a necessidade de realizar um alto investimento para viabilizar tal opção. Dessa maneira, sobra outra alternativa, que é mais rápida e com um custo bem menor. A embarcação usada.
Ao se analisar essa opção de realizar a aquisição de uma embarcação usada, o interessado brasileiro encontra uma restrição, aparentemente, insuperável na legislação brasileira, porque o ordenamento jurídico impõe uma série de limitação para importação de mercadorias usadas. Depara-se, então, com a pergunta: É possível, então, importar uma embarcação usada?
Digo que sim! Senão vejamos:
O aprofundamento da matéria possibilita encontrar na Portaria nº 23, de 14 de Julho de 2011 da Secretaria de Comércio Exterior o regramento para exemplificar a possiblidade de realizar a importação de uma embarcação usada e sua viabilidade de concretizá-la efetivamente para o emprego na navegação de cabotagem, diante do cenário naval brasileiro.
A referida regra faz uma tricotomia no tratamento administrativo das importações com o estabelecimento da necessidade de licenças para as importações brasileiras, quando realiza uma distinção de quais produtos estão dispensados delas e, quando não, quais as que possuem licenciamento automático ou não. Essa distinção pode ser visualizada no Art. 12 da Portaria nº 23/2011 da Secretaria de Comércio Exterior.
Sob esta óptica, então, pode-se dizer que toda a mercadoria importada será enquadrada nessa sistemática e, sendo assim, dependendo de sua natureza, o seu licenciamento pode ser dispensado, automático ou não automático.
As mercadorias usadas seguem a mesma sistemática do tratamento administrativo estabelecido pela Secretaria de Comércio Exterior, mas impondo, como regra geral, a necessidade de submetê-la ao licenciamento não automático, conforme se pode verificar no Art. 15, inciso II, Alínea “e” da mencionada portaria.
O licenciamento não automático importa na necessidade do importador obter a(s) licença(s) prévia(s) ao embarque da mercadoria, salvo raras exceções, e numa ampliação do prazo máximo de análise para seu deferimento ou não por parte dos respectivos órgãos anuentes, cuja tramitação do pedido não ultrapassará 60 (sessenta) dias dentro do SISCOMEX, salvo quando comprovado a impossibilidade de apreciá-lo por parte do(s) órgão(s) anuente(s).
Por força do Art. 41 da referida portaria, o produto usado deve se submeter à análise de produção nacional, de modo a se verificar se existência de similar produzido no País ou não possam ser substituídos por outros, atualmente fabricados no território nacional, capazes de atender aos fins a que se destina o material a ser importado, ou seja, o chamado exame de similaridade.
Entretanto, o Departamento de Comércio Exterior (DECEX) previu a possibilidade de realizar a dispensa do exame de similaridade na importação de certos produtos usados, os quais se encontram relacionados no Art. 42 da Portaria nº 23/2011 da Secretaria de Comércio Exterior. E dentro desse rol, vislumbra a importação de embarcações para transporte de carga e passageiros, aprovadas pelo Departamento de Marinha Mercante do Ministério dos Transportes.
A análise do referido antigo revela a existência de uma discricionariedade para o deferimento da licença e, não obstante a previsão da dispensa do exame de similaridade, sempre levará em consideração tal aspecto por ocasião de apreciação do pedido para liberação da mercadoria usada, já que, a norma não atribuiu uma exclusão objetiva do exame, mas sim uma faculdade.
Sob esta óptica, então, a importação de embarcações para transporte de carga e/ou passageiros será submetida, primeiramente, a uma análise destinada à dispensa do exame de similaridade, tendo-se em vista que tal dispensa é uma faculdade e não um dever por parte da DECEX.
Neste aspecto, a conjectura da indústria nacional naval permite que a referida análise seja favorável para concessão do licenciamento da importação da embarcação usada, porque, atualmente, ela não possui condições para atender a demanda em prazo considerado normal dentro das características almejadas no mercado interno.
A falta de capacidade para atender as demandas em prazo norma pelo mercado naval apresenta-se como empecilho à execução de projetos de eventuais clientes que tenha o interesse na expansão de sua frota naval ou para aqueles que pretendem explorar a navegação por cabotagem e necessitam adquirir um navio para atender as exigências legais já mencionadas anteriormente.
Tais aspectos importam, inconteste, que a falta de capacidade da indústria naval para atender a demanda crescente acaba inviabilizando projetos específicos dos clientes, de modo que tal realidade encontra um amparo no Art. 195 do Regulamento Aduaneiro para legitimar a dispensa do exame de similaridade.
Art. 195. Na hipótese de a indústria nacional não ter condições de oferta para atender, em prazo normal, à demanda específica de um conjunto de bens destinados à execução de determinado projeto, a importação da parcela do conjunto, não atendida pela indústria nacional, poderá ser dispensada do cumprimento das normas de similaridade estabelecidas nesta Seção.
O aspecto trazido pela referida norma, apesar de trazer uma faculdade em seu texto, apresenta-se como grande ferramenta para demonstração da necessidade da dispensa do exame de similaridade na importação de embarcações usadas, porque insere elementos norteadores para o importador conseguir a obtenção da respectiva licença.
É de bom grado lembrar que a discricionariedade deve atuar no limite estabelecido na lei e, sendo assim, a norma que rege a possibilidade de dispensa do exame de similaridade é destinada a proteção da indústria nacional, de modo que, se ela própria não possui condições de atender a demanda, não se apresentaria como medida razoável ou proporcional o indeferimento da licença e, portanto, ultrapassaria o campo da legalidade e adentraria na ilegalidade tal posicionamento da administração pública.
Dessa maneira, se o importador demonstrar, cabalmente, a impossibilidade da indústria nacional naval em atender a sua demanda dentro de um prazo considerado normal para o seu projeto, não se poderia a administração pública realizar o indeferimento da licença, uma vez que ultrapassaria os limites de discricionariedade contidos na lei, ou seja, no comando do Art. 195 do Decreto n° 6.759/2004.
Ultrapassada essa barreira, o Art. 42 da Portaria nº 23/2011/SECEX condiciona a importação das embarcações usadas que forem aprovadas pelo Departamento da Marinha Mercante (DMM) para legitimar a concessão do licenciamento dentro do SISCOMEX, conforme se vislumbra o inciso VIII do Parágrafo Único do mencionado artigo.
O aprofundamento da temática sobre a exigência de uma aprovação da embarcação a ser importada do Departamento de Marinha Mercante remonta a necessidade de averiguar as competências institucionais conferidas ao referido órgão, com vista a legitimá-la ou não dentro do processo de importação.
A competência do Departamento de Marinha Mercante encontra-se definida pelo Art. 16 do Anexo I do Decreto 7.717/2012 e não se vislumbra qualquer previsão conferida ao referido órgão e que lhe dada a prerrogativa para análise de pedidos relacionados a importações de embarcações ou lhe legitime figurar como órgão técnico interveniente para concessão de autorização das espécies de embarcações adequadas para operar no transporte de cargas e passageiros em nosso país.
A Portaria GM n° 250 de 31 de Outubro de 2012, que instituiu o Regimento Interno do Ministério dos Transportes, também, não relaciona qualquer previsão institucional para legitimar o Departamento de Marinha Mercante na concessão da autorização mencionada na Portaria do SECEX, ensejando, dessa maneira, uma problemática legal.
Ao se visualizar as normas, que delimita as competências do Ministério dos Transportes e do Departamento de Marinha Mercante, percebe-se que elas não conferem legitimidade para estes órgãos participarem como anuentes no processo de importação de embarcações usadas para o transporte de cargas e/ou passageiros.
Neste contexto é de se salientar que a competência do DMM de participar desse procedimento de importação, mediante aprovação da embarcação a ser importada, encontra-se, somente, respaldada numa portaria setorial emitida pela Secretaria de Comércio Exterior para legitimar a participação do referido órgão.
A previsão dessa competência em uma norma administrativa acabou inovando a ordem legislativa, propriamente dita, porque trouxe uma competência/atribuição não prevista na norma legal que define o funcionamento e os limites de atuação do Departamento de Marinha Mercante (DMM), de maneira que a gerar um conflito entre tais instrumentos.
O princípio da legalidade, neste caso, não permite com que uma haja uma inovação estabelecida numa norma, quando aquela é implementada por uma de caráter inferior. No caso em tela, tal violação fica mais visível quando se depara que a inovação no âmbito normativo deu-se com uma norma de cunho, meramente, administrativa, ou seja, uma portaria ampliando uma competência não prevista pelo decreto normativo.
A constatação dessa realidade, então, acarreta a impossibilidade condicionar a importação de embarcações usadas as que forem aprovadas pelo Departamento de Marinha Mercante, uma vez que não se pode atribuir competência por meio de portarias administrativas, sob pena de desvirtuar o princípio da legalidade esculpido em nossa Constituição Federal.
O corolário desse pensamento nos leva a concluir que a exigência desse requisito na importação de embarcações usadas de cargas e/ou passageiros extrapola o limite da legalidade que pode ser combatido pelas vias judiciais cabíveis, ou seja, por meio de Mandado de Segurança, para exclusão da respectiva aprovação por parte do Departamento de Marinha Mercante.
Entretanto, a dispensa da aprovação do referido órgão não legitima o importador a realizar a importação de embarcações usadas que não estejam aptas a desempenhar a sua função primordial, de maneira que, sob esta óptica, indiretamente, existe uma condicionante a ser respeitada, qual seja, a de que a mencionada mercadoria possua toda a certificação necessária para operar com segurança nas águas jurisdicionais brasileiras (AJB).
O panorama das normas sobre a importação de embarcações usada para o transporte de cargas e passageiros revela um cenário positivo para obtenção do aval do Departamento de Comércio Exterior, de maneira a se permitir a expansão do quantitativo de embarcações e de empresas aptas a explorar a navegação por cabotagem, enquanto a indústria naval brasileira não possua condições de atender as demandas de crescimento do setor dentro de prazos normais.
Com isso, o próprio cenário nacional coloca como instrumento para viabilizar a importação de embarcações usadas, fazendo com que a discricionariedade contida na lei seja ultrapassada pela necessidade de crescimento do setor, que se encontra engessado, pela falta de capacidade da indústria naval de atender as demandas em tempo hábil e pelas restrições de uso de embarcações estrangeiras na navegação de cabotagem em nosso país.
Assim, veem-se possibilidades jurídicas para importação de embarcações usadas para o transporte de cargas e passageiros, tendo-se em vista o cenário nacional e os permissivos legais estudados na presente oportunidade, restando ao interessado, então, a comprovação dessa realidade perante o Departamento de Comércio Exterior para viabilizar o seu pleito.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Portaria SECEX nº 23, de 14 de Junho de 2011. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1311100642.pdf>. Acesso em: 27.Novembro.2013.
_______ Decreto nº 7.717, de 04 de Abril de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7717.htm>. Acesso em: 27.Novembro.2013.
_______ Portaria do Ministério dos Transportes GM nº 250, de 31 de outubro de 2012. Disponível em: <http://www2.transportes.gov.br/basejuridica/ri_2012.xps>. Acesso em: 27.Novembro.2013.
MARIA, Anamaria Santos. O controle judicial na discricionariedade administrativa. Disponível em: <http://periodicos.uesb.br/index.php/cadernosdeciencias/article/viewFile/1980/1714>. Acesso em: 27.Novembro.2013.
VALE, Sabrina. Economia & Negócios. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,sinaval-apura-r-87-bi-de-investimento-em-9-estaleiros,148699,0.htm>. Acesso em: 27.Novembro.2013.
Nota
[1] Navegação realizada entre os portos brasileiros.