3. Das ações supletivas e subsidiárias previstas na Lei Complementar nº 140/2011
Além da possibilidade legal de delegação da competência originária dos entes federativos para promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, impende ressaltar a previsão legal de outras formas de cooperação, previstas na LC nº 140/2011. Vejamos o que estabelece a Lei no que tange às ações supletivas e subsidiárias, que poderão ser praticadas no âmbito do processo de licenciamento ambiental:
Art. 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, nas seguintes hipóteses:
I - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado ou no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua criação;
II - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Município, o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua criação; e
III - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado e no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua criação em um daqueles entes federativos.
Art. 16. A ação administrativa subsidiária dos entes federativos dar-se-á por meio de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas de cooperação.
Parágrafo único. A ação subsidiária deve ser solicitada pelo ente originariamente detentor da atribuição nos termos desta Lei Complementar. Grifos nossos
A atuação subsidiária deverá ser solicitada pelo ente originariamente competente, sendo que, nesse caso, haverá apenas apoio, seja técnico, científico, administrativo ou financeiro, e não substituição de competência do ente solicitante.
Com efeito, nos termos do dispositivo legal acima transcrito, a atuação subsidiária, se solicitada pelo órgão licenciador competente, provocará uma cooperação de outro ente federativo na condução dos processos de licenciamento/autorização, por meio da qual será repassado conhecimento técnico-científico ou estrutura necessária às análises a serem realizadas durante o processo de licenciamento. Nessa situação, o órgão solicitado apenas apoiará o ente originariamente competente, o qual continuará sendo o verdadeiro responsável pela condução do processo.
Por outro lado, sendo interesse dos dois órgãos ambientais a transferência da condução em si do processo, deverão as partes firmar um instrumento bilateral de delegação, na forma já analisada no item anterior.Assim, para que o órgão ambiental federal venha a conduzir processos de licenciamento/autorização que não sejam de sua competência, nos termos da nova Lei, não é suficiente que o Estado apenas requeira tal assunção de atribuição. Será imprescindível a instauração de um processo administrativo, instruído com manifestações técnica e jurídica, e com todas as formalidades exigidas por lei para realização de delegação de competência administrativa.
Por outro lado, se a intenção do ente competente para licenciar for apenas de obter de órgão diverso alguma forma de cooperação, mantendo-se a atribuição original de conduzir o processo, poderá haver um pedido de ação administrativa subsidiária. Nessa situação, haverá apenas a prestação de um apoio (técnico, científico, administrativo ou financeiro), não se delegando a atribuição de conduzir o processo de licenciamento/autorização.
Contudo, em qualquer caso de cooperação, é recomendável que haja alguma espécie de formalização do tipo e das condições do apoio que será prestado. Em havendo transferência de recursos financeiros, não há como se dispensar a celebração de Convênio, com todas as formalidades necessários ao controle financeiro que envolve questões orçamentárias. Na situação de mero auxílio técnico ou científico, que pode ocorrer, por exemplo, com a disponibilização temporária de conhecimento e trabalho de determinado(s) servidor(es), é imprescindível que se faça documentar a forma do apoio.
Por fim, cabe analisar a possível atribuição supletiva, também prevista no art. 15. da LC nº 140/11, já transcrito, mas que não se confunde com a ação administrativa subsidiária.
A expressão “supletivo” remete à ação de suprir, verbo referente, em regra, à atividade de preencher, ocupar e substituir. Assim, diferentemente da atuação subsidiária, em que haverá um apoio de ente diverso na condução do procedimento, na ação supletiva, o Ibama ou o órgão estadual assumirá o processo, mesmo porque estar-se-á diante da inexistência de órgão ambiental capacitado, com atribuição licenciatória originária.
Além dos casos de inexistência do órgão com capacidade para conduzir o respectivo processo de autorização/licenciamento, a competência supletiva poderá ser exercida nas situações de descumprimento dos prazos previstos em normas para tramitação dos processos de licenciamento. Segundo a LC nº 140/2011:
Art. 14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento.
(...)
§ 3º O decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, não implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra, mas instaura a competência supletiva referida no art. 15. Grifos nossos
Assim, seja no caso de descumprimento do prazo, seja nas situações de reconhecida inexistência de capacidade do órgão originariamente competente, poderá o Ibama atuar, de forma supletiva, conduzindo o processo de autorização ou licenciamento em questão. Não se pode negar, contudo, que a aferição da incapacidade do órgão ambiental competente envolve um certo grau de subjetivismo dos entes envolvidos, o que deve ser reduzido ao seu grau mínimo. Diante disso, entende-se cabível utilizar a caracterização de capacidade do órgão descrita na LC nº 140/2011, utilizada para condicionar a realização de delegação de competência. Assim, embora tal conceituação tenha sido inserida em contexto diverso (delegação e não atuação supletiva), entende-se válida sua utilização para orientar a ação supletiva do Ibama, por ser este a única caracterização legal existente. Nos termos da Lei, portanto:
Art. 5º O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.
Parágrafo único. Considera-se órgão ambiental capacitado, para os efeitos do disposto no caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas. Grifos nossos
Ainda que utilizado o conceito acima, observa-se que não será tarefa fácil a caracterização da tal “incapacidade”, podendo surgir, na prática, diversas controvérsias sobre o assunto. Isso porque o próprio Ibama pode, em determinado momento, não possuir o número adequado de técnicos, devidamente habilitados em cada área de conhecimento, para atender à enorme demanda de ações administrativas que lhe é diariamente submetida.
Seria irrazoável, assim, impor ao Ibama a assunção, em caráter supletivo, de todos os processos de licenciamento, estaduais ou municipais, em que se alega qualquer espécie de deficiência de estrutura técnica ou em que se sustenta equívoco na condução do procedimento licenciatório por parte do órgão competente. Deve-se preservar a esfera de discricionariedade técnica de cada órgão ambiental, que compreende certa liberdade na condução do processo, em obediência à legislação aplicável. Além disso, cabe reconhecer que a própria Autarquia Federal não está imune à carência de pessoal técnico, principalmente em momentos de elevada demanda de pedidos de licenciamento ambiental. Diante disso, para subsidiar a análise de necessidade de atuação licenciatória supletiva, entende-se recomendável a adoção de critério menos rigoroso, em relação ao que se deve compreender como adequada capacidade técnica do ente originariamente competente.
Diante disso, e com o fim de evitar distorções, abuso, e imposições irrazoáveis de assunção da competência supletiva, principalmente por parte de órgãos de controle, entende-se imprescindível que a “incapacidade” de um determinado órgão seja reconhecida pelo ente que agirá supletivamente, após provocação/pedido de ação supletiva, a ser apresentado pelo órgão incapacitado ou por alguma instituição de controle, a exemplo do Ministério Público.
Por fim, cabe ressaltar que nos casos de reconhecida necessidade de atuação supletiva, o Ibama (ou o órgão estadual no caso de incapacidade do ente municipal) deve formalizar a assunção de tal competência, enviando um ofício, ao ente originariamente competente, por meio do qual será solicitado o encaminhamento dos autos administrativos correspondentes à Autarquia Federal. Tal notificação administrativa mostra-se imprescindível, para formalizar a necessidade de alteração na condução do procedimento licenciatório, tendo em vista que, nos termos da legislação em vigor, é proibida a duplicidade de licenciamento ambiental de um mesmo empreendimento/atividade. É o que estabelece a LC nº 140/2011:
Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar.
§ 1º Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental.
Nesse sentido, caso o órgão licenciador originariamente competente não concorde com a necessidade de atuação supletiva do Ibama, em determinado caso concreto, restará à Autarquia Federal solicitar atuação judicial por parte da sua Procuradoria Federal Especializada, com vistas a provocar o Poder Judiciário na solução do impasse. Entendendo, contudo, não ser necessária a judicialização da questão, poderá o Ibama, por meio de seus Núcleos de Licenciamento Ambiental ou de sua Diretoria de Licenciamento Ambiental, manifestar-se, de forma não vinculante, no mérito do licenciamento conduzido por órgão diverso, fazendo propostas de novas exigências ou alterações de procedimentos, conforme parágrafo único do art. 13. acima transcrito.
Considerações finais
Viu-se que a sistemática de divisão de competência entre os órgãos ambientais nas três esferas de Governo foi substancialmente alterada pela Lei Complementar nº 140/2011, que trouxe uma nova normativa sobre o assunto, suprindo uma carência há muito existente, no que tange à regulamentação do parágrafo único do art. 23. da Constituição Federal.
O disciplinamento legal do assunto, contudo, não dispensará um cauteloso trabalho do intérprete e do executor da lei na observância dos limites de atuação de cada ente e na realização da cooperação esperada entre os órgãos ambientais, nas três esferas de Governo.
Mais do que nunca o legislador se preocupou, de forma muito salutar, em estabelecer um sistema rígido de divisão de competência licenciatória, sem deixar de prever formas válidas de cooperação, que não podem ser dispensadas.
Nesse sentido, a delegação, supletividade ou subsidiariedade de atuação tornaram-se figuras legalmente estabelecidas, que demandam, contudo, um grau de formalidade e procedimentos mínimos a serem respeitados pelos entes federativos.
Certamente, o transcurso do tempo e a esperada celebração de acordos e convênios entre os órgãos ambientais, nos três níveis de Governo, permitirão a concretização de um novo Sistema Nacional do Meio Ambiente, em que a cooperação aguardada pelo legislador será alcançada, afastando-se a indesejada superposição de atividades administrativas de diferentes esferas em uma mesma situação concreta.
Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 187. a 189.
GOMES, Edgard José Laborde. A repartição de competência no licenciamento ambiental definida pela Lei Complementar 140 de 2011. Disponível em: https://www.revistapetrus.com.br/a-reparticao-de-competencia-no-licenciamento-ambiental-definida-pela-lei-complementar-140-de-2011/. Acesso em 30 de julho de 2013.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008. p. 871.
MACIEL, Marcela Albuquerque. Competência para o licenciamento ambiental: Uma análise das propostas de regulamentação do art. 23. da CF. Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8759. Acesso em 16 de janeiro de 2012.
Notas
1 GOMES, Edgard José Laborde. A repartição de competência no licenciamento ambiental definida pela Lei Complementar 140 de 2011. Disponível em: https://www.revistapetrus.com.br/a-reparticao-de-competencia-no-licenciamento-ambiental-definida-pela-lei-complementar-140-de-2011/. Acesso em 30 de julho de 2013.
2 MACIEL, Marcela Albuquerque. Competência para o licenciamento ambiental: Uma análise das propostas de regulamentação do art. 23. da CF. Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8759. Acesso em 16 de janeiro de 2012.
3 MACIEL, Marcela Albuquerque. Ob. Cit.
4 Decreto nº 6.660/2008.
5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 187. a 189.
6 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008. p. 871.